Um vídeo de 12 minutos, veiculado pela BBC[1], me fez ficar reflexivo: será que nós somos livres ou apenas cumprimos um papel secundário rumo a um futuro predeterminado? Noutras palavras, há um destino inexorável ou um caos perpétuo? Os físicos sugerem que inexiste livre-arbítrio.

Expandindo esta ideia, fiquei a me perguntar se, para além dos indivíduos, uma massa de pessoas também poderia estar fadada a ter a mesma sorte. Quer dizer, uma espécie de sina comum. E aqui me refiro ao Brasil: será que vivemos numa dimensão onde só há espaço para populistas? Prefiro acreditar que não. E isso me motiva a trabalhar como voluntário em prol de um país melhor!

A Revista Você S/A[2], publicou belíssima reportagem em 13/05/2022 sobre a “inflação global”. Matéria daquelas que são exaurientes e informam de verdade. Então, trarei aqui alguns desses dados, para que possamos compreender o momento atual da economia do Brasil e do mundo.

Entre 2020 e o início de 2021, o Banco Central do Brasil reduziu a meta da SELIC para o menor nível na história: 2%. Natural: a pandemia tinha baixado violentamente a atividade econômica. O desemprego subiu de 11%, no pré-Covid, para assustadores 14,9%. O PIB, ou seja, a produção de bens e serviços, recuaria 3,9% no primeiro ano da pandemia – a terceira maior recessão na história, atrás apenas das de 1990 (-4,35%) e de 1981 (-4,25%). Então era baixar os juros ou esperar pela instauração da barbárie. E deu certo!! O PIB fechou 2021 em alta de 4,6% – a maior aceleração desde 2010 (que tinha sido de 7,53%). O desemprego recuou lá dos 14,9% de volta para a casa dos 11% (obs.: a taxa de desemprego no país fechou em 9,8% no trimestre encerrado em maio de 2022, segundo dados da PNAD Contínua, divulgada em 30/06/2022 pelo IBGE[3], um bom indicador).

E tudo isso graças a uma avalanche de dinheiro novo. Um levantamento do IPEA[4] mostrou que o pacote fiscal brasileiro destinado ao enfrentamento da pandemia de Covid-19 foi semelhante aos valores utilizados por países desenvolvidos. O Brasil gastou 14% do Produto Interno Bruto (PIB) em medidas para mitigar a crise sanitária, frente a 18,6% dos Estados Unidos e 19,2% da Espanha. O governo federal gastou R$520,6 bilhões somente em receitas primárias, sendo R$44,0 bilhões em recursos suplementares para as emergências de saúde pública, com destaque para os R$32,1 bilhões de transferências para execução descentralizada por parte dos governos estaduais e municipais. Já com auxílio financeiro à população brasileira, a União desembolsou R$78,3 bilhões – 14,9% do total dos custos.

Para dar uma ideia do tamanho desse gasto, vejamos o que diz a Revista Você S/A[5]: em fevereiro de 2020, logo antes da pandemia, havia R$3,03 trilhões em circulação no Brasil (na forma de dinheiro de papel, depósitos em conta corrente, poupança, CDBs e outras aplicações fáceis de resgatar). Dois anos depois, eram R$4,2 trilhões. 40% a mais! Quer dizer, de cada R$4,00 que giram na economia brasileira hoje, R$1,00 veio à luz depois da pandemia, lá na maternidade do Banco Central. A produção, porém, não subiu no mesmo ritmo – e nem teria como aumentar tanto em tão pouco tempo. Isso vai criando gargalos econômicos.

Mas não é só o dinheiro novo na nossa economia que alimenta a inflação. É o dinheiro novo dos outros países também. Basicamente todos os bancos centrais do mundo abriram as torneiras para enfrentar os efeitos deletérios da pandemia, a começar pelo dos EUA. No início de 2020, havia US$15 trilhões em circulação nos EUA. Hoje são US$21 trilhões. 40% a mais. De cada US$4,00 na praça, US$1,00 nasceu depois da Covid, na maternidade do FED, o Banco Central americano.

E funcionou por lá também. Reverteram uma queda de 3,4% no PIB em 2020 (o maior tombo desde 1946) para uma alta de 5,7% em 2021. O desemprego caiu de 14%, no início da pandemia, para 3,6% – um dos menores da história americana.

Porém, dinheiro novo causa aumento de preços quando a produção não dá conta do aumento da demanda. Vejamos o caso dos alimentos: boa parte da demanda vem de fora, e está turbinada pela impressão de trilhões de dólares e euros. Assim, o mercado interno brasileiro ficou muito menos abastecido. E quando a abundância de um produto diminui o preço dele sobe. Ou seja: a alta nas exportações de alimentos é um importante fator que hoje bomba a inflação da comida por aqui.

Vejamos o caso do petróleo: o barril já vinha em alta estratosférica bem antes de Putin invadir a Ucrânia. No final de 2019, o barril estava em US$60,00. Ano passado, fechou em US$80,00. Uma alta de 33% em dois anos. Em seguida, estourou a invasão russa à Ucrânia, o que tirou do mercado global um importante exportador de petróleo (a Rússia), dadas as sanções aplicadas em razão da guerra. Entretanto, a produção mundial de barris aumentou só 1,8% entre 2020 e 2021. Com mais dinheiro circulando e produção estagnada, os preços só têm uma direção a seguir: para cima.

Então, conclui a matéria da Revista Você S/A[6]: “subiu o petróleo, subiu tudo!” A começar pelos alimentos, já que eles não chegam de bicicleta aos centros de distribuição. Daí, o que temos neste momento é algo raro: uma inflação global. Nos EUA, ela fechou março em 8,5% para os últimos 12 meses, a maior em 40 anos. Na Zona do Euro, 7,4%, a maior da história da moeda. Entre as 24 maiores economias do mundo, a média é de 6% – a maior desde o início da década de 1990.

Agora, ao contrário da enxurrada de dinheiro observada no curso da pandemia, estamos passando por um momento oposto: um ciclo de alta global nos juros. Quer dizer, os Bancos Centrais, além de fecharem as torneiras, abriram o ralo. Nosso Banco Central foi um dos primeiros no mundo a começar uma alta nos juros. Eles saíram dos 2% ainda no início de 2021 para os atuais 13,25%[7].

Medidas assim, tomadas no mundo todo, devem baixar a inflação mais hora menos hora. O problema é que isso também tem um efeito colateral, não menos indigesto que os aumentos de preços: recessão. Juros altos demais por tempo demais pressionam o PIB para baixo, e o desemprego para cima. Eles matam a inflação a golpes de estagnação econômica. Juros altos e instabilidade no suprimento de commodities é uma combinação capaz de produzir o pior dos cenários: uma estagflação. Ou seja, estagnação econômica combinada com inflação. Nesse caso, uma inflação turbinada não pelo aumento da demanda no mundo, mas por escassez pura e simples.

Enfim, nobre leitor, viemos parar num cenário muito sombrio, do ponto de vista econômico. E o que deveríamos fazer? Obviamente apertar os cintos, realizar reformas estruturantes e enfrentar da melhor forma esse dragão de duas cabeças (inflação e recessão em conjunto). Porém, o que vemos? Populismo! Para os desavisados, vou traduzir: começou a venda de terrenos na Lua por parte do governo federal, objetivando viabilizar a reeleição de Bolsonaro. Ah… Ricardo… mas isso vai melhorar se Lula for eleito… Vai nada! O homem é tão populista quanto (ou mais!), afinal, já disse que se ganhar, a primeira medida de seu governo será revogar o teto de gastos[8]. É inacreditável!

Quer dizer, mesmo que o destino tenha trazido a maior pandemia em 100 anos e maior conflito desde a 2ª Guerra Mundial, alterando totalmente o equilíbrio e a marcha da história, nós, os brasileiros, estamos aqui debatendo entre duas opções totalmente iguais, do ponto de vista do gasto público. Ambos estão obstinados a quebrar o país para ficarem sentados na cadeira presidencial.

Para dar uma dimensão do que digo, chamo sua atenção para a aprovação no dia 30/06/2022, pelo Senado Federal (por 72 votos favoráveis e apenas um contra – lembrando que o Partido NOVO não possui senadores eleitos hoje), da chamada “PEC Kamikaze[9]. Parece piada, mas, não é!!

A referida PEC prevê a liberação de gastos do governo federal e a criação de novos benefícios sociais em ano eleitoral (R$41,25 bilhões), o que só seria possível com a decretação de um “estado de emergência”. O comitê de campanha de Bolsonaro entende que essa PEC é fundamental para recuperar a desvantagem nas pesquisas de intenção de voto para presidente, lideradas por Lula.

Bem, então votar em Lula seria a melhor saída? Como já frisei acima, é claro que não!! Além de estar incrivelmente errado em sua ideia de revogar o teto de gastos[10], Lula está prometendo uma “chuva de picanha” nos lares brasileiros, além de combustível quase “de graça” nas bombas. Você pode acreditar nisso, desde que também creia que existe árvore de dinheiro, claro.

Para ser mais didático, vou ficar apenas com a questão do preço dos combustíveis fósseis – petróleo (uma commodity, que hoje está experimentando preços recordes nos postos de combustível mundo afora, não só aqui no Brasil). Lula diz que se for eleito vai “abrasileirar” os preços da gasolina e do diesel no país[11]… ele também se opõe à privatização da companhia.

Sucede que, conforme bem explicitado pelo portal Mises Brasil[12], a proposta de Lula equivale a um “tabelamento de preços” (que é a coisa mais sintomática de alguém populista, diga-se de passagem). Acontece que já vimos este filme: no governo Dilma, a Petrobras foi obrigada a vender para as distribuidoras gasolina e diesel abaixo do preço pelo qual foram importados. A empresa teve de queimar seu patrimônio para manter esta política. Na prática, a Petrobras pagava para produzir. Obviamente, ela só fez isso porque era estatal (nenhuma empresa normal poderia se dar a este luxo). Como consequência, o preço de suas ações, que havia chegado a R$44,00 em 2008, caiu para R$4,00 ao fim de 2015. No total, a estatal teve um prejuízo de R$180 bilhões. E este prejuízo se deveu exclusivamente ao fato de ter sido obrigada a produzir com preços congelados. Petrolão, Pasadena e outras mutretas não entram na conta deste prejuízo. A coisa foi tão escabrosa que o próprio Lula veio a público reconhecer o erro à época. Mas, mudou de ideia – quer o Poder!

O que Lula não explica é que, apesar de ser autossuficiente na produção de petróleo, o Brasil importa combustível (por falta de capacidade de refino). Conforme explica outra excelente matéria da Revista Você S/A[13], o Brasil produz 2,9 milhões de barris de petróleo por dia – daria e sobraria para o consumo de derivados no país. Mas extrair petróleo é uma coisa, refinar para transformar em combustível pronto ao consumo é outra. E a capacidade de refino do Brasil é menor do que a demanda por derivados do líquido pastoso – principalmente diesel e gasolina. Aí o jeito é importar o que falta. Em 2020, por exemplo, um a cada 4,5 litros de diesel queimados nos motores dos caminhões do Brasil veio de fora do país; e um a cada 6,4 litros de gasolina. Em termos mais usuais: 22% do diesel, 15,6% da gasolina. Assim, dependemos dos preços praticados no mercado internacional, já que a compra do combustível é necessária para não haver escassez nos postos.

Essa escassez é precisamente o que estamos observando, neste momento, no nosso vizinho onde governa um populista de esquerda: a Argentina. Lá os caminhões estão enfrentando filas de até 12 horas em postos, para conseguir abastecer. De acordo com matéria do Valor Econômico[14], “a situação de desabastecimento é uma combinação de menor produção local de diesel, demanda em máximos históricos e baixos preços locais, sob controle do governo, o que desestimula importações”, como explicou Julián Rojo, economista do Instituto Argentino de Energia (IAE).

Há ainda outro dado relevante que Lula esconde, quando quer falar da “mágica” que operará para deixar os combustíveis quase “de graça” nas bombas: não somos autossuficientes em refino de petróleo hoje porque os governos dele (Lula) e de Dilma saquearam a Petrobras, especialmente no que concerne às refinarias que deveriam ter sido concluídas, mas, nunca foram (já que eram uma fonte inesgotável de drenagem de recursos públicos, canalizados na forma de propinas).

O Jornal Gazeta do Povo[15] trouxe exauriente matéria explicando o que aconteceu com cada uma das refinarias prometidas pelo PT, vejamos: A) Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco – pedra fundamental lançada em dezembro de 2005 e início das obras em setembro de 2007; seu nome foi dado pelo ex-presidente venezuelano Hugo Chávez; o projeto inicial previa investimentos de US$2 bilhões; o custo atual, porém, bateu na casa dos US$18,5 bilhões e a refinaria até hoje não foi concluída! No fim de 2021, a diretoria da estatal decidiu que vai investir mais R$5,6 bilhões para finalizar a unidade; B) Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) – pedra fundamental lançada em junho de 2006; início das obras em março de 2008; foi orçada inicialmente em US$6,5 bilhões, porém, jamais foi concluída e gerou prejuízo de pelo menos US$14,3 bilhões à Petrobras, conforme levantamento de 2015; em 2019, depois de uma avaliação técnica e de um estudo de viabilidade econômica, a Petrobras anunciou que desistiu de concluir as obras do Comperj; C) Refinarias Premium 1, no Maranhão, e Premium 2, no Ceará – anunciadas em 2008, nunca saíram do papel; as pedras fundamentais das refinarias foram lançadas em 2010; no Maranhão, o terreno escolhido passou inclusive por terraplanagem, sendo que uma auditoria do TCU apontou irregularidades já nos gastos com a terraplanagem… em 2015 as perdas chegaram a R$ 2,7 bilhões.

Enfim, amigo leitor, não tem o menor cabimento Lula dizer que vai ser a salvação da Petrobras!!

Desde que trocou o presidente da Petrobras, Bolsonaro também não esconde sua vontade de tabelar os preços: “nós estamos tentando buscar maneiras de mudar a lei, porque não é justo você viver num país que paga tudo em reais, é praticamente autossuficiente em petróleo e tem o preço do seu combustível atrelado ao dólar”, declarou em live recente[16]. Trata-se de uma “dilmice”, claro – embora não tão grave quanto a de Lula, que disse que a empresa “não tem de ter lucro”.

No fim, o que Lula e Bolsonaro querem é fazer demagogia com o sistema de preços, que não tolera desaforos. Se eles vencerem esta batalha e chegarem ao Poder nas urnas, parodiando Dilma: “quem ganhar ou quem perder não vai ganhar nem perder; vai todo mundo perder”.

Em suma, será mesmo que estamos fadados a este destino? Seremos um país eternamente governado por populistas? Haveremos de gastar desenfreadamente, alçar um voo de galinha, e logo ali na frente nos lembrarmos que a queda é grande e o solo é duro? O povo vai seguir sendo usado como massa de manobra, por medidas que fisgam pelo estômago (uma vez que nosso próprio Estado perpetua a fome)? Não é possível! Para pessoas que têm filhos, como eu, esse determinismo deve ser algo inaceitável. E é por isso que estou lutando por dias melhores. Por um futuro que valha a pena. Para chegar lá teremos que medicar muitas mazelas do Estado. Será um longo período até a convalescença, mas, vamos nos curar do populismo.

É melhor crer nisso do que usar os opioides fornecidos diuturnamente por Lula e Bolsonaro, para que não vejamos os problemas reais, enquanto nos matamos por problemas imaginários.

NOTA: peço desculpas aos leitores mais assíduos. Eu realmente não tenho tido tempo de escrever aqui no Blog. E olha que isso é um dos maiores prazeres que nutro na vida. Sigamos em frente!

Referências:

[1] https://www.bbc.com/reel/video/p086tg3k/the-physics-that-suggests-we-have-no-free-will

[2] https://vocesa.abril.com.br/economia/entenda-a-inflacao-global/

[3] https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2022/06/30/taxa-de-desemprego-fica-em-98percent-no-trimestre-movel-ate-maio-diz-ibge.ghtml

[4] https://www.cnnbrasil.com.br/business/ipea-despesas-do-brasil-na-pandemia-foi-semelhante-a-de-paises-desenvolvidos/

[5] https://vocesa.abril.com.br/economia/entenda-a-inflacao-global/

[6] https://vocesa.abril.com.br/economia/entenda-a-inflacao-global/

[7] https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/taxaselic

[8] https://www.poder360.com.br/eleicoes/lula-repete-promessa-de-acabar-com-teto-de-gastos/

[9] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/06/pec-kamikaze-entenda-o-que-esta-por-tras-da-proposta-que-quer-destravar-programas-sociais.shtml

[10] https://novo.org.br/explica/lula-defende-o-fim-do-teto-de-gastos-entenda-porque-ele-esta-mais-uma-vez-errado/

[11] https://veja.abril.com.br/economia/os-planos-de-lula-para-a-petrobras-e-o-preco-do-combustivel/

[12] https://www.mises.org.br/article/3386/ciro-dilma-lula-bolsonaro-e-a-petrobras

[13] https://vocesa.abril.com.br/coluna/guru/se-o-brasil-e-autossuficiente-em-petroleo-por-que-a-gente-importa-combustivel/

[14] https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/06/03/escassez-de-diesel-na-argentina-causa-filas-de-caminhoes-de-ate-12-horas-em-postos.ghtml

[15] https://www.gazetadopovo.com.br/economia/de-hugo-chavez-a-lava-jato-o-que-aconteceu-com-as-refinarias-bilionarias-da-era-pt/

[16] https://www.mises.org.br/article/3386/ciro-dilma-lula-bolsonaro-e-a-petrobras

FOTO: https://www.google.com/search?q=pilula+azul+ou+vermelha&rlz=1C1GCEA_enBR918BR918&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwiy8N_JwN_4AhWmuZUCHQwWDEwQ_AUoAnoECAIQBA&biw=1366&bih=657&dpr=1#imgrc=LZjQhgxxDg7-YM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado