Já se vai um ano sem escrever. Um ano com ideias vagando dentro da minha cabeça. Tenho visto de tudo, calado. Há absurdos que se sobrepõem, tanto aqui quanto em outras nações. Porém, os últimos fatos ocorridos em Israel e, especialmente, as reações das pessoas ao redor do mundo com relação a este tema, me deixaram estarrecido! Foi assim que as ideias transbordaram pelas frestas da minha contenção racional e vieram novamente parar neste Blog. Sim, fui forçado a regressar!

Vou principiar dizendo que: não sou historiador, não conheço a fundo a história de Israel ou da Palestina e tampouco estive fisicamente no Oriente Médio. Porém, com o milagre da internet, a todos são acessíveis, hoje, informações fidedignas nas quais é possível se fiar. No mais, igualmente de antemão, deixo claro que não tenho preferência por algum dos dois povos, não professo suas religiões majoritárias (judaísmo e islamismo) e, para além disso, tenho ascendência de ambos: os avós de minha mãe vieram da Síria e do Líbano. De outro lado, a ancestralidade de meus avós paternos é de judeus sefarditas, expulsos de Portugal durante a “Santa Inquisição”, séculos atrás.

Pois bem, feita essa introdução e considerando que os povos palestinos estão instalados naquele pedaço de chão há milênios, assim como o estão gerações de judeus, é triste ver um embate que redunda em carnificina de parte a parte, especialmente após a criação do Estado de Israel em 1948 e em decorrência das guerras travadas pelos países vizinhos para tentar reverter tal criação. Há assentamentos ilegais israelenses e, ainda, um governo atual que se arvora na extrema-direita.

Enfim, os problemas são muitos e, ainda que milenares, parecem ter ganhado impulso nos últimos 70 anos. De toda sorte, farei um corte da história judia – como dito, sem que nisso haja preferência pessoal – de modo a retratar outra coisa, mais à frente nesta coluna, que é a gênese do holocausto.

Conforme matéria do UOL[1]: o antissemitismo é tão antigo na sociedade quanto o judaísmo e iniciou-se pelo ódio de populações de certos locais à migração de judeus advinda de suas diásporas – originalmente: expulsões, escravizações e fugas de povos judeus de seus locais de origem.

Primeiro, os povos hebraicos, também chamados judeus, foram escravizados pelos egípcios na Antiguidade. Segundo o “Antigo Testamento”, eles foram libertos pelo profeta Moisés, que teria sido guiado por Deus para libertar aquele povo da tirania egípcia tendo aberto o Mar Vermelho para que a caravana pudesse passar. Essa primeira fuga ficou conhecida como “diáspora”, e todas as fugas e dispersões desses povos ao decorrer da história recebem também esse nome, utilizado para designar uma migração em decorrência de perseguições políticas, sociais e religiosas.

Então, os habitantes de Judá (a “terra prometida”), foram expulsos desse reino com a ascensão do Império Grego Macedônico, promovida pelas conquistas territoriais de Alexandre, o Grande. Após um levante contra os macedônios, os judeus fundaram o Reino da Judeia. Entretanto, mais tarde, foram acossados e submetidos pelo Império Romano, após a oficialização do cristianismo como religião imperial, no século II d.C. – e isso implicou numa nova diáspora dos judeus pelo mundo.

Justamente por não terem um território, os judeus que se dispersaram pela Europa. Fugindo das perseguições não viveram da agricultura, como era comum entre os povos medievais – a sua subsistência era retirada do comércio, o que os permitiu acumular dinheiro ao longo do período medievo, sendo que a prática da usura (obtenção de lucro por meio do empréstimo), condenada pela Igreja Católica até o século XVII, era comum entre eles. Também foram os judeus os fundadores dos primeiros bancos. Assim é que a ascensão financeira dos judeus por meio da usura e dos bancos despertou a raiva dos europeus, em especial dos católicos, que passaram a hostilizá-los, criando um estereótipo de que eles eram avarentos, ardilosos, hostis e conspiradores. Foi justamente neste período, durante a Idade Média, que houve a perseguição sistemática de judeus na Europa – os sefarditas, fugidos da Espanha, passaram então a ser perseguidos em Portugal.

Porém, foi a partir do século XVII que principiou o antissemitismo “moderno”. No século XIX, o antissemitismo era comum em nações europeias, em especial na Alemanha – tal ideologia colocava no crescimento econômico judeu a responsabilidade pela fome e pelas crises alemãs, o que serviu mais tarde para que Hitler, durante o “Terceiro Reich”, perseguisse, prendesse e matasse milhões de judeus, sob a justificativa de uma higienização étnica que livraria a Alemanha de suas mazelas.

Foi assim que a implantação da “solução final” pelo governo nazista implicou naquilo que ficou conhecido como “holocausto” (termo de designação originalmente bíblica, que quer designar “sacrifício”) – foram mortos sistematicamente, por fuzilamento, câmaras de gás, incineração, fome etc. cerca de 6 milhões de judeus! E muitos se perguntam: como isso pôde ter acontecido? Há livros, filmes e documentários que se prestam a encontrar explicações, dado que o espanto está na adesão do povo “comum” alemão às atrocidades do regime nazista – a esse respeito, indico o documentário “Homens Comuns: Assassinos do Holocausto”, disponível na plataforma Netflix[2].

Sucede que o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (der Nazionalsocialistische Arbeiterpartei, de onde deriva a sigla “Nazi”, de Nazional) – apesar de usar o termo “socialista”, representava uma ultradireita conservadora. É por isso que hodiernamente as pessoas que compõem a extrema-esquerda chamam aqueles alinhados à ultradireita de “nazistas”. Porém, deixam de mencionar, convenientemente, o pacto germano-soviético​ ou “Pacto Ribbentrop-Molotov”[3], que viabilizou a divisão do território polonês entre Hitler e Stálin – enquanto a máquina bélica alemã destroçava as defesas da Polônia, a URSS invadiu a parte oriental do país, como estava previsto no pacto. Ficou para Moscou, também, a Lituânia, além da Letônia e da Estônia.

Veja bem, no aparte do parágrafo anterior, não pretendi dizer que Stálin ou a URSS tomaram parte no holocausto dos judeus. Apenas quis mostrar que ambos os regimes (em polos diametralmente opostos – esquerda x direita), por causa de seus métodos tirânicos, acabam se assemelhando. Tanto isso é verdade que houve pelo menos 20 milhões de mortos no regime soviético[4] – incluídos nessa conta assassinatos de opositores do regime, mortes em campos de trabalho forçado, e também por inanição, especialmente no período conhecido como “holodomor” ou “morte por inanição”, na Ucrânia, entre 1932-1933 – cerca de 3,3 milhões de ucranianos foram mortos quando o regime de Stálin levou o país à grande fome com o objetivo de forçar camponeses a ampliar a produção agrícola além de suas capacidades, mediante trabalho em fazendas coletivas.

Mas, retomando a questão de Israel e dos judeus, convém lembrar que, após a criação da ONU em 1945, o ministro de Relações Exteriores do Brasil à época, Osvaldo Aranha (o representante escolhido para a abertura da Assembleia-Geral), foi justamente o diplomata determinante para a criação do Estado de Israel e a divisão da Palestina[5]. Aranha teve papel decisivo para que a votação da 1ª Sessão Especial da Assembleia, para criação de Israel, não fosse adiada. Mas isso é história.

Agora, todos nós assistimos no noticiário à invasão do território israelense por pelo menos 1.500 integrantes do grupo terrorista palestino Hamas, ocorrida na manhã do dia 07 de outubro de 2023, quando realizaram um verdadeiro massacre[6]. O banho de sangue contra crianças, adultos e idosos matou cerca de 1.300 israelenses, sendo que ao menos 2 centenas de outros foram capturados como reféns e levados para a faixa de Gaza, donde proveio o ataque. Trata-se do pior ataque terrorista no mundo desde 11 de setembro de 2001, quando a Al Qaeda jogou dois aviões contra as torres gêmeas em Manhattan, Nova Iorque, EUA. E mais: trata-se do maior ataque terrorista já sofrido por Israel dentro de seu próprio território. Bem como foi o maior massacre de judeus, mortos pelo precípuo fato de serem judeus, ocorrido desde o holocausto. Enfim, é um fato histórico, que já está desencadeando um novo momento histórico, mundialmente.

Amigo leitor, não está em questão a luta do povo palestino pelo reconhecimento de seu direito a ter um Estado (o que invariavelmente implica na devolução de territórios ocupados ilegalmente pelos israelenses e numa divisão adequada da região entre ambas as nações), mas sim a prática de um ato inegavelmente terrorista, perpetrado pelo mesmo antissemitismo que animou os nazistas!

Ora, o Hamas[7] é um grupo tirânico que subjuga o próprio povo palestino na faixa de Gaza – governa seguindo os princípios da sharia (regramento fundamentalista islâmico), que oprime severamente as mulheres e homossexuais, além de reprimir os meios de comunicação, o ativismo civil nas redes sociais, a oposição política e as organizações não governamentais. Enfim, uma ditadura que está no Poder desde 2006, após vencer uma “eleição” contestada pela própria Autoridade Nacional Palestina (ANP) – que segue governando a região da Cisjordânia –, mantendo o controle violento da faixa de Gaza desde então. E isso é um dado da realidade, caro leitor.

Assim, é espantoso ver pessoas, não só no Brasil, mas no mundo[8], defendendo as ações do Hamas ou mesmo justificando tais atos como uma mera “reação”. Partidos e movimentos de esquerda como PCO, PSOL, PCB e PSTU[9]fizeram atos a favor do Hamas (cujo objetivo é aniquilar o povo judeu), esquecendo-se que dentre os mortos há inclusive 3 brasileiros. O diretor nacional do PCO, Francisco Muniz disse não estar apenas “100% ou 200% com o Hamas, estamos 1.000% com o Hamas”. Já Gabriel Araújo, membro da MNLM, afirmou que os protestos foram uma “resposta à conjuntura política internacional”, e que está acontecendo um “enfraquecimento do imperialismo desde o começo da guerra da Ucrânia”. Em suma, todos esses partidos (e também o PT) não consideram o Hamas um grupo terrorista. Aliás, o governo brasileiro tem apresentado severas dificuldades de condenar claramente o morticínio e seus perpetradores – a mesma posição de suposta “neutralidade” que dispensam à Rússia, quanto à sua invasão do território ucraniano.

O grande problema, aqui e em outros países, não reside na defesa do povo palestino. Está na defesa aberta do Hamas e de seus atos e métodos. Tenho visto declarações surrealmente antissemitas em diversos veículos de imprensa e nas redes sociais. É como se o povo israelense merecesse a sina que enfrenta historicamente, especialmente a “reação” encabeçada pelo Hamas. É assustador!

Veja, por detrás da defesa entusiasmada do Hamas subjaz algo muito perigoso: a ideia de que os israelenses são os culpados pela agressão que sofreram. Embute um conceito que facilmente descamba para o demérito do povo judeu, de diversas formas rotulado negativamente. Tal sorte de pensamento, levado mais a fundo sob o jugo do raciocínio míope-ideológico, acaba por alterar no âmago do sujeito o sentimento maior de humanidade – quer dizer, o povo israelense está errado, então merece ser punido, a perda de vidas nos ataques é justificada por questões históricas etc. Em ultima ratio, há inclusive quem afirme, como o faz o Hamas, que o povo judeu não é um povo. O Hamas o faz porque inclusive nega o holocausto. Matar “judeus” não seria matar “seres humanos”.

Perceba que a mesma ideia anima Putin e sua invasão militar iniciada em 2022. Ele disse: “a Ucrânia moderna foi criada inteiramente pela Rússia, mais precisamente pelos bolcheviques, a Rússia comunista”[10]. Esse processo teria começado imediatamente após a revolução de 1917, quando Lenin e seus camaradas separaram o que “historicamente faz parte do território russo”: “ninguém perguntou aos milhões de pessoas que viviam lá o que pensavam disso”, afirmou Putin. Ele ainda completou o raciocínio, classificando o fato de o território ucraniano ter recebido (da União Soviética) o status de uma república própria, como “pior do que um erro”. Quer dizer, a ideia é parecida: se ali não há um povo ucraniano, então inexiste invasão. É uma guerra libertadora dos próprios russos oprimidos pelo “regime nazista” de Kiev. E há quem concorde, amigo leitor!

Acontece que o mundo está caminhando perigosamente para um ponto de não-retorno. Aqueles que defendem a democracia, conceitos liberais básicos, estão numa minoria triste, desacatados e desanimados entre duas máquinas de enfrentamento – a ultradireita e a extrema-esquerda. Então, tudo é politizado segundo suas versões e narrativas (inclusive o biscoito Bis[11][12]). É estarrecedor…

Me preocupo muito com o futuro, especialmente porque tenho uma filha de 8 anos. Que raios de mundo estamos construindo para eles? Haverão de crescer e, necessariamente, ter de adotar uma ala ou outra? Não poderão analisar questões e separar os fatos? Seria tão impossível defender os palestinos e os israelenses enquanto se condena o terrorismo do Hamas? É tão difícil condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia, como condenável fora a invasão do Iraque pelos EUA? Seria preciso tomar partido de um lado apenas e odiar o outro? Narrativas justificam um “ódio do bem”?

Agora, veremos uma reação brutal do Estado israelense. Muitos palestinos vão morrer e é bem possível que Israel perca a razão. Outros Estados da região podem inclusive tomar parte no conflito. E mais uma guerra estaria em curso, concomitantemente àquela na Ucrânia. É fácil perceber, então, que essa polarização mundial não está nos levando para um lugar melhor. Na realidade, está desenterrando o que já se viu de pior na face da terra: ódio e holocausto. Ou seja, estaremos nós vivendo o tempo em que se plantam as sementes do “Quarto Reich”?

Termino por aqui, com a mesma passagem do Novo Testamento com a qual encerrei a última coluna, cerca de um ano atrás (e repito, aos ateus, tomem como um ensinamento):

Lucas 6, 39-42: “39. Jesus contou uma parábola aos discípulos: Pode acaso um cego guiar outro cego? Não cairão ambos na cova? 40. O discípulo não é superior ao mestre; mas todo discípulo perfeito será como o seu mestre. 41. Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão e não reparas na trave que está no teu olho? 42. Ou como podes dizer a teu irmão: Deixa-me, irmão, tirar de teu olho o argueiro, quando tu não vês a trave no teu olho? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e depois enxergarás para tirar o argueiro do olho de teu irmão.”

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado