Anteontem, depois de muito ouvir a respeito (e de ler comentários, especialmente no Twitter), assisti ao 1º episódio da série “Fallout”, disponível no Prime Vídeo[1]. Trata-se de uma série de TV americana de drama pós-apocalíptico, adaptada de uma franquia de videogame: num mundo distópico, seguido da explosão de bombas nucleares por toda a superfície do globo terrestre, a humanidade migrara para o subterrâneo, separada em módulos habitacionais, que visavam regular a quantidade de pessoas e sua subsistência, para que nossa raça não fosse extinta. O objetivo seria “recolonizar” a superfície do planeta, após a diminuição da radiação liberada pelas explosões atômicas. Enfim, essas são as linhas gerais da narrativa. E, apesar de muita coisa forçada na série, o enredo me pareceu bastante instigante! Na verdade, me pareceu atualíssimo, embora ninguém goste de ficar pensando muito no armagedon nuclear – isso se deve à nossa aversão ao “caos”.

Veja, amigo leitor, ontem fiz uma longa viagem a trabalho e, no avião, assisti a dois episódios da série “Como Funciona o Universo”, também disponível no Prime Vídeo [2]. Explica-se ali, de modo muito claro e em linguagem leiga, como se formaram as estrelas e os buracos negros. Pois bem, trata-se de uma cadeia de eventos, desde o Big Bang (início do universo), que consiste em repulsão cinética e reunião gravitacional da matéria, com fusão nuclear (formação de estrelas) até que seu combustível (hidrogênio) se torne escasso o suficiente para que todos os demais elementos formados naquela fornalha colapsem sobre si e explodam numa supernova, donde há de surgir um buraco negro (que suga toda a matéria ao redor, por gravidade). São esses “motores”, cujos maiores exemplares ficam no centro de grandes galáxias, que fazem com que toda a matéria se agrupe, forme novas estrelas e elementos e se espalhe por aí novamente. Cada sistema, como o solar, possui material forjado nesse moto-contínuo caótico, que se iniciou há mais de 13 bilhões de anos.

Os cometas, que no nosso sistema solar ficam espalhados numa esfera nos confins da força gravitacional do Sol, ao serem perturbados por gigantes gasosos, como Júpiter, acabam arremessados para o interior do sistema. Então, uma parte vem a colidir com os planetas, como a Terra. Não fossem milhões dessas colisões, nosso planeta não teria água (essa mesma que cobre 2/3 da superfície terrestre). Mais: esses mesmos cometas, com a matéria forjada nas estrelas e galáxias ao longo de bilhões e bilhões de anos, trouxeram consigo algo fundamental à vida: fósforo biodisponível. Há fósforo na Terra, mas, ele está aprisionado nas rochas abaixo da superfície. Então, só existe vida na superfície porque houve todo esse caos! Aliás, há registros de outras colisões de cometas que quase acabaram com a vida terráquea – que o diga os dinossauros. Foi esta grande e última colisão que viabilizou a queda dos répteis e o início da dominação dos mamíferos – só estamos aqui, no topo da cadeia alimentar, porque o caos foi generoso conosco.

Enfim, a vida é resultado do caos. Ou daquela ordem que ainda não compreendemos em detalhes. Alguns chamam isso de Deus, por exemplo. E esse caos segue e seguirá, indefinidamente – tudo o que narrei acima está em curso neste exato momento, no nosso universo conhecido (e infinito).

Nós, os seres humanos, ao revés, gostamos de ordem. Ou melhor: temos receio do desconhecido. Então, quando algo dá errado, ficamos com medo. Esse medo nos paralisa ou nos move. Ademais, há certas magnitudes de desordem que praticamente quebram nossa frágil estrutura social. Basta ver a terrível situação que está ocorrendo no Rio Grande do Sul, que vem enfrentando enchentes históricas[3]. Há mobilizações formidáveis de pessoas, preocupadas em ajudar. Emergem histórias de heróis, em meio ao completo caos. Ao mesmo tempo em que há furtos e saques, perpetrados pelo mesmíssimo ser humano. Os vilões, em especial, veneram o caos, posto que os encobertam.

Ilustre leitor, veja que trouxe o caos subjacente do macro (universo) para o micro (tragédia no RS), para que fixemos o total descontrole que temos quanto ao nosso destino. Julgamos ter tudo dentro dos planos, dos nossos meticulosos cálculos científicos. Mas, quando vem o caos, voltamos à mais profunda insignificância. Quer dizer, nos tornamos matéria (e perecível), donde nos originamos.

Então, convém ficarmos muito atentos aos paraísos holográficos que edificamos por comodidade no convívio social. Você pode se julgar alguém muito bem sucedido, com poder, fama e dinheiro. Pode passar a vida postando sobre isso nas redes sociais, inclusive. Mas, nada está sob seu controle. Tudo pode mudar, num piscar de olhos. Basta dizer que seu organismo físico, por um súbito mau funcionamento, pode perecer, sem mais nem menos. Então, pergunto-lhe: o que terá ficado de ti? Qual seria sua contribuição em meio ao caos? Decerto que existe um propósito para estarmos aqui, vivos e conscientes de tudo o quanto relatei acima, concorda? Ou seríamos um mero experimento?

O que quero dizer é que não há portos seguros, amigo. Você não é o rei Sol. Aliás, o próprio Sol não é rei de coisa alguma. Estamos na periferia de um dos tantos braços de uma galáxia comum, a Via Láctea, que contém bilhões de estrelas como o Sol. A própria Via Láctea é uma dentre bilhões e bilhões de galáxias que existem por aí. Penso que, um dia, nós deixaremos de ser seres biológicos e passaremos a ser consciências instaladas em máquinas. Ou seja, a vida deixará de ser orgânica e isso viabilizará nossa expansão pelo sistema solar (e além). Então, faremos contato com as demais inteligências que habitam por aí… e descobriremos que não somos o centro da criação divina!

Tudo isso só vai acontecer, meu caro leitor, se antes não nos aniquilarmos enquanto espécie, claro. E isso conecta as ideias expostas nesta coluna com o parágrafo inicial: o armagedon nuclear – o mesmo fator responsável pela vida terrena (por fusão), pode eliminá-la (por fissão). Não é curioso?

O ponto a se frisar é: boa parte de todo o caos somos nós mesmos quem plantamos. Seja na nossa vida (principalmente!), seja no seio de nossa família, seja no nosso bairro, na nossa cidade, estado, país… e até no planeta como um todo, conforme a magnitude das consequências de nossas atitudes.

Foi assim que criamos a internet, as redes sociais e seus algoritmos. Escolhemos voluntariamente fazer com que o maior instrumento de comunicação global, que liga instantaneamente povos e línguas, privilegie discursos radicais. Então, acabamos gerando um caos comunicativo, onde as verdades são contadas pela metade, ao ponto de se tornarem indistinguíveis das mentiras. Criam-se novas narrativas que, para além de moldar o futuro, chegam a reescrever o próprio passado. Ou seja, a seguir nesta toada, o caos será tão completo que sequer saberemos o marco inicial ou final.

Fico aqui, sozinho com meus pensamentos, vendo pessoas nas redes: um amontoado de coisas no feed que nada querem dizer – uma coleção tão grande de egos que apenas emolduram o vazio… Mais: vejo aqueles que se dedicam diuturnamente a semear, regar e se regozijar em colher o ódio.

Não importa muito o que eu penso. Nem você, meu amigo. O fato é que o Oriente Médio está em ebulição – a coisa entrou numa espiral tão grande de caos que pode nos arrastar para um conflito maior. E não é só ali: a máquina de guerra já foi ligada há mais de dois anos no seio do continente europeu (palco das duas últimas grandes guerras). O império chinês, de seu turno, está também mostrando seus dentes de dragão. E tudo isso pode, num piscar de olhos, teletransportar todos nós para a mais nova temporada de “Fallout”. Ou nos devolver ao universo, como poeira cósmica. Há inclusive a possibilidade de que nada disso aconteça. Enfim, o caos é difícil de deter (ou explicar).

Para além do bem e do mal: ao lado de quem você está? Quais valores professa? Quem é seu Deus?

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado