“A sociedade que coloca a igualdade à frente da liberdade irá terminar sem igualdade e sem liberdade” – esta frase, atribuída ao economista e estatístico Milton Friedman[1] (que recebeu o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 1976), ficou ressoando em minha cabeça, por meses…

A busca pela liberdade é uma constante na saga da humanidade. A expressão ‘livre-arbítrio’, por exemplo, remonta aos filósofos gregos Aristóteles e Epicteto, tendo sido abordada também, dentre outros, por teólogos cristãos, como Santo Agostinho, que explorou o livre-arbítrio como uma faculdade concedida aos homens por Deus. O espiritismo, religião que professo, trabalha muito este conceito, justamente no intuito de que as pessoas entendam que se trata de uma dádivae, também, de um fardo bastante pesado – se prega: “o plantio é livre, mas a colheita é obrigatória”.

Das primeiras civilizações à complexa sociedade globalizada do século XXI, o anseio por autonomia (ou seja, mais liberdade), direitos e autodeterminação, moldou impérios, derrubou monarquias e inspirou profundas reflexões filosóficas. Fato é que, ao longo de vasta parte da história, a liberdade não era a condição natural do ser humano, mas um privilégio de poucos.

Nas antigas democracias gregas, berço do pensamento político ocidental, a liberdade estava intrinsecamente ligada à participação na vida da polis, restrita a uma pequena parcela da população masculina, enquanto a esmagadora maioria vivia sob o jugo da escravidão ou da exclusão[2]. Em Roma, o conceito de libertas evoluiu, mas ainda estava atrelado à cidadania e a um complexo sistema de status social. Já a Idade Média, por sua vez, foi marcada por uma estrutura social hierárquica, onde a liberdade individual era frequentemente subjugada aos desígnios divinos e à autoridade dos suseranos, embora tenha sido neste período que as cidades começaram a lutar por autonomia institucional em relação aos senhores feudais[3]. Mas, foi só com o Iluminismo (durante a ‘Era das Luzes’ ou da ‘Razão’), no século XVIII, que as sementes da liberdade individual, como a conhecemos hoje, foram lançadas. Pensadores como Voltaire, Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau articularam a ideia de direitos naturais e inalienáveis, que não poderiam ser violados por nenhum governante[4]. Tal efervescência intelectual culminou na Revolução Francesa de 1789, um divisor de águas na história dos direitos individuais – e, por consequência, da própria liberdade.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um dos documentos mais influentes da história, proclamou em seu primeiro artigo que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos”[5]. Princípios como a liberdade de expressão, de imprensa, de religião e o direito à propriedade privada foram consagrados, estabelecendo as bases para o fim do Antigo Regime (absolutista). A Revolução Francesa, com seus ideais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, universalizou esses direitos, iniciando um processo onde eles não seriam apenas proclamados, mas efetivamente protegidos, influenciando a luta por esses mesmos direitos em diversas nações[6].

Pois bem, fato é que muita gente – em vários tempos históricos e em partes diferentes no globo – se debruçou seriamente sobre o assunto ‘liberdade’. Muitas pessoas inclusive derramaram seu sangue ou perderam a vida na busca por mais liberdade! Quem eram os tiranos? Quase sempre os governantes, sejam civis ou religiosos (ou uma mistura de ambos, como ainda acontece, em países como o Irã, p.ex.). Há tirania privada, claro! Mas, nada é tão potente na destruição de liberdades quanto um “Leviatã”, de Thomas Hobbes[7] – o Estado tirano é quase um clichê na humanidade.

Sucede que, uma vez derrubado o absolutismo e redesenhado o contrato social, foram incorporados os direitos individuais aos governos nacionais civilizados. E essas liberdades implicam quase sempre um não fazer por parte do Estado. Nossa Constituição Federal de 1988 (CF/88) as consagrou como cláusulas pétreas, em seu artigo 5º, que diz serem invioláveis o “direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”[8]. Sem tais direitos, não se pode ter os demais, é fato! Os direitos políticos, categorizados como garantias fundamentais, decorrem desses outros direitos mais elementares, embora também impliquem numa submissão estatal aos seus próprios cidadãos, como preconiza o art. 14 da CF/88: “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Trata-se de liberdade!

O lema da Revolução Francesa, acima mencionado, é bastante sábio ao prescrever que os cidadãos precisam de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (nesta ordem). E, naqueles tempos, a liberdade era entendida apenas em seu aspecto ‘formal’ (ou seja, ausência de distinções perante a lei). Foi só mais à frente na história que se incorporou aos ordenamentos jurídicos a igualdade dita ‘material’, que me parece mais expressão de fraternidade do que de igualdade, propriamente dita. Nesse sentido, mantida a referência à CF/88, temos o seu art. 6º, que diz: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.

Sucede que, paralelamente às revoluções política e filosófica, uma transformação econômica abalava as estruturas da sociedade: a ascensão do capitalismo. A defesa da propriedade privada, do livre mercado e da iniciativa individual, pilares do pensamento liberal, criou um ambiente propício para a inovação e um crescimento econômico sem precedentes. Essa sinergia entre o liberalismo político e o econômico foi fundamental para o surgimento das democracias liberais na Europa e nos Estados Unidos, a partir do século XVII na Inglaterra e no final do século XVIII com as revoluções Americana e Francesa[9]. O capitalismo, ao descentralizar o poder econômico, fomentou a ascensão de uma nova classe que demandava participação política e a proteção de seus direitos. O Estado de Direito, a separação de poderes e a garantia das liberdades individuais tornaram-se essenciais para o funcionamento de uma economia de mercado dinâmica.

Um dos resultados mais notáveis deste novo sistema foi a drástica redução da fome e da pobreza extrema no mundo. Nos últimos 200 anos a humanidade testemunhou um avanço espetacular: dados compilados por Max Roser em “Our World in Data” mostram que, em 1820, a esmagadora maioria da população mundial – 94% das pessoas na face da Terra – vivia em pobreza extrema (definida como menos de 1,90 dólar por dia), enquanto em 2016, essa porcentagem havia caído para 10%!!![10]. Esse progresso é atribuído em grande parte ao aumento da produtividade que compensou o crescimento populacional, impulsionado pelo livre sistema de mercado.

É óbvio que as ideias socialistas de Karl Marx e Max Weber, focados mais na preponderância da igualdade (material) sobre a liberdade (capitalista), tiveram seu papel. Tanto que os direitos ditos ‘sociais’ se espraiaram pelos ordenamentos jurídicos dos países civilizados. O art. 6º da nossa CF/88, como já apontado, é fruto desse outro período de lutas, travadas pela classe trabalhadora.

Porém, essa boa crítica teórica (do século XIX), derivada das desigualdades sociais geradas pela Revolução Industrial, desembocou no socialismo como regime político durante o século XX. Tal regime, priorizando a igualdade material sobre a liberdade individual, aboliu a propriedade privada e instituiu o controle estatal dos ‘meios de produção’. Embora almejando uma sociedade mais ‘justa’, resultou em fome e opressão, em qualquer lugar onde tenha sido implantado. Um fracasso!

Assim, a humanidade, na sua marcha evolutiva, deveria aprender com seus erros e acertos e incorporar aquilo que mostra resultados positivos. A manutenção das liberdades individuais é pilar básico de um Estado de Direito dito democrático. E, claro, a oferta de oportunidades via políticas públicas positivas (ou seja, inclusivas), mediante implementação de direitos sociais, é fundamental para que se cumpram materialmente os direitos humanos, em seus vários aspectos.

Porém, a dose de fraternidade depende da capacidade de geração de riqueza de uma nação. Há que se ter em conta que a distribuição de valores para além do que se pode trazer aos cofres públicos, mediante tributação (que não seja punitiva e/ou desmotivadora do empreendedorismo), termina gerando déficits que, acumulados por um dado tempo, acabam implicando na bancarrota não só do Estado como de seus próprios cidadãos – e esse é o pecado original do socialismo: não existe ‘árvore de dinheiro’. Um Estado superavitário não é maldade, mas apenas racionalidade empírica.

Quando, então, você ler na mesma frase: ‘socialismo’ e ‘liberdade’, desconfie muito!! É cilada… Conforme nos ensinava o economista brasileiro Roberto Campos[11]: “o respeito ao produtor de riqueza é o começo da solução da pobreza”. Isso porque o Estado não gera riquezas, apenas as tributa, de sorte a ter recursos para a consecução de seus objetivos (sejam eles quais forem). Aqui arremato com um pensamento-aula da ex-Primeira-Ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher:

“Nunca esqueçamos esta verdade fundamental: o Estado não tem outra fonte de dinheiro além do dinheiro das próprias pessoas. Se o Estado quiser gastar mais, pode fazê-lo apenas tomando emprestado suas economias ou cobrando mais impostos. Não adianta pensar que outra pessoa vai pagar – essa ‘outra pessoa’ é você. Não existe dinheiro público; existe apenas o dinheiro dos pagadores de impostos[12] – veja, ilustre leitor, entender e absorver a verdade é algo libertador!!

Ocorre que não é apenas o socialismo o causador do influxo liberal e democrático no mundo. Há agora, no século XXI, um novo desafio: a ascensão de populistas autoritários (de direita ou de esquerda, o que pouco importa, como já nos ensinou George Orwell[13]). Eles vivem de fomentar a polarização política, seja ela de qual tema for. A narrativa do medo tem seu valor no controle das massas. Dividir nações num ‘nós contra eles’ mantém populistas no Poder: que o diga Adolf Hitler. Inclusive nações bem avançadas, como os Estados Unidos, não passaram ao largo da ‘Era Trump’.

Neste cenário, a expansão de blocos como o BRICS 10[14] é vista como um contraponto à ordem liberal. Embora o grupo se apresente como uma voz do “Sul Global” em busca de uma governança mundial mais multipolar e representativa, a massiva presença de regimes não democráticos entre seus membros levanta questionamentos sobre o compromisso do bloco com os valores das liberdades individuais. A defesa de uma “democracia com características próprias” por parte de alguns de seus integrantes pode, em alguns casos, mascarar a supressão de direitos e a concentração de Poder. Ora, o Brasil ocupar a presidência desse bloco (composto também por África do Sul, Arábia Saudita, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia, Índia, Irã e Rússia) diz muito sobre nós, atualmente. Nos tornamos menos democráticos… até porque é uma piada essa conversa de ‘Sul Global’, quando praticamente todos os integrantes estão no hemisfério norte…

Amigos, esta coluna já ficou extensa e não quero me alongar mais, nem provar nada. Apenas se pergunte: eu posso hoje me expressar livremente no Brasil? Há algum receio de sua parte de que o Estado, seu patrão, alguma empresa a ti relacionada, sua família (etc.) te repreendam por sua singela opinião? Quer dizer, você corre o risco de sofrer prejuízos reais apenas por se manifestar?

Pois é, viemos parar nesse estado de coisas. As instituições estão disformes e disfuncionais, como já tive oportunidade de escrever neste Blog. Esse processo não é de hoje. Há colunas escritas aqui com mais de meia década. E a coisa tende a piorar: o Estado quer controlar instituições privadas, redes sociais, pessoas, discursos. Enfim, quer ter controle absoluto sobre você! Não adianta dizer que estou exagerando. As coisas, quando tomam o rumo atual, viram um moto-contínuo do mal. Perceba: amanhã pode ser um adversário político (aquele que você odeia) com o chicote na mão.

Enfim, sugiro que você, amigo leitor, não bata palmas para quem quer te tirar liberdades. Só isso!

A trajetória histórica da liberdade nos ensina que ela é uma conquista frágil/recente e que precisa ser constantemente defendida. A democracia liberal (que é coisa diferente de ‘liberalismo’), com todos os seus defeitos e desafios, ainda é o sistema político que melhor demonstrou ser capaz de garantir os direitos individuais (liberdade), promover a prosperidade (igualdade e fraternidade) e permitir a correção de seus próprios erros através do debate aberto e da alternância de Poder.

A liberdade de pensar, de se expressar, de empreender e de escolher o próprio destino é o motor do progresso humano. É ela que permite a inovação científica, a criação artística e a busca pela felicidade individual. Uma sociedade que abre mão de sua liberdade em troca de promessas de segurança ou de uma suposta ‘igualdade’, imposta de cima para baixo, corre o risco de cair na estagnação e na tirania. O futuro da humanidade dependerá da nossa capacidade de reafirmar e fortalecer os valores da liberdade e da democracia. Isso exige uma cidadania ativa e informada, o fortalecimento das instituições, a defesa de uma imprensa livre e o combate à intolerância.

A liberdade não é um ponto de chegada, mas um caminho a ser percorrido e defendido por cada geração. É o bem mais precioso que possuímos, a base sobre a qual podemos construir um futuro mais justo, próspero e humano para todos. Veja: a vida sem liberdade não é vida, mas escravidão

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado