Conforme consta da Wikipédia[1], o “‘ser humano’ (taxonomicamente ‘homo sapiens’, termo que deriva do latim ‘homem sábio’, também conhecido como pessoa, gente ou homem) é a única espécie animal de primata bípede do gênero ‘homo’ ainda viva. A espécie surgiu há cerca de 350 mil anos na região leste da África e adquiriu o comportamento moderno há cerca de 50 mil anos. Os membros dessa espécie têm um cérebro altamente desenvolvido, com inúmeras capacidades como o raciocínio abstrato, a linguagem, a introspecção e a resolução de problemas complexos. Em suma, o “ser humano” é o termo utilizado nas ciências para caracterizar a espécie viva evolutiva que se difere das demais por possuir inteligência e razão[2].

Acredito que nós estejamos sempre evoluindo, desde o surgimento há três centenas de milênios. E sempre fui otimista quanto ao nosso futuro enquanto espécie, ainda que apenas a nossa banda podre apareça nos noticiários de TV (e seja eleita para ocupar cargos em Brasília). Porém, eu confesso que os últimos acontecimentos abalaram um pouco essa minha fé no porvir humano. E o golpe de misericórdia veio justamente com essa última da tecnologia: o dito “metaverso”.

Conforme esclarecedora matéria da CNN Brasil[3], as empresas do Vale do Silício já apostavam nisso, mas, com o advento da pandemia, viram que as possibilidades de lucro são infinitas (e imediatas!). O metaverso se tornou o ponto de discussão favorito entre startups, além de estar no topo dos interesses de corporações já um tanto “tradicionais”, como o Facebook (que detém ainda o Instagram e o WhatsApp – provavelmente você utilize ao menos um desses produtos).

A ideia é criar um espaço parecido com a internet, mas, dentro do qual os usuários (via avatares digitais) possam passear e interagir em tempo real. Em teoria, você poderia, por exemplo, sentar-se ao redor de uma mesa de reunião virtual com colegas de todo o mundo – em vez de olhar para seus rostos 2D no Zoom – e depois ir a um Starbucks virtual para se encontrar com sua mãe, mesmo que ela more em outro país. O metaverso foi originalmente concebido como o cenário para romances distópicos de ficção científica, onde universos virtuais fornecem uma fuga de sociedades em decadência. Agora, a ideia se transformou em um objetivo instantâneo para as ditas startups, além de empresas investidoras de risco e as gigantes da tecnologia.

O CEO da Microsoft, Satya Nadella, disse na semana passada que sua empresa está trabalhando na construção do “metaverso empresarial”. Ademais, a Epic Games anunciou uma rodada de financiamento de US$ 1 bilhão em abril para apoiar suas ambições no metaverso, elevando a avaliação do fabricante da Fortnite para quase US$ 30 bilhões. Há aplicações infinitas e em várias áreas para o metaverso, como você deve estar percebendo, caro leitor. Pense no lucro de algo do tipo em aplicativos de metaverso dedicados a encontros amorosos, por exemplo.

Mas, como sublinha a mencionada reportagem da CNN Brasil, quaisquer que sejam as motivações do metaverso, grandes questionamentos permanecem, desde como as empresas de tecnologia lidam com questões de segurança e privacidade de usuários, até se as pessoas realmente querem viver grande parte de suas vidas dentro de uma simulação virtual imersiva.

Você pode até estar animado com esse futuro (que, ao que tudo indica, não está tão longe de chegar), mas, eu estou desolado!! Quer dizer que agora o sujeito pode decidir não resolver seus problemas da vida real, alugar um contêiner com ar-condicionado e alimentação endovenosa e ficar por ali sendo o Brad Pitt, a Agelina Jolie, o Donald Trump ou o Papa Francisco e deixar que o resto do universo se exploda? É como tomar a pílula azul e ir morar na Matrix. Surreal!!

Tenho firme que o ser humano só está onde está porque, além de inteligente, é um ser gregário por natureza. Quer dizer, consegue somar esforços (físicos e mentais) para resolver os problemas mais complexos que lhe foram apresentados, um após o outro. E a tecnologia é algo bom e formidável, sem o que não teríamos a civilização pujante que vemos atualmente. Porém, o homem precisa estar sempre no controle de si. Abandonar sua própria vida (a única que existe e que precisou literalmente que o universo conspirasse para que acontecesse), para se dedicar a uma vida virtual era só o que faltava… onde terão lugar (pragmática e ontologicamente) o amor, a fraternidade, o perdão, a caridade, e tantos outros sentimentos nobres que nos são inatos? É seguro que sob avatares os humanos se sentirão livres para fazer desabrochar o que há de pior em suas personalidades, criando bolhas e grupos movidos pelo ódio e pela exclusão. Quer dizer, o metaverso será um tipo de amplificador da ruina moral do plano real. E isso já vem sendo verificado empiricamente com o advento da internet “simples” (não imersiva, como a que virá).

É estarrecedor o tempo que as pessoas já passam na internet hoje, monitorando a vida alheia, sentindo inveja e se dedicando a passar aos demais um reflexo belo de suas vidas infelizes. Há quem sequer veja as belezas naturais (ou construídas) com os olhos: há sempre a tela do celular no meio, através da qual posta maravilhas nas suas redes sociais. É possível que alguém vá até as Cataratas do Iguaçu e somente pare para observar as quedas d’água no seu Instagram. E, agora, com o metaverso, a pessoa vai poder finalmente se mudar pra dentro do aplicativo, para sempre! Assim como vai poder evoluir do home office para uma nova modalidade de prisão: o “metaverso empresarial”. Veja que maravilha – viver com sua celebridade ou dentro da empresa!

Esse pode até ser o futuro inexorável, meu amigo. Entretanto, não gostaria de viver nele. Me interessa o calor de um abraço, o riso de um amigo, a felicidade da companhia de quem amo etc. etc. etc. E não me venha com o tato sensorial ultra mega high power do metaverso… Hoje você vai até a internet e a utiliza quando quer (embora muitos já tenham perdido o controle). No novo mundo, você vai residir dentro da internet e, às vezes, voltará até a realidade. É isso.

Estamos destruindo o planeta, como apontou o último relatório do IPCC – mudanças climáticas causadas pelos seres humanos são irrefutáveis e irreversíveis, conforme matéria do Site G1[4]. No melhor cenário, segundo a BBC Brasil[5], a temperatura global subirá 1,5°C em duas décadas. O relatório aponta, por exemplo, conforme análise da BBC, que em 2019 as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera estiveram mais altas do que em qualquer momento dos últimos 2 milhões de anos. Estamos caminhando para uma temperatura média que corresponde à que a Terra tinha há 3 milhões de anos – antes do australopiteco! Voltaremos à era dos macacos… Só que isso, por incrível que pareça, não chama a atenção das pessoas. Ninguém quer melhorar o mundo em que vive, ou se reconciliar com seus familiares, p.ex., prefere ir morar um Pasárgada.

Conforme o relatório produzido pela FAO (ONU)[6], do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões convivem com algum grau de insegurança alimentar e, destes, 43,4 milhões não têm alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões de brasileiros(as) enfrentam a fome. São números alarmantes, que deveriam tocar os seres humanos. Porém, nem as pessoas e nem os políticos estão preocupados com isso – tanto que aprovaram R$ 5,7 bilhões para gastar em suas campanhas eleitorais de 2022 (com votos contrários de alguns poucos partidos, como o NOVO).

Enfim, me deu a sensação de que estamos involuindo. Uma tristeza em verificar que nossa espécie parece estar optando, livremente, por abdicar daquilo que há de mais belo e elevado em sua essência para abraçar uma miragem. Estamos deixando de ser gregários para nos tornar uma ilha, uma singularidade estanque. Acontece que a física e a química nos ensinam que os orbes e a matéria interagem constantemente entre si. Assim, estamos remando contra as leis do universo e, para quem acredita, contra as leis de Deus. É realmente espantoso – e desolador!

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado