Muitas pessoas têm medo da morte, o que é natural, afinal é um dos maiores medos que afligem a humanidade. Eu não, tenho mais medo da “dor”. E aqui não me refiro à dor que leva à morte (embora ela possa ser horrível, ainda mais quando é sentida em parcelas até a hora da passagem), mas, à dor psicológica que cerca a morte. Essa dor me parece tão poderosa que pode paralisar alguém pelo resto da vida (para quem perde um ente querido).

Veja bem, quem falece não sente mais dor (ao menos a física). Morrer, então, não deveria ser tão assustador assim. E por que é que as pessoas têm tanto medo? Ora, porque temem a dor/solidão decorrente da morte. Isso tanto para quem fica: que se verá privado ‘para sempre’ do ente querido que se foi, seu sorriso, seu amor, seus trejeitos e até sua chatura ao acordar pela manhã; quanto para quem parte: afinal, não se sabe se há ‘outra vida’ e, se houver, serão os mortos privados de contato e convívio com os que aqui ficaram?

Enfim, o medo da morte é mais relacionado ao medo da privação: das alegrias, das tristezas e de todo o resto que nos proporciona estar encarnado na Terra. Perder algo tão raro é realmente amedrontador. Foi preciso que o Universo fosse criado, que o Sol começace a brilhar, que as rochas orbitando se chocassem até formar nosso Planeta, que ele se aquecesse e, depois, esfriasse, foi importante que os dinossauros fossem extintos etc. Mais: foi preciso que após 300 mil anos dos homo sapiens, seu pai e sua mãe se encontrassem por aí, nesse vasto mundo. E ainda, em média, 9 meses de uma boa gestação com mitoses bem delineadas, para que você viesse à vida. Não estou me referindo a Deus, apenas às leis da física! Cientificamente, tudo isso e muito mais aconteceu para você chegar até aqui. E pôr tudo isso a perder parece mesmo apavorante. Só que não é o pior.

Segundo um ranking desses de internet[1] (cuja veracidade não apurei, mas, me pareceu algo digno de nota), o maior medo do ser humano é a solidão. E parece óbvio que seja: não seríamos mais que primatas se não tivéssemos obrado juntos. Pude escrever sobre isso quando abordei “O Dilema das Redes[2]” e também a “Panaceia do Home Office[3]”, em colunas recentes neste Blog. A solidão envolvida na morte (para quem parte e também para quem fica) é paralisante. Só de pensar nisso as pessoas entram em estado de pânico.

Uma pessoa pode nascer, crescer, viver e morrer sem nunca ter um relacionamento sentimental com outra. Mas, não conheço registro de alguém que tenha passado toda a sua existência na solidão (a absoluta). Se não tivermos contato com outras pessoas, mesmo que numa porção dos primórdios de nossa vida, perdemos o que podemos chamar de ‘humanidade’. Nos tornamos, assim, mais um animal dentre tantos. A solidão espontânea ou decorrente de uma enfermidade, ademais, é algo que pode levar à loucura, porque enclausura a pessoa em si mesma. Então, corre-se o risco de morrer ainda em vida.

Não sou um bom pai – tenho severas tendências superprotetoras. E como não estarei para sempre perto de minha filha, seguramente, seria melhor que eu a deixasse aprender por si só como o mundo é um lugar desafiador. Nós nascemos, crescemos com muitos amigos da escola e, no ápice, na juventude (e Faculdade), nem sequer podemos enumerar quantos amigos temos. Depois, vamos tocando a vida e eles começam a caber em duas mãos. Na velhice, acho que se reduzem a uma… E, assim, morremos mais ou menos sós. Então, o que definitivamente preciso deixar para minha filha é saber suportar a solidão. E isso porque tal estado de coisas é passageiro. Assim como a própria morte é uma passagem.

Tenho assistido a documentários sobre as viagens espaciais já realizadas pelo homem. Bem como outros que indicam aquelas que ainda estão por vir, num futuro breve. Esse pessoal não tem medo da morte, com certeza! E sempre obram em grupo, no mínimo em dupla. Somos capazes de coisas incríveis quando nos auxiliamos mutuamente. Do mesmo modo que somos os seres mais abjetos que já pisaram na Terra quando decidimos unir forças para destruir, o que quer que seja: outras pessoas, os animais, a flora etc.

Acredito que um futuro fantástico está por vir. Algo que não consigo sequer conceber para escrever aqui, caro leitor. Anote: fantástico! E veremos tudo isso em vida, com mais uma ou duas décadas de existência. As máquinas estarão lá, conosco. Mas, elas não têm medo da morte. E também não saberão o que é a dor da solidão, mesmo se nós nos esmerarmos em programá-las. Assim, seguiremos nós, os humanos, precisando uns dos outros, seja aqui, em Marte ou além. Precisamos, pois, de mais convivência e empatia.

Para minha filha, desejo que saiba falar inglês (o idioma universal), como está aprendendo o português. Se possível, que opte por um curso igualmente universal, na área de exatas ou biológicas, que permite uma mobilidade enorme em termos de trabalho. Que encontre alguém que dela cuide, com amor. Aquele que dedico à minha esposa, por firme escolha. E que, definitivamente, não se perca na solidão, principalmente a causada pelas drogas. Por fim, peço a Deus todos os dias que ela conviva bem com o período posterior à minha partida, afinal, eu jamais viveria na hipótese contrária. Sou muito covarde quanto a isso.

Para minha esposa, desejo a felicidade. Aquela que a moveu a se casar comigo. É sempre tempo de viver, muito e intensamente. Não há sonhos ou projetos inalcansáveis. Estarei sempre apoiando cada escolha, aqui ou além. O amor tem dessas coisas! A gente muda muito ao longo da jornada, mas, caminha sempre juntos. Cai, levanta, reconstrói e segue.

Aos meus pais e à minha irmã ficará um eterno muito obrigado! Por tudo, realmente tudo.

Entretanto, como não morri e como todas essas pessoas incríveis não me deixam ficar encalacrado na dor da solidão, com fé em Deus sigo em frente. A vida é um bem por si só. Que eu tenha forças e sabedoria para tornar melhor a vida dos que cruzam meu caminho, seja por que motivo for. Vamos nos doar mais, pedir menos e agradecer a vida!

Referências:

[1] https://www.topmelhores.com.br/ciencia/13-os-10-maiores-medos-do-ser-humano

[2] http://ricardodantas.blog.br/o-dilema-das-redes/

[3] http://ricardodantas.blog.br/a-panaceia-do-home-office/

FOTO: https://www.google.com/search?q=morte+e+solid%C3%A3o&rlz=1C1GCEA_enBR918BR918&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwjvt4v487TsAhVIJrkGHVYiBpgQ_AUoAXoECAUQAw&biw=1366&bih=657#imgrc=MW1qBZmbIKfjVM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado