República das Bananas”, conforme ensina a Wikipédia[1], “é um termo pejorativo para um país, normalmente latino-americano, politicamente instável e frequentemente com um governante corrompido e opressor (revolucionário ou não). Sua economia é, em grande parte, dependente da exportação de monoculturas, tais como bananas, café, laranjas ou cana-de-açúcar, ou até mesmo a extração de minerais. Normalmente, tem classes sociais estratificadas, incluindo uma grande e empobrecida classe trabalhadora e uma plutocracia que compreende as elites (de negócios, política e militares). Esta oligarquia controla as produções do setor primário e, assim, a economia do país”.

Existe algo mais definidor do Brasil quanto o excerto acima? Definitivamente, somos um bananal!

Pode até ser consequência de uma crise aguda que tive na coluna cervical há 5 semanas, o que me encalacrou numa dor crônica (e às vezes insuportável), mas, ando muito desanimado com o país. Quero dizer, cansado: das notícias (sempre as mesmas) e também dos noticiadores (cooptados pelo governo de plantão – deixaram de ser “haters” para se tornar “sugar lovers” do Planalto).

Vou dar um exemplo banal (ou “bananal”) que está no site do Banco Central[2]: sua autonomia está ancorada na Lei Complementar nº 179/2021, que instituiu os mandatos do presidente e demais diretores e, ainda, definiu os objetivos da instituição. No site consta com clareza que: “o objetivo fundamental do Banco Central é assegurar a estabilidade de preços, além de, acessoriamente, zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. Quer dizer, como gato escaldado tem medo de água fria, a missão do Banco Central é justamente combater a inflação (lembrando que no início de 1990, ou seja, antes do Plano Real, a inflação acumulada no Brasil chegou a 6.821%[3]). E, para isso, o legislador cuidou de colocar ali pessoas com mandato, para evitar pressões indevidas daqueles que estão à frente do governo – que normalmente visam aquecer a economia (e os votos).

Pois bem, conforme consta do site do próprio Ministério da Fazenda[4]: no Brasil, o sistema de metas de inflação é adotado desde 1999; a meta, inicialmente fixada em 8% ao ano, foi sendo gradualmente reduzida até 2002, voltou a subir em 2003 e 2004, e permaneceu estável em 4,5% de 2005 a 2018; em seguida, voltou a cair 0,25 ponto percentual a cada ano até o patamar de 3% em 2024. Para 2025 e 2026, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu manter a meta de inflação anual em 3%; já o intervalo de tolerância, inicialmente de 2,0 pontos percentuais (p.p.), passou para 2,5 p.p. em meados de 2003 a 2005, voltou a ser de 2,0 p.p. de 2006 até 2016, e em seguida foi reduzido para 1,5 p.p. – assim, em resumo, desde 2019 a meta inflacionária para o ano de 2024 era 3% e, aplicada a tolerância de 1,5% (desde 2017), temos um teto de 4,5%.

Conforme nos ensina o comentarista de economia José Paulo Kupfer, em artigo escrito para o site do UOL[5], no acumulado em 12 meses, se as previsões se confirmarem, a inflação de julho (com os aumentos nos preços da gasolina e do gás de cozinha, em combinação com a aplicação da bandeira amarela nas tarifas de energia elétrica) superará o teto do intervalo de tolerância, alcançando 4,57%. Foi precisamente por esta razão que na última reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) a taxa SELIC foi mantida em 10,5% ao ano, por unanimidade[6] (frise-se)!!

Sucede que, o atual presidente da República, no melhor estilo ‘Stonks’ (ou ‘Hermes e Renato’) apesar de asseverar que “não pode ficar brigando” com Campos Neto (atual presidente do Banco Central), ficou semanas fazendo exatamente o contrário… Lula disse: 1) “acho que ele não está fazendo o que deveria corretamente”, sob a alegação de que estaria realizando “ajuste fiscal em cima da rentabilidade dos banqueiros”[7]; 2) “só temos uma coisa desajustada neste instante: é o comportamento do Banco Central; um presidente que não demonstra capacidade de autonomia, tem lado político e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar o país”; acrescentando: “nós vamos repetir o [Sérgio] Moro? O presidente do BC está disposto a fazer o mesmo papel que o Moro fez? Com o rabo preso a compromissos políticos?”[8]; 3) e concluiu dizendo que o presidente do Banco Central “não entende de Brasil” e/ou “de povo”[9].

Ora, quando se pensa no “povo”, qualquer governante deveria saber que a inflação é um dos maiores vilões que existem. Se esse governante for brasileiro e tiver experimentado a época hiperinflacionária então, seguramente combater a inflação deveria ser uma de suas prioridades…

Isso porque a inflação corrói qualquer orçamento, mas esse impacto muda de acordo com a renda – os mais pobres sentem mais[10]!! Fato: o orçamento da ‘baixa renda’ só dá para o básico. Nessa faixa de renda, a alimentação é prioridade. Segundo dados do IBGE, 60% da renda de quem ganha menos é gasta com comida. Mas, esse percentual vai subindo quanto menor for a renda. As contas básicas de casa, como luz, gás de cozinha e água, também estão na lista das prioridades, assim como o transporte (atrelado ao preço dos combustíveis). Mais: como o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de itens básicos de alimentação, como os grãos e as proteínas, quando um produtor exporta, ele vende para outros países e recebe em dólar. Se ele vende dentro do país, ele recebe em real – ou seja, vender para fora do país acaba sendo mais atrativo para quem exporta. Quando o real está desvalorizado frente ao dólar, como hoje, essa vantagem aumenta ainda mais.

Em resumo, o que Lula fez foi bater no Banco Central até o dólar romper a marca dos R$5,70!!!

A questão é que o atual governo optou por gastar como se não houvesse amanhã: dados do Banco Central mostram que o déficit nominal do Brasil foi de R$998,6 bilhões no acumulado de 12 meses até março de 2024 – isso mesmo, praticamente 1 TRILHÃO DE REAIS!! Quer dizer, a dívida pública vai bater nos 80% do PIB. Assim, matematicamente, o governo Lula apresentou um déficit praticamente igual ao observado durante a Covid-19, mesmo sem uma pandemia[11].

Entretanto, o que pensa o presidente da República? Disse a jornalistas que o governo federal fará a avaliação sobre corte de gastos “sem levar em conta o nervosismo do mercado”. E completou dizendo que “o problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se a gente precisa aumentar a arrecadação”[12]. Então, claramente inexiste qualquer compromisso fiscal no Brasil (e a isso estão atentos todos os investidores, sejam domésticos ou estrangeiros). Resultado: dólar alto e inflação.

Basta dizer que o governo quer corrigir o déficit, como disse Lula, apenas pelo lado da arrecadação (cobrando mais tributos). Tanto isso é verdade que a alíquota do imposto de valor agregado (IVA) brasileiro tende a ser a maior do mundo, como noticiou o Correio Brasiliense[13]. Veja: só no meu ramo, amigo leitor, que é a prestação de serviços de advocacia, a carga tributária vai dobrar! E não estou usando jogo de palavras: pagávamos cerca de 15% e passaremos a pagar quase 30%. Lembrando que há ainda a vontade do governo de tributar os dividendos (ou seja, os lucros pagos aos sócios e acionistas) num patamar de 15% – tal projeto está tramitando no Congresso[14].

Apesar disso, em discurso realizado durante reunião do (olhe a ironia!!) CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República, ocorrido no dia 27/06/2024, o ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) disse que[15]: “ninguém está aumentando carga tributária; não se criou imposto, não se aumentou uma alíquota”. Segundo o aludido ministro “há um equívoco interpretativo sobre o tema” … Acredite se quiser, meu amigo leitor!!

Não é só isso – o próprio governo decidiu rever a meta fiscal prevista para 2025, que passou a ser de “déficit zero” em vez de um “superávit de 0,5%” do Produto Interno Bruto (PIB). A revisão ocorreu pouco mais de 7 meses após a sanção do arcabouço fiscal, da lavra deste mesmo governo[16].

Enfim, poderia ficar aqui num rosário infinito, trazendo links e mais links disponíveis na internet.

Vou poupá-los disso! Ou melhor, me pouparei desse trabalho. Afinal, vocês já são bem adultos.

De minha parte, sigo estoicamente, vivendo na República das Bananas, ou seria “dos bananas”?

Referências:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/República_das_bananas#:~:text=República%20das%20bananas%20é%20um,ou%20por%20uma%20junta%20militar

[2] https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/autonomia

[3] https://brasilescola.uol.com.br/historia/inflacao-no-brasil.htm#:~:text=A%20hiperinflação%20brasileira%20chegou%20a,períodos%20de%20hiperinflação%20desde%20então

[4] https://www.gov.br/fazenda/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/2024/junho/nova-sistematica-de-meta-para-a-inflacao-1#:~:text=No%20Brasil%2C%20o%20sistema%20de,3%2C00%25%20em%202024

[5] https://economia.uol.com.br/colunas/jose-paulo-kupfer/2024/07/10/queda-da-inflacao-em-junho-tera-repique-em-julho-ano-fecha-com-mais-de-4.htm

[6] https://exame.com/economia/copom-em-decisao-unanime-bc-mantem-selic-em-105-e-poe-fim-ao-ciclo-de-cortes/

[7] https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/06/28/lula-diz-que-nao-pode-ficar-brigando-com-campos-neto-mas-faz-novas-criticas-ao-presidente-do-bc.ghtml

[8] https://www.metropoles.com/brasil/lula-bate-forte-em-campos-neto-rabo-preso-a-compromissos-politicos

[9] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/campos-neto-e-lula-quais-os-principais-atritos-dessa-relacao/

[10] https://blog.nubank.com.br/inflacao-por-renda-por-que-baixa-renda-sofre-mais/

[11] https://www.poder360.com.br/w-nao-utilizar/economia/lula-tem-deficit-quase-igual-ao-da-covid-mesmo-sem-pandemia/

[12] https://www.otempo.com.br/politica/governo/2024/6/26/lula-afirma-que-governo-avalia-fazer-corte-de-gastos–sem-levar-

[13] https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2024/04/6847833-aliquota-do-iva-brasileiro-pode-ser-a-maior-do-mundo-dizem-especialistas.html

[14] https://www.empiricus.com.br/artigos/investimentos/tributacao-de-dividendos-pode-virar-realidade-em-2024-mas-por-enquanto-nao-muda-nada-na-nossa-estrategia-diz-ruy-hungria-da-empiricus-lbrdlc482/

[15] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/06/27/nao-publicar-haddad-nao-esgotamos-revisao-de-gasto-tributario.amp.htm

[16] https://www.gazetadopovo.com.br/economia/governo-reve-meta-apos-sete-meses-de-arcabouco-fiscal-e-desiste-de-superavit-em-2025/#:~:text=O%20governo%20Luiz%20Inácio%20Lula,novo%20regime%20fiscal%20do%20governo

FOTO: https://www.neipies.com/republica-das-bananas/

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado