Acabo de fazer aniversário. Já são 39 carnavais, ou 14.250 dias, como me lembrou um anúncio de marketing de uma dessas empresas que roubam nossos dados e nos enviam mensagens. Fiquei pensando em Sêneca[1], filósofo estoico, que em sua obra “Sobre a Brevidade da Vida” traz algumas reflexões acerca da natureza do tempo e seu desperdício perseguindo objetivos sem valor ou sentido. Às vezes acho que a vida é curta, mas, logo me lembro dos conselhos do aludido filósofo e reassimilo que temos tempo de sobra – o que faz pródigos e infelizes aqueles que esbanjam seu próprio tempo com coisas absolutamente inúteis ou que persistem no erro. Para Sêneca o Santo Graal da vida era aprender, se desenvolver enquanto pessoa. Faz sentido!

Tenho me dedicado à atividade político-partidária há pouco tempo (embora desde o berço o assunto me arraste com paixão). Faz um ano e meio que vivo imerso em matérias jornalísticas e de opinião sobre o assunto – a grande maioria sobre o Executivo (seu atual ocupante e também os respectivos postulantes). Além disso, acompanho muitas votações de projetos legislativos no Congresso Nacional – quase a totalidade com enorme sanha sobre o patrimônio público e privado. Por fim, monitoro as decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, uma vez que meu ofício (advogado) exige que assim o faça – mas, igualmente, porque em tais Tribunais as decisões são tomadas mais com embasamento político do que jurídico.

Há um cipoal de narrativas, discursos inflamados, teorias da conspiração etc. Bem como um repetido discurso nos veículos midiáticos, como uma espécie de mantra. Porém, convém a nós separar o que é jornalismo daquilo que é apenas e simplesmente opinião. As coisas estão muito confusas nesse campo hoje em dia… Matérias isentas, que visam abordar fatos e diferentes versões trazidas pelos envolvidos praticamente sumiram. O que importa mesmo é levar ao ar uma bancada de âncoras (todos de acordo entre si, às vezes numa semelhança de jogral, com uns completando o raciocínio dos demais), coroada com uma bancada de “especialistas”. E, aí, nós, como humildes espectadores, ficamos ali observando. Quando discordamos daquilo que está sendo dito surge até uma ponta de apreensão: estaríamos loucos? Como seria possível que nós, meros “mortais”, pudéssemos discordar da opinião uníssona de jornalistas de “renome”, que são acompanhadas por uma bancada de “especialistas” convidados? Eu fico encasquetado.

Vou dar um exemplo: Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos da América, foi uma espécie de “Cristo” do século XXI, ovacionado por uma miríade de jornalistas todos os dias, mesmo que apenas em decorrência do ato de respirar, porque só precisou de um feito: tirar do Poder Donald Trump, o animal irracional. Acontece que não adianta tirar do Poder os humanos e entregá-lo aos porcos, ou vice-versa, como nos ensina o livro “A Revolução dos Bichos” de George Orwell[2]. É preciso que o governante que sucede o anterior tenha seus méritos. Não é possível jogar apenas invocando os erros do adversário (que deixou o Poder). Foi assim que no “Jornal das 10” da Globonews, a convidada do programa naquele dia falou com muita propriedade e desancou os “âncoras”, que se juntavam para defender Biden da patética retirada das tropas americanas do Afeganistão – e aqui me refiro à forma e não aos motivos em si. Me refiro a Arlene Elizabeth Clemesha[3], historiadora e professora de História Árabe da USP. Foi ela quem disse que Biden mostrou profundo desconhecimento pelo Afeganistão, ao contrário daquilo que apregoa em seu currículo e em sua biografia. Enfim, desnudou o equívoco cometido pelo presidente americano ao vivo, mesmo que os interlocutores se recusassem a vê-lo ou reconhecê-lo. Me senti menos idiota quando a verdadeira especialista falou…

Existe um ditado popular que diz: “de médico e louco todo mundo tem um pouco”. Nada mais atual que isso em tempos de pandemia, concorda? Me lembrei ainda de um ditado de meu pai, que é médico: “a diferença entre o louco e o psiquiatra é apenas o lado no qual cada um se senta na mesa do consultório”. Quero dizer com isso que não é necessário nos fazer de rogados! É preciso pesquisar sempre antes de tomar algo que te dizem por uma verdade inexorável. Ou seja, unir os pontos do saber, indagar o passado, antes de concluir pela veracidade daquilo que querem te vender. Como no livro “O Alienista” de Machado de Assis[4] é inviável a tentativa de se definir a esfera da loucura, sob pena de incorrermos numa generalização. Como já ensinava filósofo francês Michel Foucault[5], se você não se ajusta aos padrões impostos pelas instituições (família, igreja, justiça etc.), logo, você é louco, desajustado. Mantenha a sanidade mental!!

Uma das cenas icônicas do filme de ficção científica “Sinais”, com certeza, é aquela do chapéu maluco feito com chocolate Kiss – de papel alumínio (a mesma que ilustra esta coluna). Os personagens acreditavam que se usassem o aparato estariam salvos de qualquer controle mental vindo dos alienígenas (que invadem a Terra, no filme). Pois bem, nos últimos tempos venho me sentindo assim: tenho usado meu chapéu de alumínio (imaginário, claro!) para que ninguém, independentemente do status, cargo ou proeminência, venha me vender mentiras por verdades.

Nessa esteira, convido você a pensar bastante sobre nossa República, que anda tão disfuncional. A Câmara dos Deputados votando para si um fundão eleitoral de quase 7 bilhões em meio à maior pandemia em 100 anos, com uma massa colossal de brasileiros passando fome. O Senado fazendo sabatina de araque para importantes indicações aos cargos de PGR e Ministro do STF, além de promover um verdadeiro circo numa CPI que deveria zelar pela maior mortandade de brasileiros desde a gripe espanhola (e cujo Relator é ninguém menos que Renan Calheiros). O STF instaurando, chancelando e conduzindo inquérito policial de ofício, que tem por objeto aquilo que o Ministro Relator achar que é conveniente, bem como matando no ninho a Operação Lava-Jato, dizendo que a 13ª Vara Federal de Curitiba é “incompetente”, mesmo tendo dito o contrário durante 07 anos – o que levará à prescrição da maioria dos delitos cometidos (nós, os brasileiros, vamos ter que devolver o dinheiro aos réus confessos e ainda pedir desculpas!). E, claro, o Presidente da República Jair Bolsonaro, que já abdicou de governar e vive de claque, comícios e inaugurações Brasil afora, pouco se importando com o povo, mas sim com o Poder.

Enfim, há uma miríade de problemas a resolver, que estão espraiados em todos os Poderes da República e que são tão antigos quando a chegada das caravelas de Pedro Álvares Cabral. É difícil desatar tantos nós? Sim, é claro! Mas, como diria outro ditado: “a primeira lei para quem caiu no buraco é parar de cavar”. E, nesse sentido, munido de meu chapéu de alumínio, fico estupefado vendo a quantidade de pessoas que idolatram Bolsonaro. E também estarrecido com uma quantidade igual ou maior que idolatra Lula. Prefiro ser taxado de maluco, pode apostar!

Meu consolo é que, conforme reportagem da Revista Veja[6], publicada no dia 27/08 (dia do meu aniversário), e embasada na última pesquisa realizada pelo IPESPE a pedido da XP: “(…) há espaço de sobra para a construção de uma candidatura capaz de romper a polarização. Dois dados são elucidativos nesse sentido. Na pesquisa espontânea, aquela em que não é apresentada a relação de presidenciáveis, a liderança é dos indecisos. Hoje, há mais entrevistados sem candidato do que declarando voto em Lula ou Bolsonaro. Além disso, um quarto da população não está disposto a votar em nenhum dos dois favoritos. Ou seja: há uma massa à espera de uma alternativa (…)”. Quer dizer, a Casa Verde (ou Casa de Orates) do livro “O Alienista” está repleta de malucos como eu. Posso ser um doidão, mas, estou otimista.

Referências:

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado