A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. Vivemos num Estado Democrático de Direito que é formado pelos seguintes Poderes, “independentes e harmônicos entre si”: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (arts. 1º e 2º da CF/1988). Quer dizer, abraçamos, como a quase totalidade dos países civilizados, a teoria da separação dos poderes de Montesquieu[1].

Sucede que nosso Judiciário vem desbordando, e muito, da sua missão institucional de solucionar conflitos. Quer dizer, o Poder que deveria zelar para que houvesse segurança jurídica no país, além de funcionar como aparador de eventuais arroubos autoritários dos outros dois Poderes, passou a atuar como verdadeiro protagonista da vida cotidiana. Hoje em dia é preciso nos indagarmos, mesmo no recôndito do lar, se algo que fazemos é ou não constitucional, segundo o último julgado do Supremo Tribunal Federal. É espantoso.

Primeiramente, anoto um dado muito positivo: os cargos da magistratura são preenchidos por “concurso público de provas e títulos” (art. 93, inciso I, da CF/1988). Isso qualifica (na entrada) as pessoas que compõem o Judiciário. Mas, a aprovação em concurso não pode ser uma espécie de ‘livre arbítrio’. Dali em diante compete aos juízes aplicarem as leis, aprovadas pelo Legislativo e sancionadas pelo Executivo. E apenas num caso ou noutro, verificando alguma ilegalidade ou inconstitucionalidade, deixar de observá-las.

Ocorre que, mesmo que haja excelentes juízes (preparados, ponderados e trabalhadores), infelizmente vemos, no dia-a-dia da militância advocatícia, que uma considerável parte dos magistrados passou no concurso e ‘pendurou as chuteiras’. Quer dizer, deixou de se dedicar continuamente aos estudos, de modo que seu saber, verificado por concurso, em alguns anos mostra-se defasado. Há ainda aqueles que não aparecem para trabalhar, uma vez que suas Excelências, diferentemente dos mortais servidores públicos, não precisam cumprir controle de ponto. Mas, os piores de todos são os autoritários, sem dúvidas. Aqueles que usam o peso da toga para intimidar partes, testemunhas e até o advogado, escondendo assim a falta de humildade e sabedoria, colocando a perder a imparcialidade e a própria prestação jurisdicional, já que não resolvem conflitos, na verdade criam novos.

Logo que me formei começou a valer a afamada Emenda Constitucional 45, que passou a exigir 3 anos de ‘atividade jurídica’ (após a formatura) dos candidatos ao cargo de juiz. À época não vi muito sentido nisso. Mas, hoje, depois de 15 anos na advocacia, vejo que os 3 anos são muito pouco. É preciso que os magistrados sejam pessoas mais experientes, mais vividas. A tendência daqueles jovens que alcançam em tenra idade o aludido cargo, que é vitalício, é cometer mais equívocos, por falta de sabedoria de vida. Vejam: terão que julgar divórcios, guarda de crianças, problemas relacionados a aposentadorias, processos penais, questões societárias/empresariais e uma miríade de conflitos tributários. Em suma, há um sem-número de causas que demandam vivência naquilo que se julga.

Depois, passado um tempo na carreira, ascendem aos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais (ou do Trabalho, ou Militares, ou Eleitorais). Ali, com algumas exceções, o trabalho parece ser terceirizado de vez aos assessores do respectivo gabinete. O nível de análise do caso concreto, levado ao Tribunal via de um recurso, é paupérrimo. Inúmeros são os desembargadores que sequer atendem advogados, quando isso é uma prerrogativa da classe, prevista em lei (art. 7º, inciso VIII, da Lei 8.906/1994)! Enfim, o processo que é mal julgado em 1ª Instância corre um enorme risco de ser igualmente mal apreciado no Tribunal, perpetuando-se injustiças. Essa é uma realidade empírica e triste.

Existe ainda um dado muito ruim sobre a composição dos referidos Tribunais: o chamado ‘quinto constitucional’ (art. 94 da CF/1988). Formam-se listas nas classes do Ministério Público (com mais de dez anos de carreira) e de advogados (com ‘notório saber jurídico’, ‘reputação ilibada’ e mais de dez anos de efetiva atividade profissional), que são enviadas ao Poder Executivo, para escolha daquele que preencherá o cargo de desembargador. Em suma, uma pessoa não concursada para a magistratura passa a ser o julgador dos casos em 2ª Instância (e isso corresponde a um quinto das vagas disponíveis nos Tribunais). A ideia seria ‘oxigenar’ a magistratura e trazer ‘representatividade’ de outros atores que atuam no Judiciário. Porém, obviamente, a indicação em tela acaba sendo apenas política.

Já o Superior Tribunal de Justiça (STJ) compõe-se de 33 ministros: um terço dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais; um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça; e um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente. Enquanto isso o Supremo Tribunal Federal (STF) compõe-se de 11 ministros. Para ser ministro do STJ e STF os requisitos são: ser cidadão com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, ter ‘notável saber jurídico’ e ‘reputação ilibada’ (arts. 101 e 104 da CF/1988). Eles serão nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Percebam, pois, que a indicação aqui é inteiramente política, tanto ao STJ quanto ao STF. Pior, no caso do STF os ministros sequer precisam ser formados em Direito – e estamos falando da mais alta Corte do país!

Repare que, desde a instituição da República em 1889, apenas 5 nomes foram rejeitados pelo Senado Federal para o cargo de ministros do STF – todos durante o governo Floriano Peixoto (1891 a 1894)[2]. Ou seja, já se vão 126 anos sem que o sabatinado seja rejeitado! E é desta forma que os Presidentes se veem muito confortáveis para colocar ali alguém de sua extrema confiança (pessoal). Tanto é assim que, desde nossa redemocratização em 1988, dos 25 ministros que assumiram vagas no STF: 7 ocupavam cargos no Executivo quando foram indicados, grupo do qual fazem parte 2 ex-advogados-gerais da União (Dias Toffoli e Gilmar Mendes), 4 ex-ministros da Justiça (Paulo Brossard, Maurício Correa, Nelson Jobim e Alexandre de Moraes) e 1 ex-ministro das Relações Exteriores (Francisco Rezek)[3]. Então, é preciso ter com clareza que a escolha é somente política

Assim é que a aplicação do Direito sofre, desde a 1ª Instância até o STF, por problemas variados, que vão desde a falta de maturidade à falta de conhecimento técnico. Além dos julgamentos movidos inteiramente por interesses políticos, como decorrência lógica da própria composição dos Tribunais Superiores no país. Mas, existem outros problemas.

Conforme reportagem do Correio Brasiliense, veiculada em 23/09/2019[4], considerados os ‘penduricalhos’, 65% dos juízes no Brasil ganham acima do teto de R$39,3 mil. Quer dizer, ganham mais que os ministros do STF e muito mais que o presidente da República, cujo subsídio é de R$30,9 mil. Dentro de um embrulho chamado ‘verbas indenizatórias’ há uma grande variedade de acréscimos no contracheque dos magistrados, tais como: auxílio-moradia, auxílio-paletó, ajuda de custo, auxílio-livro, gratificação por serviço extraordinário, gratificação por serviço cumulativo, gratificação por substituição etc.

Em suma, o Poder que vem se prestando a ser o grande ‘moralizador’ da República tem problemas severos e variados em suas entranhas. E isso deveria ser corrigido justamente pelo Legislativo e pelo Executivo… Assim, não se veem muitas soluções no horizonte.

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado