Há muito tenho pensado sobre a assertiva que intitula esta coluna, caro leitor. Creio que possamos divagar juntos. Tenha foco no pano de fundo e não nos argumentos em si. Quer dizer, ainda que não concorde comigo, siga firme, o que importa é a mensagem.

Primeiramente, anoto que vou ambientar a narrativa no campo da política, para onde convergem sentimentos apaixonados e pouco refletidos. Políticos mobilizam as massas, por assim dizer. E “massas” são de todas as cores, sexos, posses, instruções etc. Todas!

Tivemos diversos governos no país. Porém, como quase nunca houve transferência de renda aos mais necessitados, depois de quatro tentativas, triunfou nas eleições Luís Inácio Lula da Silva, trazendo consigo o PT – que, aliás, gravita em torno dele até hoje.

Então, tivemos um excelente governo no primeiro mandato e um mais razoável no segundo. Frise-se que a transferência de renda aumentou (e muito), o que foi altamente salutar para a democracia, especialmente para quem passava fome todos os dias. Tanto é verdade que os governos subsequentes mantiveram a aludida transferência de renda.

O problema é que a falta de alternância no Poder provoca estragos. Assim, como os pobres vinham há muito esquecidos, a eleição e reeleição de Dilma Rousseff, para além de seguir com a transferência de renda, continuou com o gigantismo estatal mais afeto à visão das esquerdas e, isso, como sabemos, levou ao colapso das contas públicas mais à frente. Tivemos uma dura recessão em virtude da adoção da “nova matriz econômica”[1].

Não vou aqui falar de corrupção, que foi monstruosa durante as gestões Lula e Dilma, até porque ela sempre existiu em alguma medida antes e vai continuar por aí sempre…

Voltemos ao ponto: a distribuição de renda é maravilhosa e realmente ajuda as pessoas. O Estado tem condições de fazê-la e o dever de mantê-la. Entretanto, como o Estado não gera riqueza alguma, mas, apenas organiza sua distribuição num dado espaço e tempo, na forma de gastos públicos, a economia precisa estar funcionando bem, caso contrário, não haverá riqueza a distribuir. Isso é um fato.

Quer dizer, para sairmos do eterno “voo de galinha” e abandonarmos nossa “síndrome de vira-latas”, precisamos de uma continuidade econômica, que preze por um ajuste fiscal que represente superávit nas contas públicas. Não precisa ser um superávit de níveis bancários, claro. Mas, gastar mais do que se ganha inexoravelmente vai levar aquele que gasta a passar apertado ou mesmo a quebrar. No primeiro cenário, alguns vão ficar sem receber. Já no segundo, ninguém vai ver a cor do dinheiro. Mais um fato.

Estávamos gastando mais do que arrecadamos na casa da centena de bilhões. E isso ia ficar muito pior já no curto prazo, não fosse a reforma da previdência. Economizamos cerca de R$800 bilhões, pelos próximos dez anos[2]. E outras correções precisavam ser feitas e parece que estavam se encaminhando: reforma administrativa, tributária etc. Enfim, aqueles esqueletos que guardamos no armário desde a chegada de Pedro Álvares Cabral. Veja que o crescimento dos nossos gastos foi alarmante ao longo dos anos[3]:

Nota do Blog: a coluna da esquerda mostra o valor dos gastos, em bilhões de reais.

Perceba: quando se gasta sem controle, aumentando o tamanho do Estado, o gasto fica por aí para pagarmos, tal qual uma fatura de cartão de crédito parcelada. Tanto é que, a duras penas, tivemos em 2019 um rombo fiscal (déficit) de R$95,065 bilhões, o menor em 06 anos – veja no gráfico abaixo[4]. E a previsão é que somente teríamos um superávit nas contas em 2023!!

Quer dizer, ao contrário do que poderiam acreditar os incautos, os déficits observados em 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 (bem como os projetados para 2020, 2021 e 2022) foram construídos no período anterior. E isso porque a gastança é algo duradouro.

Lado outro, quase nunca adotamos uma política centralizada no liberalismo. Não aquele original, que não tem mais espaço nos Estados modernos (que sempre garantem algum nível de direitos sociais aos cidadãos). Mas, um liberalismo do ponto de vista fiscal, que não descuida de seguir transferindo renda. Entretanto, é óbvio que em tempos de enorme endividamento menos renda se transfere. Ora, o Estado não gera riqueza!

Assim é que a alternância de Poder viabilizou políticas econômicas mais sensatas, adotadas mundo afora, nos países civilizados, desses que não dão voos de galinha. Tanto que tivemos em Janeiro de 2020, do ponto de vista fiscal, o melhor desempenho para este mês na série histórica, iniciada em 1997, com superávit de R$44 bilhões[5].

Mas, juntamente com uma melhora econômica, custosa, demorada, mas que estava acontecendo, como os dados provam, veio uma política de costumes tenebrosa. E isso tem acirrado o ódio que já dava o ar de sua graça em nossa política. Há divergência no campo da cultura, da orientação sexual, da religião, dentre tantos outros. E Jair Bolsonaro faz questão de atirar mais lenha na fogueira, com frases e palavras bastante desrespeitosas. Ele até poderia ser mais conservador. Mas, isso não lhe dá o direito de atirar pedra nas pessoas do modo como faz, afinal, ele deveria ser o presidente de todos.

E toda a narrativa feita até aqui visa demonstrar que cada qual, enquanto no Poder, traz consigo coisas positivas e também negativas. E é precisamente por isso que existem eleições gerais no Brasil. A democracia não se exerce apenas com aqueles com os quais concordamos, mas, com aquele que a maioria dos votantes coloca no Poder, de 4 em 4 anos. Obviamente isso não lhe dá o direito de fazer o que bem entender – e o Judiciário e o Legislativo estão aí justamente para garantirem que se respeite a Constituição e as Instituições. Mas, a alternância de Poder é boa, posto que sempre joga uma lufada de ventos novos por todo o governo. E isso permite uma mudança que pode melhorar várias coisas. A ideia é que as coisas positivas vão sendo absorvidas pelos próximos governos e, paulatinamente, vamos tendo governos melhores, porque errarão, mas, errarão menos. Essa é a ideia. Nessa toada, me permito concluir que transferência de renda e superávit fiscal não são coisas excludentes. É bem possível unir ambos, desde que não tenhamos um rombo que nos deixe inviabilizados de pagar nossas contas. Se o dinheiro e o crédito acabam é o fim do Estado… Argentina e Venezuela, nesta ordem, estão aqui ao lado para demonstrar o que ocorre num cenário adverso como este!

Então, veio a pandemia de COVID-19 (já escrevi outras colunas sobre este tema, para onde remeto o leitor[6][7][8]). E aqui, abordo essa crise no sentido econômico. Percebam: o que vivemos tem caráter de hecatombe global. Muitos perderão suas vidas, talvez na casa das centenas de milhares. E a economia mundial entrará em recessão. O Brasil já tomou muitas medidas[9] para minorar os impactos econômicos por aqui, dentre as quais está a transferência de renda para aqueles que precisam – e não podia ser diferente.

Porém, como não tínhamos uma saúde fiscal no país, quase toda a economia que seria gerada com a reforma da previdência, em dez anos, será gasta de uma vez em 2020. Ou melhor, estima-se um déficit anual de ao menos R$500 bilhões[10]. O que significa que teremos um futuro sombrio pela frente, economicamente. O pior cenário era justamente sermos pegos por algo duro e inesperado durante nossa crise fiscal. E isso aconteceu…

Então, caro leitor, é preciso ter em conta que o déficit dos anos (e governos) passados vai se somar ao gigantesco déficit de 2020, bem como a todos os déficits dos anos vindouros. E o próximo Presidente da República, muito provavelmente, também só conhecerá um cenário: contas que não fecham! Ou seja, seguiremos sem investimentos estatais em diversas áreas e teremos mais uma década de vacas magras, essa é a conta.

Assim, seu ódio por FHC, por Lula, pela Dilma, pelo Temer ou pelo Bolsonaro não vão servir de nada para nos tirar do buraco. Um impeachment tampouco resolverá nosso problema. Temos que entender bem os erros do passado e os atuais para mirar um rumo que nos tire da situação em que viemos parar. Não é possível fazer isso com nossa bile.

Temos que aceitar as diferenças, utilizarmos nosso lado racional, e construir debates e políticas que possam nos dar um rumo no meio desse cenário. Percebam: sequer temos noção de quando acabará essa pandemia e se a conta será apenas essa, ou se teremos duas, três ou mais vezes em prejuízos para gerenciar. Então, não adianta demonizarmos as pessoas ou o governo. Há bons ministros e outros ruins. E isso vai seguir sendo assim. Bolsonaro não vai mudar e parar de praguejar, infelizmente. E muito menos a imprensa vai deixar de noticiar a catástrofe e de ripar o governo todos os dias. É a vida.

Caberá a nós, o povo, não combater o ódio com ódio. Nós seremos os mais afetados!!

Referências:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Matriz_Econ%C3%B4mica

[2] https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/12/09/reforma-da-previdencia-governo-revisa-previsao-de-economia-de-r-800-bi-para-r-855-bi-em-dez-anos.ghtml

[3] https://www.gazetadopovo.com.br/instituto-politeia/gasto-publico-crescimento/

[4] https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/01/29/no-6o-ano-seguido-de-deficit-contas-do-governo-registram-rombo-de-r-95-bilhoes-em-2019.ghtml

[5] https://exame.abril.com.br/economia/governo-tem-superavit-de-r-44-bilhoes-melhor-janeiro-da-serie-historica/

[6] http://ricardodantas.blog.br/coronavirus/

[7] http://ricardodantas.blog.br/torrentes-de-odio-e-medo/

[8] http://ricardodantas.blog.br/o-brasil-e-suas-calamidades/

[9] https://exame.abril.com.br/economia/quais-as-medidas-economicas-contra-covid-19-ja-sairam-do-papel/

[10] https://exame.abril.com.br/economia/setor-publico-tera-rombo-fiscal-de-ate-r-500-bi-em-2020-diz-mansueto/

FOTO: https://www.google.com/search?q=discuss%C3%A3o&rlz=1C1GCEA_enBR815BR815&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwjuw8LnwtnoAhWtH7kGHciKCQIQ_AUoAXoECBAQAw&biw=1366&bih=608#imgrc=Y07i2ePeBi5lZM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado