Viver é um ato complexo! E, às vezes, tudo aquilo que você tanto se esforçou para repelir é justamente o que acaba acontecendo. Pior: há casos em que seus próprios atos colaboram para a ocorrência daquele resultado do qual se pretendia distância. Foi o que se deu com Vladimir Putin…

A grande desculpa dada pelo tirano russo para invadir a Ucrânia foi que tal país estava pretendendo aderir à OTAN. Então, isso implicaria, na versão de Putin, numa alocação de militares e armas nas bordas da Rússia. Para repelir essa “ameaça”, os russos atiraram primeiro. Bom, ao menos é isso que a TV estatal russa está dizendo para doutrinar seu povo, especialmente para não gerar revolta nas mais de 22 mil mães russas que já perderam seus filhos nesta guerra vã. O Kremlin vem dizendo às famílias que perdeu contato com parte das tropas porque “as antenas de telefonia na Ucrânia são ruins”. Entretanto, a Rússia deixou os corpos de seus soldados para trás.

Na realidade, para além de ter atraído sobre si o maior embargo econômico de que se tem notícia na história da humanidade, a Rússia vem experimentando diversos revezes militares. Sua invasão à Ucrânia, condenada pela Assembleia Geral da ONU[1], praticamente por unanimidade, se mostrou bastante mal calculada. Putin enviou menos tropas do que as necessárias, subestimou as defesas do país invadido e, o pior, atacou por muito mais frentes do que conseguia suportar. Enfim, como talvez o item mais importante numa guerra seja a logística (leia-se, a manutenção da linha de suprimentos para o campo de batalha), a Rússia teve que bater em retirada de todo o norte da Ucrânia[2]. E, agora, mesmo com a concentração de esforços no sul e leste da Ucrânia, as forças de Vladimir Putin acabam de tomar um contra-ataque nos arredores de Kharkiv, o que empurrou de volta as tropas russas para perto de sua própria fronteira[3].

Mas, penso eu que o maior fato inesperado por Moscou veio esta semana, com o anúncio dos governos da Finlândia e Suécia de que aderirão formalmente à OTAN[4]. Quer dizer, haverá ainda os trâmites a serem superados[5], o que pode levar até um ano, porém, tais adesões já estão dadas. Então, visando evitar que o 2º maior país em área da Europa (Ucrânia) se juntasse à OTAN, Putin conseguiu acelerar a adesão do 5º e 8º (Suécia e Finlândia), cuja área contígua é 30% maior do que a do país invadido[6]. Em suma, os russos foram à guerra para evitar que 2.300km de suas fronteiras pelo sudoeste (com a Ucrânia) passassem a ser divididas diretamente com um membro da OTAN e, agora, terão que dividir 1.300km de fronteiras pelo noroeste com novos membros da referida organização. Isso sem ter vencido a guerra já iniciada, convém lembrar.

Veja bem caro leitor, a Suécia deixou 200 anos de neutralidade histórica, enquanto a Finlândia deixou outros 100 anos de país neutro, para juntas integrarem a OTAN, justamente porque sua população, aterrorizada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, passou a apoiar (massivamente) o ingresso de seus países na organização em comento. O anúncio da adesão formal dos suecos e finlandeses foi precedido de um acordo bilateral de defesa com Estados Unidos e Inglaterra[7], que visa garantir suporte militar a ambos os países caso venham a ser invadidos pela Rússia durante os trâmites de suas adesões à OTAN. Não é só isso: ambos já mobilizaram suas tropas e blindados, cujo contingente já está em “treinamento militar” conjunto com outros soldados de nações do continente europeu e dos Estados Unidos, desde o início deste mês de Maio[8].

Você deve estar se perguntando: então a guerra está escalando? Sim, muito!! E rápido. Sinto dizer… Basta notar que os Estados Unidos estão reabrindo sua embaixada em Kiev[9], capital da Ucrânia, para onde já enviaram recentemente em visita: 1) O secretário de Estado, Antony Blinken, e o secretário de Defesa, Lloyd Austin[10] – ambos discutiram com Zelensky as entregas da última assistência militar dos EUA à Ucrânia, o treinamento contínuo para soldados ucranianos e a intenção do governo Biden de fornecer financiamento militar adicional para ajudar a transição da Ucrânia para sistemas com capacidade da OTAN; 2) A presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi[11], e uma delegação de legisladores – que prometeram apoiar a Ucrânia até que a “vitória seja conquistada” contra a Rússia; e 3) A primeira-dama dos Estados Unidos, Jill Biden[12], que se reuniu com a primeira-dama ucraniana Olena Zelenska. Assim, como os Estados Unidos jamais enviarão seu presidente (Joe Biden) para o meio de uma zona conflagrada de guerra, falta apenas o envio de tropas americanas.

Além de toda a ajuda já endereçada, os Estados Unidos enviarão em muito breve mais US$40 bilhões[13] à Ucrânia para os esforços de guerra. Isso dá mais de R$205 bilhões!! Para se ter uma dimensão, basta dizer que o Brasil previu um orçamento de R$11,8 bilhões em verbas para o Ministério da Defesa no ano de 2022[14]. Isso fora todo o suporte militar que dezenas de países[15] vêm prestando aos ucranianos, desde o início do conflito: blindados, artilharia, mísseis, aeronaves, armas, munição etc. Dentre eles está a Alemanha[16], país que criou um fundo inédito depois do fim da Segunda Guerra para reequipar suas forças armadas, cujo governo decidiu triplicar orçamento militar ainda em 2022, dada a invasão russa. Até mesmo a Suíça[17] abandonou sua histórica neutralidade para se posicionar decisivamente contra a Rússia.

Enfim, meu amigo, está claro que o tiro de Putin saiu pela culatra. O receio do mundo agora reside no seguinte impasse: Putin está sendo encurralado e pode tomar alguma atitude drástica, como usar armas nucleares táticas (ainda que apenas dentro do território ucraniano). Isso vai desencadear uma guerra em larga escala? É possível! A questão é que não estamos vendo um cenário de melhora, mas, somente uma escalada clara na guerra patrocinada pela Rússia… Os Estados Unidos avaliam que a guerra na Ucrânia “será longa” e que o presidente russo, Vladimir Putin, quer estendê-la até a Transnístria, ainda que isso implique em uma escalada militar e no estabelecimento da lei marcial na Rússia[18]. Resta torcer para que não passe de bravata a fala do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov[19], que recentemente disse que o risco de uma Terceira Guerra Mundial “é sério”, “real”, e que “não pode ser subestimado”. O ricochete do tiro de Putin pode recair sobre todos nós.