O Massacre de Civis Ucranianos

Difícil não escrever sobre a guerra. Há muitos temas pululando por aí, especialmente as eleições nacionais que se avizinham no Brasil. Porém, amigo leitor, nada é mais importante para a raça humana hoje do que a agressão russa à Ucrânia. Se você acha que não, que a vida vai bem, obrigado, sinto dizer que está lhe faltando um mínimo de visão. Vou tentar explicar.

A Ucrânia esteve sob o jugo russo durante alguns séculos, até finalmente ter se libertado como uma nação livre, o que se deu em 1991, com o fim da União Soviética. De lá pra cá, o país vem tocando sua vida, soberanamente. Desta forma, é inaceitável que a Rússia a tenha invadido, sem que qualquer tiro tenha sido disparado, sem que qualquer bomba tenha sido lançada, ou mesmo sem que o governo ucraniano tenha ameaçado os russos. Não adianta dizer: “ah, mas a OTAN”! Me desculpe… nenhum dos erros da OTAN justifica a invasão russa à Ucrânia. E ponto final.

Dada a invasão, ocorrida no dia 23/02/2022, abriu-se a caixa de pandora. Conforme escrevi numa coluna publicada 10 dias após a eclosão da guerra, caminhamos a passos largos para a 3ª Guerra Mundial[1]. As razões são várias, conforme expus naquele texto. E a cada dia há mais motivos para crermos nisso, como terei a oportunidade de expor agora, com fatos novos.

A grande questão é que a guerra não está indo bem para Vladimir Putin. Há estimativas de que ao menos 18.300 soldados russos já tenham perdido a vida em solo ucraniano[2]. O número de feridos é estimado no dobro desse montante. Para se ter uma ideia, há fortes indícios de que o principal regimento de elite da Rússia, enviado para invadir Kiev, tenha sido dizimado nos primeiros dias da guerra. O 331º Regimento de Paraquedistas, que representava “os melhores dos melhores”, segundo os próprios generais russos, pereceu rapidamente em combate[3]. Veja que o próprio porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov, admitiu ontem em entrevista que as forças agressoras, lideradas pelo Kremlin, sofreram “perdas significativas”[4].

Justamente porque a guerra não corre conforme o planejado é que Vladimir Putin e seus generais subiram o sarrafo e partiram para a dizimação de cidades inteiras – p.ex. Volnovakha, Odessa, Kerson, Mariupol, Karkiv, Irpin –, utilizando-se de bombas termobáricas, munição de fragmentação e outras crueldades semelhantes, o que configura crimes de guerra[5], conforme pude minudenciar após 25 dias do início do conflito, em outra coluna, que levava esse título.

Hoje, 44 dias depois do início das agressões russas, não há mais dúvidas quanto ao cometimento de crimes de guerra por parte de Vladimir Putin e seus comandados. Fomos apresentados a diversas matérias jornalísticas, de veículos de imprensa do mundo todo, que mostraram a nós pilhas de corpos espalhados pelas ruas e entulhados em valas comuns nas cidades do norte da Ucrânia, ocupadas pela Rússia no período. E frise-se: todos eles civis ucranianos, mortos e deixados para apodrecer na frente de suas casas e de sua família!! Bastou as tropas russas baterem em retirada para que tal massacre viesse à tona. São diversas evidências de execuções sumárias, tais como: mãos das vítimas amarradas, tiros na nuca, pessoas ao lado de bicicletas carregando comida consigo etc. Foi o que se deu em Bucha[6], cidade situada ao norte de Kiev.

A esse respeito, além das diversas fotos e vídeos que correram o mundo (para que ninguém pergunte “onde estão as provas”), convido-o a assistir a matéria da BBC News[7], que mostra a horripilante história contada por Iryna Kostenko, que teve que assistir à execução de seu filho Oleksii, de 27 anos, e ainda conviver com o corpo dele em casa por um mês, até que as tropas russas fossem embora e ela conseguisse enterrá-lo. Os russos impediram não só Iryna, mas, todos os demais parentes de ucranianos mortos que os sepultassem. Os corpos ficavam ali nas ruas e jardins… Há diversos relatos[8] do povo massacrado, além de imagens sobre isso correndo o mundo hoje.

Os russos se puseram a negar os fatos documentados, chegando ao cúmulo de dizer que se tratava de “encenação”, ou mesmo que seriam “cidadãos mortos pelo próprio exército ucraniano para incriminar a Rússia”, ou ainda que teria sido “algo forjado pela CIA e pelos EUA”. Há quem acredite nisso… por mais incrível que pareçam tais explicações estapafúrdias!! Sucede que hoje temos imagens de satélite. Então, conforme publicado pelo jornal The New York Times, que recebeu um conjunto separado de imagens de Bucha da empresa Maxar, não há dúvidas acerca do massacre perpetrado pelos russos naquela localidade, numa simples análise feita comparando as fotos aéreas com os vídeos do nível da rua, que mostram as mesmas cenas, e confirmam a localização dos corpos dos civis mortos. Peço que verifique a matéria, caro leitor defensor de Vladimir Putin. Veja com seus próprios olhos na versão em português da CNN[9].

E não aconteceu essa atrocidade apenas na cidade de Bucha. O mesmo modus operandi foi verificado em diversos outros locais, como é o caso do vilarejo de Borodianka[10]. Ali as execuções de civis se mostraram piores[11] – se é que há morte “melhor”, neste caso. O exército russo massacrou dezenas de civis, destruiu a maioria das casas, praticou estupros, humilhou os locais e ainda roubou tudo o que tinham de valor, como jóias. Após a retirada, soldados russos estão inclusive vendendo na vizinha Belarus (aliada de Moscou) os objetos por eles saqueados.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, durante seu discurso feito perante o Conselho de Segurança da ONU no dia 06/04/2022[12], o primeiro e único desde a invasão russa, questionou inclusive a própria razão de ser do referido órgão internacional, já que incapaz de impedir fatos como os acima narrados, em pleno século XXI. Segundo ele, a Rússia descumpriu praticamente todos os dispositivos da Carta das Nações Unidas, começando pelo Artigo 1º. Em seu discurso, chegou a dizer que os russos pareciam estar “matando civis ucranianos apenas por prazer”. Até mesmo o Papa Francisco apareceu numa cerimônia religiosa beijando a bandeira da Ucrânia e repudiando o que chamou de “massacre de Bucha” – no início da missa o Papa vaticinou: “na guerra na Ucrânia, estamos testemunhando a impotência das Nações Unidas”[13].

A questão é que diversos países ao redor do globo decidiram impor ainda mais sanções sobre a Rússia, em retaliação às barbaridades praticadas por suas forças armadas em solo ucraniano[14]. Embargaram até mesmo o patrimônio das filhas do presidente Vladimir Putin[15]. Cerca de 150 diplomatas russos foram expulsos da França, Alemanha, Itália, Espanha, Dinamarca e Suécia nos últimos dias, em razão do massacre perpetrado contra os civis ucranianos[16].

Tudo isso, caro leitor, levou o oficial maior das forças armadas dos Estados Unidos, Mark Milley, a declarar[17] que estamos vivendo o maior risco à paz em seus 42 anos de forças armadas. Para ele, que vivenciou diversos conflitos, a cada dia que passa “as chances de um confronto internacional significativo aumentam, e não diminuem” (ao contrário do que sugere, a nós leigos, o passar do tempo, desde o início da guerra na Ucrânia). É algo para se prestar atenção!

O fato é que a Ucrânia está retirando neste momento (e às pressas), civis do leste do país, dado que é esperado um intenso combate na região das duas províncias do Donbass: Lugansk e Donetsk[18]. Esta é a “nova fase da guerra”[19], segundo alardeou o próprio governo russo. Ou seja, vem por aí mais um mar de sangue – agora com a Rússia já suspensa do Conselho de Direitos Humanos da ONU, por votação feita ontem pela Assembleia-Geral[20]. Prova disso é que hoje mesmo houve um bombardeio russo a uma estação de trem em Kramatorsk[21], a cerca de 690 quilômetros de Kiev, na região de Donetsk, onde foram mortos 39 civis (que estavam tentando fugir dos novos combates que se avizinham), deixando ainda mais de 100 pessoas feridas.

Quer dizer, meu amigo leitor, estamos entrando na 2ª etapa da guerra na Ucrânia. Como a Rússia perdeu a primeira rodada, travada no norte, está concluindo seu reagrupamento e agora vai com tudo para tentar tomar o sul e o leste do país agredido. Nessa epopeia sanguinária promovida por Vladimir Putin, esta nova etapa do conflito promete ser muitas vezes pior para os civis ucranianos que os ataques promovidos até aqui pelo Kremlin. Trata-se de um conflito que tem explicação apenas na vaidade do tirano russo (não há outra lógica para a matança, pois a Rússia só perdeu, e muito, política e economicamente). Enfim, como ninguém sabe o que se passa na cabeça de Putin, o destino do conflito é imprevisível. O dado relevante é que estamos falando de uma potência atômica… sugiro aumentar as preces e ficar ao lado do Papa!