Vivemos tempos confusos. Além de todas as desgraças que construímos com esmero, no Brasil, ao longo dos últimos 500 anos, ainda fomos vítimas preferenciais da COVID-19.

Assim, o estado de coisas atual, aliado ao bombardeio midiático que amplifica e repete nossa desgraça, incessantemente, deixou as pessoas mais confusas que o habitual. Quer dizer, já havia bastante confusão antes, mas, agora, há gente dedicada a aumentar a bagunça, nos veículos de imprensa, nas redes sociais, nos governos e também nas ruas.

Desta feita, a julgar pelo que tenho visto nas redes sociais, deliberei que seria importante dar azo à presente coluna. Não como um instrumento professoral, pois o tema é complexo e jamais caberia numa coluna. Mas, apenas para fixar algumas premissas básicas. Assim, caro leitor, quem sabe eu possa auxiliá-lo e torná-lo vacinado contra as meias-verdades e as mentiras deslavadas que estão sendo ditas quanto às três palavras postas no título deste meu escrito. Anote aí: a pandemia, para acabar, ainda depende de uma vacina, ou seja, da engenhosidade humana; ao passo que a ignorância já pode ser vacinada com informação, que hoje está disponível a praticamente todos, mediante alguns cliques na internet.

Principiemos pelo liberalismo, se me permite. O absolutismo[1] foi uma forma de governo muito comum na Europa entre os séculos XVI e XIX e se escorava na teoria do poder absoluto do rei sobre toda a nação. Depois que as nações se agregaram em torno do rei e com a crescente do mercantilismo entre elas, floresceu a economia. E justamente aí, quando os cidadãos começaram a prosperar por seus próprios empreendimentos (e não mais por seus títulos feudais, eclesiásticos ou militares, ou mesmo por seu sangue da realeza), é que teve curso o que se denomina por iluminismo[2], a partir do século XVIII.

Surgiu então, naquela mesma época, o liberalismo[3]: uma corrente de pensamento econômico, político e social que apareceu para suplantar o mercantilismo. Como o mercantilismo era um sistema caracterizado pela forte intervenção estatal na economia, o liberalismo surgiu querendo combatê-lo, ou melhor, para dar mais liberdade aos cidadãos. Vejamos breves conceitos acerca do liberalismo político e do liberalismo econômico[4].

O liberalismo político surgiu a partir das teorias de John Locke, um filósofo inglês adepto do iluminismo. Locke defendia que não havia Poder que se originava de uma divindade e acreditava que todos os cidadãos eram livres, e tinham direito natural à liberdade, à propriedade privada e à expressão. Além disso, defendia que um estado absolutista deveria ser substituído por uma relação “contratual” entre os governantes e o povo, sendo estabelecido por meio de uma constituição e leis escritas. Ou seja, o filósofo ia contra as ideias de Thomas Hobbes, que defendia um estado absolutista e dilatado.

Já o liberalismo econômico surgiu com Adam Smith, economista considerado o pai dessa corrente de pensamento. Em sua obra “A Riqueza das Nações” defendia que a divisão no trabalho é essencial para o crescimento do mercado. Suas teorias reforçam a importância da livre concorrência, fazendo com que os donos de empresas ampliem a produção, melhorem seus produtos e baixem os custos de produção ao máximo. O liberalismo, nessa sua forma clássica, pregava que o Estado jamais devia intervir na economia e no mercado.

O liberalismo[5] não tinha como objetivo defender apenas a liberdade individual, mas também dos povos. Chegou a colaborar com novos movimentos de libertação nacional que surgiram durante o século XIX, na Europa e em outros territórios ultramarinos, sobretudo na América Latina. No campo político, o liberalismo começou a caminhar com as Revoluções Francesa e Americana: os direitos humanos criaram seguidamente o seu primeiro ato de fé político. Teve posição de destaque durante o século XIX até a Primeira Guerra Mundial. Então, dado que se acentuaram condições de desigualdades sociais, foi objeto de contestação por parte das doutrinas socialistas e comunistas.

O declínio do liberalismo clássico se deu devido aos grandes problemas políticos e sociais que, depois da Primeira Guerra Mundial, surgiram na Europa Central tendo como consequência a entrada da Alemanha, Itália e outros países em crises profundas e prolongadas, contribuindo, mais tarde, para o nascimento de sistemas totalitários como o fascismo, nacional-socialismo, falangismo e outros (todos eles avessos ao liberalismo).

Naquele período pós-Primeira Guerra, também grassaram no mundo as ideias socialistas, cujo marco mais proeminente é representado pela Revolução Russa (1917)[6]. Então, os direitos sociais passaram a ser incorporados pelas diversas constituições nacionais, mundialmente, como nas afamadas ‘Constituição Mexicana’ e também na ‘Constituição de Weimar[7]’ (alemã), que nasceram num período de profundas perturbações sociais.

A incorporação de direitos sociais nas constituições é algo muito positivo à humanidade. Remontam a essa época direitos que hoje são considerados quase que naturais dos cidadãos frente ao Estado, como saúde, educação e segurança pública, dentre outros.

Sucede que o socialismo, tal qual concebido em sua origem, sofre de problemas graves. Isso porque trabalha com regra de que o Estado dever prover “a cada um de acordo com a sua necessidade”, em detrimento da regra “a cada um de acordo com o seu mérito”. Assim, exemplificativamente, o trabalhador “A” receberá o mesmo que o “B” se suas necessidades de sobrevivência forem semelhantes, ainda que um deles tenha desempenho melhor no trabalho e apresente maior aptidão que o outro[8]. E isso acaba por matar no ser humano o que há de mais sagrado, algo que nos difere dos animais e nos trouxe até aqui: a coragem, a ambição, o empreendedorismo, enfim, o instinto de correr riscos para chegar mais longe – como viajar à Lua ou à Marte, num meio tão inóspito quanto o espaço sideral. Em suma, o socialismo, enquanto sistema político-econômico de governo é pródigo em boas intenções, mas é muito pobre na geração de consequências positivas[9].

Tanto é assim que praticamente não se veem mais partidos políticos importantes, em qualquer parte do mundo, pregando a extinção da propriedade privada ou a estatização dos meios de produção, como outrora. Socialistas hoje limitam-se a propor mecanismos de intervenção para corrigir o que consideram ser imperfeições do mercado e a extrair o máximo de recursos do setor privado para tentar melhorar a distribuição da renda e da riqueza. As experiências do passado foram madrastas com os socialistas em todos os testes históricos que permitiram comparações pertinentes entre regimes econômicos. Perderam onde quer que se tenham confrontado com regimes capitalistas. E o que é pior: onde quer que tenham assumido o Poder, perdeu a democracia e ganhou o autoritarismo. O discurso socialista ainda pode servir para ganhar eleições. Entretanto, seguramente não serve mais para governar[10]. Essa prova pode ser colhida ao longo da história humana.

Então, após a Segunda Guerra Mundial e frente a outros movimentos de tendência democrata cristã, o liberalismo renasceu, prometendo constituir de novo uma opção no campo político e econômico. O chamado neoliberalismo[11] começou a ganhar destaque a partir da década de 1970. O objetivo era retirar o modelo Keynesianista (que vigia até ali e pregava o gigantismo estatal) e dar força aos princípios do capitalismo, estimulando o desenvolvimento econômico e defendendo a não interferência do Estado na economia. Esse renascer influenciou alguns governantes considerados ‘neoliberais’, como Margareth Thatcher, Ronald Reagan e Augusto Pinochet (para quem trabalhou Paulo Guedes, aliás – fazia parte daquele grupo de economistas conhecidos por Chicago boys[12]).

Sucede que, igualmente há problemas estruturais no liberalismo clássico, acima apresentado (e depois replicado, em boa medida, no ‘neoliberalismo’ – uma espécie de adaptação da teoria clássica ao mercado mais globalizado). Quer dizer, no mundo hodierno, aquela teoria liberal (clássica) é incapaz de apresentar soluções viáveis.

Assim, nos países capitalistas modernos, ou seja, naquelas nações que alcançaram os mais altos indicadores de desenvolvimento econômico e social, o que se observa é a adoção de um novo modelo liberal, denominado ‘liberalismo social[13]’. Trata-se de uma ideologia política que crê na liberdade individual, mas que prega um certo nível de justiça social para que a liberdade dos indivíduos seja plena. Da mesma forma como o liberalismo clássico, o liberalismo social[14] apoia a economia de mercado e a expansão dos direitos civis e políticos dos cidadãos. Porém, difere daquele por crer que o papel do Estado inclui ainda cuidar dos mais pobres (promovendo um sistema de saúde pública e financiando a educação das pessoas, principalmente a básica), além de garantir a segurança pública.

Estou me referindo à Europa Ocidental, incluindo países escandinavos (equivocadamente tachados de ‘socialistas’), bem como Canadá, Austrália, Japão, Coreia do Sul, dentre outros. Já nos Estados Unidos o governo é mais liberal no sentido clássico. Enfim, não se trata de uma invenção, uma utopia. É um sistema político-econômico que existe e rege alguns dos maiores PIB(s) e IDH(s) do mundo, no presente! Assim como há exemplos de economias planificadas, onde o Estado é agigantado (de orientação marxista, em diferentes graus), como Cuba, Venezuela e Coreia do Norte – aconselho essa pesquisa[15].

Basta comparar os avanços estruturais e sociais que o liberalismo social ocasionou na Alemanha Ocidental e o atraso que foi gerado no lado socialista Oriental. Veja a diferença entre as duas Coreias: uma próspera e desenvolvida (Sul), a outra pobre e fechada (Norte).

Partidos que empunham a bandeira do liberalismo social são considerados de “centro” no mundo todo. Há até quem diga que sejam partidos de “centro-esquerda”. No Brasil, acho que o grande expoente dessa corrente é o Partido Novo[16], pelos ideais que professa[17]. Esses partidos liberais (modernos) são, quase todos, progressistas[18] e não conservadores.

De seu turno, o fascismo[19] é entendido por cientistas políticos e historiadores como a forma radical da expressão do espectro político da direita conservadora. No entanto, é importante dizer que nem toda política praticada pela direita conservadora é extremista como o fascismo. Essa ideia também vale para o espectro político da esquerda, uma vez que nem toda política praticada por ela é radicalizada como o que foi visto pelo stalinismo, o regime totalitário liderado por Josef Stalin (1927-1953), na União Soviética. De toda sorte, o fascismo tem sua origem num movimento político que surgiu na Itália, sob a liderança de Benito Mussolini, que assumiu o poder daquele país a partir de 1922.

O termo ‘fascismo’ pode ser usado para referir-se, especificamente, ao fascismo italiano, mas historiadores estendem seu uso para outros regimes daquela época, como o nazismo alemão[20], a ustasha croata, o franquismo espanhol, o salazarismo português etc. Atualmente, também há utilização do termo ‘neofascismo’ para referir-se a movimentos políticos hodiernos que possuem aproximações ideológicas com o fascismo.

Sucede que, em qualquer de suas roupagens, o fascismo tem em comum o desprezo pelos valores liberais. Quer dizer, representa sempre um Estado grande, forte e intervencionista. Um novo Leviatã, que inclusive divide os seres humanos em cidadãos e sub-raças. Então, convém não misturar o que seja liberalismo, socialismo e fascismo – até porque o primeiro é a antítese do segundo e do terceiro (que, de seus turnos, negam o primeiro).

Assim, cabe a você escolher o campo no qual pretender militar. Há os extremos, seja à direita ou à esquerda. E há o “centro”, mais moderado e liberal, além de progressista.

Hoje vemos no mundo todo, em especial no Brasil, um cenário propício ao fascismo. Há grande polarização política interna, um Estado gigantesco, com um déficit fiscal colossal, incapaz de investir em áreas vitais, ou mesmo de distribuir riqueza de forma sustentável, além de estarmos no meio de uma pandemia, que vai aumentar o desemprego e a já enorme pobreza. Em suma, estamos de certo modo revivendo aquele período entre guerras do século passado. O nacionalismo tende a ser revivido, inclusive na Europa.

Deste modo, o Estado vai avançar sobre os nossos direitos. Não permitamos! Vamos nos agarrar aos valores liberais duramente adquiridos. Bem como focar naqueles direitos sociais que importam ao equilíbrio dos cidadãos, como mecanismo de justiça (saúde e educação, por exemplo). Principalmente: não nos tornemos iguais àqueles que se postam com intolerância – que boa parte da esquerda e da direita demonstram nas redes sociais. Há inclusive o risco de essa intolerância ir parar nas ruas. Seria a atitude mais idiota a ser feita no momento, afinal, o Estado terá (aí sim) motivos para intervir em nossos direitos.

Referências:

[1] https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-absolutismo.htm

[2] https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-iluminismo.htm

[3] https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/historia/liberalismo

[4] https://andrebona.com.br/qual-e-a-diferenca-entre-liberalismo-e-neoliberalismo/

[5] https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/historia/liberalismo

[6] https://www.sohistoria.com.br/ef2/revolucaorussa/

[7] https://jus.com.br/artigos/9014/a-constituicao-de-weimar-e-os-direitos-fundamentais-sociais/3

[8] https://monitormercantil.com.br/o-liberalismo-o-conservadorismo-o-socialismo-e-o-atual-governo

[9] https://www.institutomillenium.org.br/socialismo-e-liberalismo/

[10] https://www.institutomillenium.org.br/socialismo-e-liberalismo/

[11] https://andrebona.com.br/qual-e-a-diferenca-entre-liberalismo-e-neoliberalismo/

[12] https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/bolsonaro-tera-sua-turma-de-chicago-boys-mas-quem-eles-eram-de-fato-2o9c0f4qg42j04jll9t16nszy/

[13] https://medium.com/@lucaspereira_93691/liberalismo-social-introdu%C3%A7%C3%A3o-geral-a53791db7a90

[14] https://pt.wikipedia.org/wiki/Liberalismo_social#:~:text=O%20social%20liberalismo%2C%20liberalismo%20social,individual%20como%20um%20objectivo%20central.

[15] https://monitormercantil.com.br/o-liberalismo-o-conservadorismo-o-socialismo-e-o-atual-governo

[16] https://novo.org.br/posicionamentos/

[17] https://novo.org.br/nossos-valores/

[18] https://pt.wikipedia.org/wiki/Progressismo

[19] https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-fascismo.htm

[20] https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-nazismo.htm

FOTO: https://www.google.com/search?q=socialismo+x+fascismo&rlz=1C1GCEA_enBR815BR815&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwjN-NzoifLpAhUeHbkGHTwjAoIQ_AUoAXoECAwQAw&biw=1366&bih=657#imgrc=FYKy71hKpb9bmM&imgdii=uP3Q__VjnNkAuM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado