O Futuro Distópico já Chegou!

Há mais de 60 dias escrevi uma coluna neste Blog, intitulada: “E você, está preparado para o Novo Mundo?”[1]. Naquela assentada, para onde remeto o leitor, uma vez que há ali muitos links que embasam os números por mim cuidadosamente compilados, escrevi sobre a revolução cultural, religiosa e econômica que está acontecendo no planeta e que vamos ver em curso ainda em vida. Muitas serão as mudanças, acredite! Em especial no tocante à forma democrática de regime de governo, à qual nos habituamos no Ocidente.

Sucede que, para minha surpresa, tudo o que escrevi foi acelerado acima da velocidade da luz com a nova pandemia de COVID-19. As coisas ganharam uma dinâmica tal que me arrisco a dizer que aquele futuro – previsto para 2030, 2040 e 2050, conforme essa ou aquela revolução – já chegou! Quer dizer, já estamos vendo e vivendo o “futuro”.

Perceba: a China será o único país no mundo que não apresentará recessão no ano de 2020[2]. Vai crescer menos, é verdade, mas, vai crescer!! Enquanto isso, o mundo vai levar um tombo cujo único precedente parecido é a Grande Depressão de 1929. Quer dizer, a projeção que indicava que a China iria ultrapassar os EUA como a maior economia do mundo até 2030[3] já ficou ultrapassada. Pode ser que isso ocorra já no início desta década de 20. Lembrando que a Índia deve ultrapassar os americanos, agora, igualmente antes de 2050, que era quando isso estava previsto para acontecer[4].

Enfim, a hegemonia americana, com a qual todos os seres vivos no globo se acostumaram, guiada por interesses econômicos (sim, claro!), mas, também responsável por ajudar a fazer florescer e perdurar muitas democracias no planeta, simplesmente acabou. Teremos agora um novo mundo, onde chineses e indianos, que representam 37% do total de pessoas no mundo[5], ditarão os novos rumos da humanidade. Lembrando que, nesses dois países, a democracia não representa a realidade, longe disso. Afinal, a China é gerida pelo Partido Comunista, que mantém o controle sobre as nomeações governamentais, ou seja, um regime ditatorial que vigora por décadas; enquanto na Índia 75% das pessoas seguem a religião hindu e obedecem ao seu rigoroso regime de castas, mesmo que seu Estado se denomine uma “democracia”.

O fato é que, conforme noticiou recentemente a Revista Super Interessante, atualmente, 49 países no mundo vivem em regime ditatorial[6]. Para ficar com apenas alguns, mais notórios, basta listar Cuba, Rússia, Egito e Coréia do Norte. Há ainda outros 58 países com liberdades ‘parciais’. É assustador quando se coloca isso de modo visual. Veja que apenas os países em verde seriam democracias, dentre as 195 nações que existem:

Pois bem, vamos tratar então de apenas alguns desses 88 bastiões democráticos que sobraram. Vejamos. Na América do Sul estão na conta, com grande extensão territorial, Argentina e Brasil. Ora, no primeiro a situação do Estado é simplesmente caótica: mais de 35% da população está em condição de pobreza[7]. Os argentinos deixaram de pagar os juros de suas dívidas (externa e internamente) e seguem no rumo certo do “calote total”[8]. A pobreza, assim, vai aumentar muito mais no futuro breve, já que nem o Estado e nem a iniciativa privada (principalmente o capital externo) vão alavancar a já combalida economia por lá. E aqui no Brasil? A situação já era bastante ruim também, afinal, nosso PIB teve um crescimento de apenas 1,39% entre os anos de 2010 e 2019. É a menor taxa das últimas 12 décadas (desde 1900!), puxada para baixo por dois anos de enorme recessão (2015 e 2016) e uma recuperação tímida desde então[9]. Agora, com os resultados desastrosos da pandemia, espera-se que uma recessão superior a 5%[10]. Além disso, teremos pela frente todo o gasto emergencial de quase R$600 bilhões para pagar!

Enfim, é certo que a pobreza, em boa medida decorrente do enorme desemprego e desalento, vai imperar por ao menos uma década no Brasil e na Argentina. Se a situação degringolar temos aí o exemplo da Venezuela para alertar onde fica o fundo do poço. Mas, a chance de remarmos para esse mesmo buraco é maior do que menor. Explico: haverá mais espaço ainda para populistas no governo de ambos os países. Sejam eles de direita ou de esquerda. E isso implica num fortalecimento do regime central, donde brotam os primeiros filhotes de ditaduras. No mínimo entraremos para a relação de países em amarelo no mapa acima, quais sejam: aqueles com liberdades ‘parciais’.

Outro fenômeno invariável que acontecerá tanto nos EUA quanto na Europa, os dois grandes irradiadores democráticos do mundo desde a 2ª Guerra Mundial, é um relativo fechamento de suas economias. Ali também haverá um aumento do populismo, não em níveis que se verificarão no Brasil e Argentina, bem como teremos uma blindagem de certos setores econômicos. É que a globalização é muito boa, mas, quando algo dá errado, como numa pandemia, as nações percebem que uma parte importante e estratégica de sua produção não está mais dentro de seu território. E é por isso que hoje tudo se compra da China. As empresas, para se servir da população chinesa, que não faz ideia do que são direitos trabalhistas mínimos, barateando infinitamente a produção, mandaram todas as suas plantas fabris para lá. Agora, os governos ocidentais se ressentem disso. Pode ter certeza que muita coisa vai mudar nesse aspecto. E isso, dentro do mesmo movimento narrado acima, reviverá o nacionalismo no mundo.

Perceba: economias como Portugal, Itália, Grécia e Espanha (PIGS[11], no sentido pejorativo atribuído a essas nações) já estavam indo mal antes da COVID-19. Tanto que a União Europeia teve que que socorrer a Grécia em 2010, mas, esta segue com um endividamento de cerca de 150% do seu PIB. Não há como a União Europeia salvar todos esses países. Principalmente salvar todos ao mesmo tempo. Alemanha e França quebrariam junto com os países que precisariam ser socorridos. Haverá muita grita nesses dois últimos, mais ricos, bem como naqueles, já que o socorro implica em adotar uma severa austeridade fiscal, com reformas da previdência, corte de investimentos públicos etc. Enfim, é a receita certa para populistas e nacionalistas grassarem no Poder!

Corre-se o risco, assim, de um desmantelamento da União Europeia, donde já pulou fora, preventivamente, o Reino Unido. Com o Brexit[12], oficializado em 31/01/2020, depois de três anos e meio e muitas idas e vindas, parece que a Inglaterra sabia que o barco ia fazer água logo em seguida. Não custa lembrar, ademais, que o maior período de paz registrado naquele continente ocorreu justamente em razão da existência da União Europeia, criada em 1957 e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 2012[13], justamente por seu papel em manter o continente europeu unido. Quer dizer, a simples crise do bloco, que será profunda, já causa calafrios do ponto de vista histórico.

Assim, ilustre leitor, decidi escrever esta coluna não para servir de arauto do apocalipse, mas, para adverti-lo de que o futuro já chegou e se afigura meio sombrio. A mim ele se parece bastante com as realidades distópicas descritas em livros como 1984[14], de George Orwell, e Admirável Mundo Novo[15], de Aldous Huxley. Em ambos temos uma visão do que seriam grandes governos totalitários. E seriam idênticos, fossem de direita ou de esquerda. Então, invariavelmente, a virtude estará no meio. A democracia nunca dependeu tanto das pessoas de ‘centro’, ou seja, dos verdadeiramente moderados.