Pacha Mama ou Pachamama (do quíchua Pacha: “universo”, “mundo”, “tempo”, “lugar”; e Mama: “mãe”, “Mãe Terra”) é a deidade máxima dos povos indígenas dos Andes centrais, conforme consta da Wikipédia[1]. Pacha Mama, segundo o conceito que tem entre os índios, poderia ser traduzido no sentido de “terra grande”, diretora e sustentadora da vida. A terra, como geradora da vida, será então assumida como um símbolo de fecundidade, provedora maior das necessidades humanas. Ocorre que trago aqui a palavra num sentido um pouco deturpado, próprio àquele que tenciono descrever. Enquanto os povos indígenas acreditavam que detinham um laço que os unia à terra, responsável por mantê-los alimentados, abrigados e saudáveis enquanto indivíduos (e enquanto povo), nós, os atuais habitantes da América Latina, elegemos o “Estado” como um ente etéreo da mesma envergadura, que deve embalar, nutrir e cuidar de todos.

Fiquemos com um rápido (e nada exauriente) comparativo: enquanto o Brasil foi colonizado por portugueses (e espanhóis), os Estados Unidos foram colonizados pela Inglaterra. No Brasil, o objetivo daqueles que aqui vieram habitar, partindo da Península Ibérica, era obter riquezas (ouro e prata, além de outros itens da nossa “terra”), enviando-as à metrópole. Éramos um todo que foi dividido em capitanias hereditárias, justamente para facilitar esse saque colonial. Havia um governo central, na Europa, que por sua vez retribuía seus mandatários locais com terras, escravos, guarnições e títulos de nobreza. Assim, os que cá estavam, faziam aquilo que tinham que fazer em favor da coroa, recebendo suas bênçãos e benesses em troca. De outro lado, na América do Norte, grupos de famílias inglesas fugiram da intolerância religiosa, da perseguição política e atravessaram o Oceano Atlântico para construírem uma sociedade com novas bases. Formaram treze colônias independentes entre si. Oprimidos pela cobrança de tributos por parte da Inglaterra, uniram-se e declararam sua independência em 04/07/1776. Isso principiou renhidos conflitos armados, onde um sem-número de cidadãos perderam suas vidas – somente em 03/09/1783 adveio um fim formal para a guerra, mediante a assinatura do Tratado de Paris, onde o Reino Unido reconheceu a soberania dos Estados Unidos como uma nação independente.

A Independência do Brasil foi proclamada em 07/09/1822. A forma como isso se deu é um tanto quanto pitoresca: a coroa portuguesa havia fugido da metrópole para o Brasil em Novembro de 1807, quando deixou Lisboa de forma apressada, para escapar dos invasores franceses, liderados por Napoleão Bonaparte. Em 1821, pressionado, D. João VI jurou lealdade à Constituição Portuguesa, partindo de volta à Europa. Mas, deixou aqui seu filho Pedro de Alcântara, como “príncipe regente”. Depois, visando recolonizar o Brasil (que, naturalmente, gozara de maior liberdade enquanto a coroa portuguesa aqui esteve instalada), o rei exigiu o retorno de D. Pedro à Portugal. Então, os brasileiros insatisfeitos organizarem o que ficou conhecido como “Clube da Resistência”. Elaboraram e entregaram um abaixo-assinado ao príncipe com cerca de oito mil assinaturas. Esse evento teria desembocado no (controverso) “Dia do Fico” em 09/01/1822. A partir daí as ordens enviadas de Portugal passavam pelo crivo pessoal de D. Pedro, aumentando-se gradativamente a insubordinação, até que, em 07/09/1822 o príncipe regente, às margens do Rio Ipiranga, teria realizado o “grito da independência”.

Sim, houve guerra, porém, ela se deu em face de algumas províncias que optaram por se manter leais a Portugal (que reconheceu a independência do Brasil em 1824). Sucede que, como se vê, ela foi proclamada por D. Pedro, desgarrando-se do pai, com o apoio das elites do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. O povo participou de forma esporádica e pontual. O Brasil transformou-se numa Monarquia e não numa República.

A primeira Constituição do Brasil foi, por decorrência, imposta (outorgada), enquanto a Americana foi promulgada, na medida em que as treze colônias abriram mão de parte de sua soberania para formar uma nova República, costurando juntas a lei maior. Ademais, ao contrário do Estado Norte Americano, que provém, como dito, de uma aglutinação, nós partimos de um Estado Unitário para um Estado Federado, com a Proclamação da República em 15/11/1889. Assim, nossos Estados Federados advêm da desagregação do Império e, portanto, foram criados artificialmente, todos dependentes do ente central.

Uma centena de anos depois, com o advento da Constituição Federal de 1988, foi a vez de os Municípios serem alçados à qualidade de Entes Federados com alta envergadura. De novo, foram cindidos os Estados para consubstanciar novas entidades filhotes. Mas, os constituintes não dotaram de receitas próprias suficientes as municipalidades. Então, mais uma vez, formaram-se novas entidades a pedirem bênçãos à Pacha Mama.

O relato acima, um pouco maçante, é bem verdade, se faz necessário porque diz muito sobre nós, enquanto povo. Acreditamos que o Estado (ente moral) é o nosso esteio, nosso abrigo, aquele que deve nos conduzir. Mais que isso, cabe ao Estado zelar para que todos tenhamos casa, carro, roupas, escola, saúde, previdência, cultura e mais uma infinidade de coisas, conforme as necessidades modernas expandem essa lista.

Percebam: é óbvio que há milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, sendo que cabe ao nosso Estado, que se pretende “social”, para além de “democrático”, prover tais pessoas, para que tenham sim condições dignas de alimentação, moradia, educação, saúde etc. Porém, essa assistência não pode ser universal, porque não há orçamento que dê conta de bancar tudo para todos, inclusive aqueles que residem em Alphaville, p.ex.

Teríamos que focar em gerar renda, pelas mais variadas formas, fomentando o capital privado, nacional e internacional. Não existe mágica nesse campo. Daí, dentro daquela parcela que é vertida para os cofres públicos, via da cobrança de tributos, uma parte seria devolvida à população necessitada, na forma de serviços essenciais à dignidade. Entretanto, não podemos acreditar que o Estado deve prover tudo. Não dá para encará-lo como a “terra que tudo dá”, pelo singelo fato de que não consegue atender a todos.

Enquanto não entendermos que o Estado é um mero organizador da riqueza (daquela parcela que é paga na forma de tributos), com vistas a sermos mais equânimes, justos e fraternos; enquanto acreditarmos que o Estado deve ser maior, assumindo para si a regulação de todas as áreas, com interferências em quaisquer mercados e atividades; enquanto o Estado for encarado como um gerador de riqueza, em última análise, como se ouve cotidianamente de vários governos na América Latina; seguiremos patinando no terceiro-mundismo, reféns que somos do orçamento deficitário que implica em calotes.

Chegamos ao ponto de termos uma União quebrada, Estados Federados quebrados e Municípios igualmente, coexistindo com milhões de desempregados e outro tanto de miseráveis. Quer dizer, o caminho que escolhemos até aqui, do Estado Pacha Mama, há de estar errado! Mormente quando observamos contracheques de servidores e membros de Poder que aviltam o limite tolerável. Há ainda um sem-número de subsídios para os empresários “amigos”. Sem falar na corrupção em si, que parece ser endêmica por aqui.

Enfim, precisamos ressignificar o Estado em nossas cabeças! Só assim ele conseguirá cumprir o papel previsto na Constituição, podendo prover àqueles necessitados de fato.

Referências:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Pacha_Mama

FOTO: https://www.google.com/search?q=pachamama+fotos&tbm=isch&ved=2ahUKEwjuxZryy-PnAhXCG7kGHXLyD3UQ2-cCegQIABAA&oq=pachamama+fotos&gs_l=img.1.0.0i30j0i8i30.2053.9003..10046…0.0..0.337.3273.2-9j2……0….1..gws-wiz-img…….0j0i131j0i67j0i19j0i30i19j0i8i30i19.gkyb-jwkHqg&ei=K0xQXq6ELsK35OUP8uS_qAc&bih=608&biw=1366&rlz=1C1GCEA_enBR815BR815#imgrc=o4exO6EaA26xyM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado