Semana passada, depois de um tempo sem ver filmes, separei uma hora e meia do meu dia para assistir ao tão comentado documentário da Netflix, que leva o nome do título[1] desta coluna. Gostei bastante de seu conteúdo e recomendo que o leitor também assista. Há os que dizem, criticamente, que o filme choveu no molhado, ou mesmo que exagera em diversos aspectos. Não importa, ele representa um fato atual e real, com o qual cada um de nós, ao menos para manutenção de alguma sanidade mental, precisa se preocupar.

Sou originário de uma cidadezinha em Minas Gerais chamada Jacuí[2]. Para se ter uma ideia, a população atual estimada é inferior a 8.000 habitantes. Naquele município, que é conhecido como a “Mãe do Sudoeste Mineiro” (porque remonta ao ano de 1750), cresci e vivi até meus 14 anos de idade. Costumo dizer que minha infância foi até os 14 anos, afinal, eu ainda subia em árvores, jogava bola na rua e andava de bicicleta por todo o município, inclusive a zona rural. Quer dizer, não passei um minuto sequer defronte a um smartphone (até porque não existia naquela época). Ali, estudando em escola pública e brincando com crianças de toda a cidade, portanto, de vários estratos sociais, tive uma enorme lição de vida – uma base de caráter e aceitação da diversidade. Fui muito feliz!

Somente tive contato com a internet, com alguma substância, em termos de uso e de navegação, quando me mudei para São Sebastião do Paraíso/MG. Mesmo assim, aquela internet discada[3] de 1997, 1998 e 1999, com velocidade da conexão máxima de 56,6 kbps, inviabilizava qualquer uso parecido com aquele que temos hoje. Carregar fotos era algo complicado, vídeos então, demoravam uma madrugada para baixar (os curtos). Depois, mais à frente, já na Faculdade de Direito de Franca/SP, no início dos anos 2000, foi que tive acesso a coisa melhorzinha, bem como abri meu primeiro e-mail no BOL, que era grátis (sim, leitor novinho, era preciso pagar para ter um e-mail, acredite!).

Naquela época, depois dos famosos ICQ[4] e MSN Messenger[5] (que me permitiu ter uma conta do Hotmail) – programas que funcionavam como um WhatsApp rudimentar, mas, que as pessoas só utilizavam em desktops, porque ainda não havia smatphones – no ano de 2004, abri minha primeira conta no que considero uma “rede social”, com o formato que a compreendemos hoje: era o famoso Orkut[6]. Seu nome é originado do projetista chefe, Orkut Büyükkökten, engenheiro turco do Google. O alvo inicial do Orkut era os Estados Unidos, mas a maioria dos usuários foram do Brasil e da Índia. No Brasil a rede social teve mais de 30 milhões de usuários, até ser ultrapassada, em 2011, pelo líder mundial, o Facebook. Me recordo das filas gigantescas (e tensas) dos alunos na porta do “laboratório de informática” (sim, isso também existia, porque a internet era caríssima!) para ter a gloriosa 01 (uma) hora no computador, justamente para utilizar nosso Orkut.

Mudando o enfoque para os hardwares, ou seja, a plataforma utilizada para navegar nas redes, é preciso explicar que tínhamos aparelhos celulares semelhantes a tijolos… Esse mercado só mudou quando a BlackBerry lançou seu primeiro smartphone em 2002 e, durante vários anos, dominou o mercado junto com a Nokia, até que houve o lançamento do revolucionário smartphone da Apple em 2007, o iPhone. E foi somente no segundo trimestre de 2013 que os smartphones superaram em vendas os celulares tradicionais. Eu só adquiri um smartphone no ano de 2011. Foi um presente de aniversário que dei a mim mesmo, em Agosto daquele ano… Foi na ocasião que abri minha conta no Facebook.

Nunca fui de tirar fotos. Então, meu Facebook nunca teve muitos frequentadores. Ali eu me divertia escrevendo textos, como pequenas colunas. E, volta e meia, havia alguns pequenos debates com os amigos a respeito de algum tema por mim abordado. Sucede que no dia 11 de janeiro de 2018 o Facebook lançou uma famosa mudança em seus ‘algoritmos’. Anunciou um “retorno aos seus valores no feed de notícias”[7]. Ninguém fazia a menor ideia do que era aquilo, claro! Mas, te asseguro: percebi claramente que as páginas que eu seguia (como jornais e revistas, donde eu extraía informação de qualidade) deixaram de aparecer no meu feed. Mais: pessoas simplesmente sumiram do meu histórico, como se tivessem saído da rede. Somente uma dúzia de amigos compunham meu feed dali em diante, quais sejam: apenas aqueles que curtiam meus posts com alguma frequência. E, claro, o Facebook foi inundado por anúncios e conteúdo pago. Penso que, depois de conseguir bilhões de usuários, o Facebook mudou a chave do sistema e passou a utilizar aquela mercadoria (eu e você) para fazer mais dinheiro, muito mais dinheiro.

Naquele ano de 2018 me dei de presente de aniversário, curiosamente, sair do Facebook. Então, eu o deletei. E passei a viver sem redes sociais, a não ser o WhatsApp, que não há como abandonar (apesar da imensa vontade) em razão do trabalho. Leitor: vivi uma outra vida, pode acreditar! Veja bem, não me considero um adicto de redes sociais, mas, passei uns 20 dias sentindo uma enorme abstenção do Facebook. De tempos em tempos eu pegava o celular do bolso, destravava a tela e… cadê meu Facebook? Foi complicado! Mas, valeu muito a pena. Passei a ter tempo para um monte de coisas mais legais. Claro: como efeito colateral, sempre nas reuniões de amigos eu ficava ‘boiando’ em relação ao meme do momento, ou em relação à última polêmica política, ou de alguém famoso…

Agora, no início de 2020, pouco antes da pandemia, coloquei para andar o projeto do meu Blog. E para fazer circular minhas colunas, foi preciso reabrir meu Facebook (não consegui ‘reativá-lo’, porque eu o tinha deletado mesmo!). Também tive que criar uma conta no Instagram, outra no LinkedIn (que meus sócios já vinham me cobrando) e, por fim, uma conta no Twitter. Foi bastante complicado aprender a usar todas essas redes sociais e, até hoje, tenho dificuldade com alguns de seus recursos. Porém, com exceção do Twitter, eu não utilizo qualquer dessas redes sociais para fins pessoais. Apenas são um veículo para difusão de minhas colunas. E ponto. Não fico mais por ali vendo o feed. Já me vacinei com relação a isso. E o Twitter é a única que utilizo porque é onde vejo qual é o tema ‘quente’ do cenário político e social no país – fonte inesgotável de assunto para minhas colunas, portanto. Foi justamente ali que me deparei com o dito filme da Netflix.

Perceba: estamos sendo engolidos pelas redes sociais. Passamos a ficar mais dentro desse mundo virtual do que no mundo real. E somos levados a esse mundo lisérgico das bolhas, pelos algoritmos dessas redes, sedentos de majorar nossa prisão (que é convertida em anúncios e dinheiro). Ocorre que essas bolhas emburrecem e embrutecem as pessoas. Tem gente que acredita em 2020 que a Terra é plana, por exemplo. Mais: dada a falta de contato entre as pessoas, elas simplesmente fazem nas redes aquilo que não fariam ao vivo – agridem os que pensam diferente, com a mais amplificada rudeza. Perdemos o senso de coletividade. Temos acesso a uma variedade imensa de uma unidade. E, presos em nossos smartphones, deixamos de ter empatia para com o próximo, deixamos de criar nossos filhos (entregues aos tablets) e, o mais triste, deixamos de amar (maridos e esposas). Em suma, paramos de viver nossa vida e fomos viver aquela que os algoritmos nos ditaram. Viemos parar na Matrix. E o filme “O Dilema das Redes” deixa isso muito claro, de forma extremamente didática. Você pode assisti-lo e decidir seguir inerte, na sua ignorância abençoada. Ou pode abraçar a dorosa verdade e tomar a pílula vermelha. A escolha é sua!

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado