Difícil deixar de escrever sobre o coronavírus e seus impactos neste momento. Assim, peço licença ao leitor para seguir com o tema, agora abordando mais o nosso país e suas calamidades instituídas. A pandemia chegou, está instalada, vai se agravar por aqui e a conta que ficará para os brasileiros será mais salgada que a média das nações mundiais.

Muito se tem discutido nos últimos 3 dias – porque em tempos de pandemia cada dia equivale a uns 10 anos de informações, no mínimo –, se deve prevalecer a quarentena e a proteção da ‘vida’ ou se devemos encarar o bicho de frente, protegendo a ‘economia’. Houve um rosário de opiniões sobre o assunto. E a missa segue nessa homilia ainda, em todos os noticiários que vão ao ar. Até o Presidente da República decidiu se pronunciar em cadeia nacional de rádio e televisão para expressar ao povo que o perigo mora na quarentena geral decretada pelos Governadores (em especial de RJ e SP), de modo que teria tomado partido pela proteção à ‘economia’, em detrimento da ‘vida’, ao menos segundo adverte a esmagadora maioria dos “especialistas” convocados pela imprensa.

Creio, caro leitor, que essa conversa embolou… As coisas precisam ser analisadas de modo estanque, ao menos numa primeira exegese. Feito isso, podemos juntar as pontas (ou tentar fazer isso) em busca de alguma solução. Mas, não haverá caminho fácil.

Em primeiro lugar, convém anotar que o vírus pandêmico é um sucesso biológico (ao menos para um vírus). Espalha-se numa velocidade estonteante e, mesmo em locais em quarentena severa, há muitas semanas, como ocorre na Itália, parece desafiar a lógica e seguir se disseminando de algum modo. Ademais, ele permite aos infectados que não fiquem acamados (ao menos em cerca de 90% dos casos). Assim, com sintomas que são quase equivalentes a um resfriado, as pessoas circulam por aí normalmente, vão ao trabalho, ao cinema, a bares e restaurantes, shows, padarias, supermercados, farmácias etc. e carregam consigo o vírus, que as utilizam como vetores por cerca de 7 a 10 dias.

Desta feita, todos vamos nos contaminar em algum momento. Talvez não nessa primeira onda de contágio, mas, numa das duas ou três ondas previstas para ocorrerem. Inclusive, acredita-se que tal vírus pode passar a ser sazonal, como a influenza (gripe). Então, se não houver uma vacina eficaz, todos seremos acometidos pelo coronavírus a alguma altura.

A discussão não é essa. A questão é: qual é a gravidade do novo coronavírus? ou seja, quantas das pessoas que o contraem vão à internação e, dessas, quantas precisam mais que de um leito, mas, de um respirador na UTI? E isso porque tais leitos e equipamentos são finitos, mormente num momento em que todos os países estão precisando adquiri-los e operá-los. Então, se soubéssemos qual é a quantidade de doentes graves que podemos esperar, daria para fazer uma intervenção desta ou daquela maneira, de modo a evitar a livre circulação de pessoas (preservando a economia) e, com isso, tentar colocar o índice de letalidade da pandemia dentro de limites razoáveis (se é que existe algum).

Porém, não há dados definitivos sobre a taxa de contágio do vírus, ou sobre a quantidade percentual de doentes graves e, muito menos, sobre seu índice de letalidade. Os países ainda estão convivendo com a doença, que é nova, e que ainda terá seus detalhes desvendados pelos profissionais da saúde. O que se estima, segundo tenho lido (e vou poupar o leitor de muitos dados e links nesta coluna, pois já os coloquei nas duas colunas anteriores[1][2], para as quais remeto os interessados neste aprofundamento), é que 5% dos infectados precisam de internação, boa parte com ventilação mecânica. Sendo que 1% do total de infectados (ou um pouco menos) tem ido a óbito.

Na verdade, as estimativas dizem que cerca de 81% das novas infecções por coronavírus são classificadas como ‘leves’, 14% como ‘graves’ e apenas 5% como ‘críticas’, o que inclui quadro de insuficiência respiratória, falência múltipla dos órgãos e sepse. Entretanto, é preciso ponderar que muitos estudos sérios já publicados mundo afora atestam que, para cada infectado testado, há de 5 a 15 que contraíram a doença, mas, não compuseram as estatísticas. Então, fiquemos com 1% de letalidade: é muita, muita gente mesmo leitor!!

Estudos globais sugerem que a taxa de mortalidade por influenza (gripe) no mundo é de apenas 0,01%. Assim, a se confirmar a letalidade de 1%, o conoravírus seria 100 vezes mais perigoso que a gripe. E com o complicador de que todos o contraem quase que no mesmo espaço de tempo, o que está implicando em mais mortes por colapso do sistema de saúde dos países. É assim que vemos Itália e Espanha com taxas diárias de mortos que superam a casa dos 500 contaminados. É muita gente, pode acreditar!!

Então, não se trata de uma “gripezinha”. E você pode se complicar mesmo que tenha “histórico de atleta”. Na verdade, tentativas de quarentenas verticais (que isolam apenas os idosos e demais pessoas mais vulneráveis) não deram certo no mundo todo. Basta checar no Google. E é por isso que estamos em quarentena horizontal, quer dizer, todos estão em casa, exceto aqueles que prestam serviços considerados essenciais.

Ocorre que essas quarentenas foram decretadas de modo totalmente descoordenado. Cada Estado adotou uma forma… Aliás, vários Municípios também decretaram as suas. E, para variar, estamos assistindo à falta de diálogo entre os políticos, em momentos de pandemia, o que é lamentável. Isso ocorre por inércia do Poder Central, ou seja, por falta de condução por parte de Brasília, que apesar de ter decretado estado de calamidade pública em todo o território nacional, não decretou quarentena alguma.

Como todos os países do globo estão fazendo uma quarentena média de 2 semanas, seria de se esperar que fizéssemos o mesmo, inclusive por orientação da OMS. Então, passado esse período, faríamos uma reavaliação e, com base em números próprios, poderíamos liberar mais algumas atividades, conforme o caso. Ou mesmo todas, sejamos otimistas! Porém, não dá para enfrentar esse novo vírus de “peito aberto”. Os números já assinalados nos advertem disso. Sucede que não foi essa a posição do Presidente da República… merece assim toda a popularidade que perde e os panelaços que recebe. Ele quis ficar com a conta dos mortos no seu colo. E eles vão se multiplicar, infelizmente.

De outra banda, há o evidente colapso econômico. E ele virá, sem dúvidas! Logo atrás da onda pandêmica, talvez não no horizonte visual de todos, neste momento, vem a onda da quebradeira, demissões e queda vertiginosa da receita por parte do Estado. Essa conta vai chegar, como 2 + 2 são 4. E será provavelmente a maior crise econômica registrada em tempos de paz no mundo, superando a de 1929. É aguardar para conferir.

Ocorre que não podemos fazer muita coisa além de remediar o estrago da pandemia. Quer dizer, aumentar os gastos do Governo com: ajuda humanitária, investimento em saúde e um sem-número de incentivos fiscais e trabalhistas, além de linhas de crédito subsidiado, para evitar o colapso total da economia, que seria seguida de desordem civil.

Os Estados Unidos investirão 2 trilhões de dólares na economia para aplacar a crise. Isso é mais que o PIB inteiro do Brasil em 2019. De se ver a diferença existente entre um país regido por instituições democráticas há mais de 200 anos, que nunca teve arroubos totalitários (à direita) e nem socialistas (à esquerda). Por lá estão calculando que o desemprego pode saltar dos atuais 3% (o menor da história) para incríveis 30%.

A calamidade brasileira é: nem mesmo dentro de nossa realidade poderemos fazer muito. Nosso Estado já estava quebrado, com déficits correntes anuais na casa de centena de bilhões. Tentávamos, até o início deste ano, tapar os buracos que faziam água no barco – e estávamos verificando algum progresso, até topar com esse rochedo.

Agora, teremos que inventar os recursos – o que é necessário, como disse –, para cobrir todos os gastos (ordinários e extraordinários) decorrentes desta pandemia. Está certo, portanto, que quebraremos nós mais do que a média mundial, podem anotar aí. Essa calamidade planetária terá, por aqui, diversas pitadas de nossas calamidades locais, construídas ao longo de 520 anos: miseráveis, desempregados, desalentados, informais etc., fora a falta de saneamento básico e saúde de qualidade – diretamente ligados ao problema atual –, sem falar na segurança pública, que tende a faltar logo em seguida.

Assim, as pessoas precisam deixar de criar picuinhas políticas. Nem o Brasil começou em 2019 e nem a culpa é do PT. Cada qual tem sua contribuição, claro, inclusive diversos e sofríveis governos anteriores. Sejamos, pois, mais racionais e unidos! Estamos diante de uma pandemia e a verdade é que não sabemos nada sobre o vírus, muito menos o que será de nós daqui a uma semana, um mês, um ano, uma década…

Enfim o cenário é complexo. O problema econômico não pode ser menosprezado. O Presidente poderia ter chamado a atenção para isso de muitas maneiras. Era seu dever fazê-lo, aliás. Mas, não da forma como fez, com diversos ataques e ironias. Muito menos menosprezando a maior crise sanitária mundial em pelo menos 100 anos. Oremos!

Referências:

[1] http://ricardodantas.blog.br/coronavirus/

[2] http://ricardodantas.blog.br/torrentes-de-odio-e-medo/

FOTO: https://www.google.com/search?q=calamidades+no+brasil&rlz=1C1GCEA_enBR815BR815&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwjwkeGH2LjoAhXfHrkGHev4DEsQ_AUoAnoECAwQBA&biw=1366&bih=608#imgrc=E5bTkVPbfYbvWM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado