Ilustríssimo leitor, é bom estar de volta à carga! Estive 3 semanas longe do Blog, afinal, pandemia, paternidade, retomada do trabalho presencial e outros afazeres embolaram muito minha agenda… Mas, consegui me organizar! Seguirei com as colunas semanais.

Pois bem, vou retomar um assunto que abordei logo no início deste Blog, numa coluna publicada em 19/02/2020[1], intitulada “E você, está preparado para o Novo Mundo?”. Pode até parecer piada de mau gosto um título desses hoje em dia, entretanto, não tratei da pandemia naquela coluna (os brasileiros nem sonhavam com isso àquela altura). Escrevi ali, dentre outras coisas, que há um fenômeno impactante acontecendo: os católicos serão ultrapassados pelos evangélicos até 2040. Isso é um dado da realidade[2].

Segundo a Revista Exame é um raro caso de “revolução religiosa”. Os católicos, que em 1980 eram quase 90% da nossa população, devem representar menos de 50% já em 2030, mas, ainda liderarão. Dez anos depois, já estarão em menor número que os evangélicos.

Volto ao tema porque vimos recentemente a repercussão do caso da Deputada Flordelis[3], que é investigada pela morte de seu ex-cônjuge, o pastor Anderson do Carmo Souza. A história parece bastante cabeluda, claro… Porém, é triste ver como isso foi politizado nas redes sociais, onde há ofensas de toda ordem aos evangélicos, tratados como “gado”, por serem (hipoteticamente) conservadores e, portanto, “bolsonaristas”. É incrível como esse tipo de ódio político contaminou tudo, desbordando inclusive para o campo religioso.

É um grave erro tomar um caso, uma pessoa, mesmo que tenha expressão nacional ou proeminência religiosa, para servir de régua de toda uma universalidade de fiéis. Não olvido do fato de que padres, pastores, pais de santo, gurus etc. deveriam ostentar retidão moral superior à de seus seguidores. Daí que, quando são surpreendidos em atitude avessa àquilo que pregam, a abjeção se torna maior. Ocorre que pessoas más existem em todos os credos, e também na política, no trabalho, na família etc. Nem por isso o restante do grupo a que pertencem são iguais, para carregar sobre os ombros os equívocos alheios.

Vejamos outros dois exemplos: o do médium João de Deus, de 77 anos de idade, que teria praticado abusos sexuais contra fiéis de seu Centro em Abadiânia/GO, e que foi solto no início da pandemia[4]; e do padre Robson de Oliveira, do Santuário do Divino Pai Eterno, que é investigado por transações bilionárias suspeitas, a partir de doações de fiéis[5]. Caso se confirmem esses malfeitos, então todos os espíritas e católicos seriam “idiotas”, por terem acreditado um dia nesses ícones de suas religiões? Obviamente a resposta é não!

Assim, convém ter mais respeito com o credo alheio. E, no caso dos evangélicos, é preciso entender que em tempo curto serão a maioria. Então, é imperiosa uma boa convivência.

Veja bem: em 31/12/2004 a Revista SuperInteressante publicou reportagem intitulada “Evangélicos (…) Não dá mais para fingir que não vemos”[6]. A matéria é muito boa, pois traz importantes considerações históricas e sociais sobre o surgimento e a disseminação da religião evangélica no mundo e no Brasil. Porém, terminando sua leitura vemos o quanto se desconhecia à época sobre o vertiginoso crescimento que tal religião teria dali em diante (embora essa matéria trate do grande crescimento da religião dali para trás).

Conheço muitos evangélicos. Desde aqueles que cresceram sob essa crença até aqueles que se converteram recentemente, já na idade adulta (ou mesmo depois de idosos). São pessoas como qualquer um de nós, com virtudes e falhas. E ponto! Por qual razão eu, de família católica, batizado e casado nessa igreja, mas, seguidor do espiritismo há anos, poderia acreditar que os evangélicos são pessoas piores? Vejo com consternação indivíduos famosos (influencers, artistas, religiosos, políticos e ocupantes de outros cargos) tratando evangélicos como se fossem “idiotas”, vítimas de “estelionatários religiosos”. Há quem diga inclusive que os evangélicos não deveriam ou não poderiam ter a atual representação política que ostentam no Congresso Nacional. Quanta bobagem!

Em termos legais, não há diferença entre um templo evangélico e qualquer outro local de cultos religiosos. Aliás, a Constituição garante a todos – evangélicos, católicos ou espíritas, p.ex. – a mesma imunidade de impostos, dentre eles o IPTU e o Imposto de Renda. E isso está assim na Constituição Federal porque seu artigo 5º preceitua que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…)”; e: “VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Ora, o raciocínio raso de que alguém vale menos que outro em função da religião que professa é a antítese de uma atitude “progressista”, pretendida por quem é ostensivamente “contra o Bolsonaro”. Primeiro porque não se pode dizer que os evangélicos sejam bolsonaristas, segundo porque o voto deles tem o mesmíssimo peso que o voto de qualquer católico, espírita, umbandista, budista, hinduísta ou mesmo de um ateu.

Façamos a análise inversa – partindo da premissa política para a religiosa: quando um político trata uma religião inteira como um “desserviço” ao país, nominando seus seguidores como “gado”, significa tirar do rol de seus possíveis eleitores pessoas que em menos de 20 anos serão a maioria da população brasileira. Faz sentido? Não, não faz.

Voltando à premissa religiosa sobre a política: se uma pessoa votou por 30 anos seguidos no mesmo político, isso daria o direito de o evangélico chama-la de “gado”? Acho que não, mas, seria um contra-argumento idêntico… Daí, justamente, emerge a minha crítica.

Repito: os formadores de opinião, em geral, têm se dedicado mais a fazer ataques velados, como se os evangélicos precisassem de um tutor ou um curador, quase que os chamando de “idiotas”, pois seriam enganados espiritual e financeiramente por seus pastores. Ocorre que você tem a opção de raciocinar melhor o tema e não cair nessa ladainha. Pare de se queixar dos evangélicos e seus valores mais conservadores. Procure entendê-los, debater ideias com eles. A tendência é que elejam diversos governantes e por um bom tempo.

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado