O Brasil é um prodígio em produzir brigas estéreis, mormente nas redes sociais. Já houve briga sobre os meninos que vestem azul e as meninas que vestem rosa, arranca-rabo sobre a nova nota de R$200,00 e outros exemplos mil – basta navegar por minutos na internet. É incrível a quantidade de guerrilheiros virtuais dispostos a xingar Deus e todo mundo em razão desse tipo de bobagem. Mas, para esta coluna, vou ficar com um exemplo bem mais sutil, além de bastante recente: a última pesquisa Datafolha[1] sobre o atual governo.

Divulgada na sexta-feira passada (14/08/2020), a referida pesquisa foi mote para uma centena de entrevistas, colunas e artigos, em todos os veículos de mídia. Os especialistas, na maioria dos casos atônitos, procuravam explicar o ocorrido. E são muitas as teorias.

O fato é que a aprovação ao governo do presidente Jair Bolsonaro cresceu de 32% para 37% (desde a segunda quinzena de junho) e atingiu sua melhor taxa de ótimo ou bom desde o início do mandato. A reprovação, soma da avaliação ruim e péssima, teve recuo acentuado e caiu de 44% para 34% no mesmo período. Já a parcela que considera o governo Bolsonaro regular também cresceu, de 23% para 27%. Apenas 1% preferiu não opinar. Como pode uma coisa dessas? Jornalistas e especialistas se perguntam.

O governo tinha a tempestade perfeita: a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça (com graves acusações contra o presidente), aliados sendo presos por ordem do STF, Fabrício Queiroz encontrado numa das residências do advogado da família Bolsonaro, o presidente abraçado ao ilustríssimo ‘Centrão’ (que abominou mais que o Diabo durante a campanha) e acima de tudo, uma conta de mais de 100 mil mortos para administrar. Então, como pode uma pesquisa que indique que o governo vai muito bem, obrigado?!

Existe sempre uma solução simples (e equivocada) para problemas complexos, diz o ditado. Mas, vou me arriscar numa simplificação: Bolsonaro decidiu ser Lula! Autorizado pelo Congresso Nacional a gastar sem se ater a qualquer ‘teto’, com a PEC que instituiu o chamado ‘orçamento de guerra’[2], desde o dia 06/05/2020 o governo abriu as torneiras de dinheiro. O mais vistoso gasto é o ‘auxílio emergencial’ de R$$600,00, que está sendo pago a 66,2 milhões de pessoas, conforme levantamento feito em 03/08/2020[3].

Obviamente era preciso dar suporte financeiro aos brasileiros mais necessitados durante a pandemia. Não estou dizendo aqui o contrário! Entretanto, tudo indica que Bolsonaro enxergou que esse é o ‘Santo Graal’ da permanência no cargo. Tanto que Paulo Guedes, Ministro da Economia, encontra-se em evidente processo de fritura no governo, onde já está sendo discutida abertamente a revogação do ‘teto de gastos’, permitindo à União perenizar o pagamento do auxílio a esse 1/3 da população, bem como investir pesado na economia, de modo a transformar o país num enorme ‘canteiro de obras’.

Resumidamente, Bolsonaro parece decidido a abandonar qualquer medida de ajuste fiscal bem como as tão necessárias reformas estruturantes (as quais abordei detalhadamente na minha última coluna[4], aqui neste Blog). Vai abraçar de vez o Estado ‘Pacha Mama’[5], que se pretende um gerador de riqueza (quando, no máximo, é um organizador da riqueza).

E para tocar essa ‘nova agenda econômica’, Bolsonaro lançou mão do conhecido presidencialismo de cooptação[6], que vige no país desde a redemocratização. Essa forma de governar é velha conhecida do PSDB, MDB e do PT – partido que mais soube dela se utilizar. As pedaladas fiscais[7] de Dilma Roussef são a prova material de que, para o ocupante do Palácio do Planalto, bom mesmo é gastar como se não houvesse amanhã. Tanto é assim que a PEC que instituiu o ‘teto de gastos’ (para impedir que o governo pudesse gastar mais do que arrecada) teve o voto contrário justamente da bancada do PT (seguida por PCdoB e PSOL), tanto na Câmara dos Deputados[8], quanto no Senado[9].

Essa gastança induz um aquecimento na economia (e redunda em votos). Sucede que isso também implica numa situação de déficit fiscal crescente, que coloca o país num caminho de inexorável bancarrota, conforme expus na minha última coluna. Mergulhamos num déficit fiscal em 2014 e nele estamos até hoje (gastando mais do que arrecadamos)[10]. Apesar de nossas contas públicas estarem apresentando alguma melhora de 2016 para cá, com o advento da pandemia de COVID-19 (e seus gastos emergenciais), a expectativa é que o rombo fiscal só no ano de 2020 seja superior a R$900 bilhões[11]. É desolador! A dívida pública brasileira deve saltar para espantosos 98,2% do PIB[12]. Segundo o Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, o resultado primário seguirá deficitário até 2030, sendo bastante provável que as contas retornem ao azul somente em 2033. Quer dizer, o superávit previsto para 2023 foi adiado em uma década pela pandemia. E o governo agora indica que vai gastar ainda mais daqui em diante…

Veja bem, a queda do PIB do Brasil em 2015 e 2016, decorrente da gastança sem limites praticada nos anos anteriores, nos levou à pior recessão da história[13], conforme dados do IBGE e do IPEA (desde 1901!!) – foi uma retração foi de 7,2% em apenas um biênio!! E nessa época nem sonhávamos com a pandemia que estava por vir… Perceba: mesmo com toda a retração econômica que advirá como consequência do maior desastre sanitário mundial em 100 anos, ainda assim a estimativa é uma queda do PIB brasileiro de só 5,4% em 2020[14], seguida por um possível crescimento de 4,9%, dado que a crise é passageira.

Conforme escrevi no Blog, em coluna do dia 29/06/2020[15], Bolsonaro adotou uma postura ‘paz e amor’, como fez Lula durante a campanha de 2002 e início de seu mandato. Mais: Bolsonaro tem se aconselhado muito com Michel Temer (vice-presidente na chapa de Dilma Roussef por duas vezes), visando trazer para sua base de apoio parte do MDB.

O uso político que Bolsonaro vem fazendo (e fará, por muito mais tempo, ao que tudo indica) do auxílio emergencial, como pude expor naquela coluna, está lhe rendendo um campo novo de apoiadores – aqueles que mais dependem desse benefício – a saber: os menos escolarizados e os mais pobres, conforme extensa análise feita pela Revista Veja, incluindo gráficos[16]. Quer dizer, o governo está angariando apoio justamente sobre uma parcela de históricos eleitores do PT. Isso já estava claro em meados de Junho, aliás!

Veja bem, caro leitor, não estou criticando o povo, muito menos o voto do povo. Estou comentando aqui o uso político do povo, principalmente dos mais necessitados. E os dados que trago são despidos de subjetividade. Vejamos o que afirma o Datafolha[17]: em todos os segmentos houve recuo na reprovação ao governo Bolsonaro em alguma medida; porém, essa queda na avaliação negativa ocorreu com mais intensidade na região Nordeste, onde o índice de ruim ou péssimo caiu 17 pontos (de 52% para 35%); também houve queda acentuada, de 13 pontos, entre os mais pobres (de 44% para 31%), na parcela menos escolarizada (de 40% para 27%) e entre os mais jovens (de 54% para 41%), embora esse último continue sendo o grupo etário que mais rejeita a gestão do atual presidente – os mais jovens são justamente as vítimas preferenciais do desemprego[18].

Em resumo: esquerda e direita estão brigando feio nas redes sociais e demais veículos de mídia. Tentam explicar a última pesquisa do Datafolha e essa subida de aprovação do governo. Não lhes ocorre, entretanto, que o motivo é elementar: num país de pobres, faça chuva ou faça sol, graça o populismo. E seu sustento passa pelo gasto crescente do Estado. Ocorre que esse gasto gera crises econômicas cíclicas – e mais pobreza. Então, se vê que o Brasil segue firme no caminho populista. É um eterno voo de galinha. Não há qualquer compromisso com políticas públicas estruturantes, um norte de melhora a longo prazo…

Encerro com a frase final de minha coluna do dia 12/06/2020[19]: a economia do país vai perecer num cenário desses, sem sombra de dúvidas! Podemos até ligar as máquinas de imprimir dinheiro e ‘barrigar’ a falência do Estado. Mas, ele vai quebrar em algum ponto no futuro (relativamente breve). Enfim, é um duro choque de realidade.

Referências:

[1] http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2020/08/1988832-aprovacao-a-bolsonaro-cresce-e-e-a-mais-alta-desde-inicio-de-mandato.shtml

[2] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/06/entenda-pec-orcmaneto-de-guerra.htm

[3] https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/08/03/beneficiarios-do-auxilio-emergencial-chegam-a-662-milhoes.ghtml

[4] http://ricardodantas.blog.br/e-preciso-retomar-as-reformas/

[5] http://ricardodantas.blog.br/o-estado-pacha-mama-latino/

[6] http://ricardodantas.blog.br/a-politica-brasileira-carece-de-reformas/

[7] https://infograficos.oglobo.globo.com/brasil/as-razoes-alegadas-para-o-impeachment-de-dilma.html

[8] http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/10/saiba-como-cada-deputado-votou-em-relacao-pec-do-teto-de-gastos.html

[9] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/12/13/confira-como-votaram-os-senadores-sobre-a-pec-do-teto-de-gastos.htm

[10] https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/01/29/no-6o-ano-seguido-de-deficit-contas-do-governo-registram-rombo-de-r-95-bilhoes-em-2019.ghtml

[11] https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/06/15/instituicao-fiscal-ve-rombo-de-r-912-bi-nas-contas-publicas-neste-ano-e-volta-ao-superavit-em-2033.ghtml

[12] https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/07/02/governo-eleva-estimativa-de-rombo-fiscal-para-r-828-6-bilhoes-em-2020

[13] https://g1.globo.com/economia/noticia/pib-brasileiro-recua-36-em-2016-e-tem-pior-recessao-da-historia.ghtml

[14] https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2020/08/14/oxford-economics-revisa-pib-do-brasil-em-2020-de-64-pontos-percentuais-para-54.ghtml

[15] http://ricardodantas.blog.br/lula-e-bolsonaro-paz-e-amor/

[16] https://veja.abril.com.br/politica/com-acoes-direcionadas-aos-mais-pobres-bolsonaro-muda-base-de-apoio/

[17] http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2020/08/1988832-aprovacao-a-bolsonaro-cresce-e-e-a-mais-alta-desde-inicio-de-mandato.shtml

[18] https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-05/ibge-taxa-de-desemprego-de-jovens-atinge-271-no-primeiro-trimestre#:~:text=A%20taxa%20de%20desemprego%20entre,2%25%20do%20pa%C3%ADs%20no%20per%C3%ADodo.&text=O%20desemprego%20entre%20os%20jovens,era%20de%2023%2C8%25.

[19] http://ricardodantas.blog.br/mais-coronavirus-choque-de-realidade/

FOTO: https://www.google.com/search?q=populismo&rlz=1C1GCEA_enBR815BR815&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwjRmv3C06LrAhVmCrkGHXB1BwYQ_AUoAnoECBIQBA&biw=1366&bih=657#imgrc=6fQ23nhkAO6moM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado