As eleições para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal do Brasil ocorrerão no dia 1º de fevereiro de 2021, presencialmente, após a realização da abertura da 3ª sessão da 56ª legislatura do Congresso Nacional. A disputa será determinante para o futuro do governo Jair Bolsonaro, especialmente aquela que terá lugar na Câmara dos Deputados, local onde se iniciam os processos de impeachment. Convém acompanhar de perto, afinal, seu resultado pode definir a queda do presidente eleito em 2018.

De acordo com a 23ª edição do Barômetro do Poder (InfoMoney[1]), em levantamento realizado entre os dias 18 e 20 de janeiro com congressistas, 57% dos participantes veem Arthur Lira (PP-AL), candidato apoiado pelo Palácio do Planalto, à frente na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados. Já no Senado Federal, a avaliação dos especialistas é de uma situação mais confortável para o candidato apoiado pelo Governo Federal. Para 86% dos entrevistados, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) é o favorito na disputa.

A se confirmarem tais resultados, Jair Bolsonaro ganhará sobrevida na cadeira que ocupa, mesmo que isso não indique que conseguirá progredir com as necessárias reformas que o país precisa (a administrativa, a tributária e a política). Entretanto, sendo eleito Baleia Rossi para o cargo de presidente da Câmara dos Deputados, a cabeça de Bolsonaro estará a prêmio. O pico da 2ª onda da pandemia, previsto justamente para as próximas semanas, aliado à vacilante vacinação nacional até aqui, somado ao colapso do sistema de saúde em algumas partes do país e aos vários pedidos de impeachment que dormitam na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, formarão a tempestade perfeita em Fevereiro.

Para se ter uma ideia, de acordo com reportagem do Estadão[2], dos 61 pedidos de impeachment protocolados na Câmara dos Deputados, apenas 07 são anteriores a Março do ano passado. Quer dizer, eles explodiram com o advento da pandemia de coronavírus. Como Rodrigo Maia arquivou 05, que tinham problemas formais, ainda restam 56 para serem analisados. Então, Jair Bolsonaro está literalmente nas mãos do novo presidente da Câmara dos Deputados, único que pode pôr um desses pedidos para andar na casa.

Ocorre que um impeachment precisa de votos de 2/3 de cada casa do Congresso Nacional. Quer dizer, Bolsonaro precisa de 171 votos na Câmara para não ser afastado do cargo e de 27 votos no Senado para não perdê-lo. Em suma, precisa contar com os votos de sua base parlamentar para não ser apeado do Poder. Para dar uma ideia desta ‘base parlamentar’, em 2019 as posições defendidas pelo governo foram seguidas, em média, por 305 deputados. Conforme reportagem da BBC Brasil[3], quase 60% dos 513 deputados seguiram a orientação do Planalto. Trata-se de uma base teoricamente suficiente para evitar um impeachment, mas, que não atinge os 308 votos de deputados necessários para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Assim, o governo pode até não cair, mas, terá dificuldades em avançar nas reformas estruturantes.

Porém, o cenário narrado acima, para votações no Congresso Nacional, não tem a mesma dinâmica quando se está a tratar de um processo de impeachment. Quando algo assim se inicia, o trâmite ganha vida própria e as condições podem se deteriorar muito rapidamente para o mandatário do Executivo. Que o diga Dilma Rousseff… Ainda mais porque o destaque que isso ganha no noticiário faz com que a pauta fique praticamente travada em torno desta questão, até que haja sua votação. No dia 21/01/2021, um perfil no Twitter que monitora o posicionamento de congressistas nas redes sociais apontava que 111 deputados são favoráveis e 58 são contrários ao impeachment[4]. Outros 344 deputados não se manifestaram publicamente acerca da questão. Este tema já domina as redes sociais.

Tenho pra mim que se Baleia Rossi vencer a disputa na Câmara o destino de Bolsonaro estará selado. Escrevi no dia 20/04/2020[5], neste mesmo Blog, que Rodrigo Maia iria aceitar um pedido de impeachment e colocá-lo para andar “logo que passasse o período agudo da pandemia”. Só não imaginava, àquela altura, que jamais sairíamos desse ‘período agudo’… Mas, como a pressão midiática aumentou muito de lá pra cá, há chances relevantes de que Baleia, se eleito, colocará para andar um dos pedidos de impeachment. Pode ser então o 3º presidente eleito retirado do Poder dentre os 05 nomes que elegemos desde 1989. Isso provaria que somos ruins em aceitar os votos dados para o Executivo.

Veja bem, governos são eleitos justamente porque não inventaram ainda uma forma melhor de se exercer a democracia do que a eleição direta e universal. Porém, não garante que serão bons os governantes, muito menos agradáveis. Mas, funciona assim! Ocorre que quando o Legislativo decide que não está bom, arruma motivos para desdizer o que disseram as urnas. Fizeram isso recentemente com Dilma Rousseff. E, se é assim que vamos tocar o barco, porque raios ainda não adotamos o sistema parlamentarista?

Conforme escrevi em 03/04/2020[6], desde a redemocratização nosso Executivo se tornou um refém do Legislativo. As pessoas vão às urnas e elegem o presidente acreditando que será um salvador da pátria, um Sassá Mutema… Quer dizer, que tudo aquilo que disse durante a campanha ele vai conseguir colocar em prática no dia seguinte à sua posse. Mas, se esquecem do fato de que nada daquilo vai virar realidade se não houver aprovação por parte do Parlamento, seja mediante lei (ordinária ou complementar) ou mesmo via emenda constitucional. E nossa danação está justamente no fato de que, em virtude disso, as pessoas votam muito mal na hora de compor o Poder Legislativo. As pessoas sequer se lembram em quem votaram para o Parlamento!!

Assim é que, sob a vigência da Constituição Federal de 1988, os sucessivos governos tiveram toda sorte de problemas para implementar suas políticas. E isso porque: ou estavam rompidos com o Legislativo e acabaram caindo via impeachment, casos de Collor e Dilma (e, talvez, de Bolsonaro, num futuro breve), ou fizeram do Legislativo seu anexo, via troca de cargos, favores e verbas (e corrupção, em alguns casos comprovados), como FHC e Lula. Em suma, o Legislativo nunca foi muito republicano no nosso país. Seja porque legisla em causa própria, ou porque não legisla em razão das reais necessidades das pessoas (da sociedade), ou porque deixa de legislar, quando cooptado pelo Executivo, bastando-se em chancelar as medidas provisórias que lhe são enviadas aos borbotões. Aliás, quando o governo funciona ele é ancorado nesse sistema em que o Executivo legisla e o Parlamento apenas chancela.

Ocorre que, ao contrário do que o leitor possa supor, qualificar o nosso Legislativo é a única chance de deixarmos de ser um país subdesenvolvido. Enfim, de parar de alçar sucessivos voos de galinha, como expliquei melhor na coluna de 07/08/2020[7]. E essa melhora no nosso portfólio de mandatários só ocorrerá quando os votos dos cidadãos forem dedicados ao Legislativo (nossa democracia já é indireta). Então, dentre eles, se elegeria um 1º ministro, com base sólida para governar. Nada mais de impeachments

É claro que não resolveríamos com isso o problema da corrupção. Porém, ao menos teríamos alguma governabilidade durante os mandatos eletivos. É uma pena que o povo brasileiro não tenha escolhido o parlamentarismo no plebiscito de 1993[8]. Uma pena!!

Não há como governar sozinho. Mesmo um síndico de prédio precisa de apoio (de votos) para tocar alguma agenda. Não é diferente no Município, nem no Estado. O atual sistema é tão bizarro que Bolsonaro se elegeu por um partido veículo (o PSL) e hoje está sem partido. O homem se tornou uma ilha! Então, ameaçado de cair em Abril do ano passado, lembrou-se que precisava de votos e abraçou o Centrão no meio da pandemia de Covid-19. Ocorre que o voto de um parlamentar do dito ‘Centrão’ não vale menos que o de qualquer outro. Quem os conduz até lá é o mesmíssimo eleitor que dá a vitória aos demais (sejam bons ou ruins). Então, governar a União é ter interlocução com a maioria dos parlamentares eleitos. Funciona assim desde quando a governabilidade não depende de força bruta. Estamos remando contra a maré ao não adotarmos o parlamentarismo.

E não adianta querer fazer do nosso presidencialismo um parlamentarismo tupiniquim, onde se elege o presidente e se faz um recall dele no meio de seu mandato… tirar um presidente do cargo é algo traumático no presidencialismo, um processo demorado, que trava a agenda parlamentar por no mínimo 06 meses, além de gerar atritos institucionais perigosos. Nada disso ocorre na queda do gabinete de um 1º ministro quando perde seu apoio parlamentar. Uma nova maioria se forma, outro assume o cargo e a vida segue.

Em suma: enquanto tivermos presidencialismo e reeleições seremos o país das bananas!

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado