O estoicismo é uma escola de filosofia helenística fundada na Grécia, em Atenas, por Zenão de Cítio no início do século III a.C.[1] Os estoicos apresentavam sua filosofia como um modo de vida (em certa medida precursora dos valores cristãos), e pensavam que a melhor indicação da filosofia de um indivíduo não é o que essa pessoa diz, mas como tal pessoa se comporta. E isso é sintomático no mundo de hoje, mormente em tempos de pandemia, quando os medos e os interesses estão expostos em praça pública, via redes sociais. Os indivíduos utilizam máscaras de tecido para se proteger do vírus e deixam cair suas máscaras morais, mostrando a falta de retidão e caráter de suas personalidades. Ao menos assim têm sido boa parte de nossos políticos, cujas ações têm ajudado muito pouco.

Precisamos ser mais estoicos e, portanto, mais práticos e propositivos. Não adianta nos agarramos à subjetividade negativa que nos impele em massa em tempos de COVID-19. Quer dizer, é fato que há uma pandemia de grandes proporções, comparável em escala à ‘gripe espanhola’, ocorrida cem anos atrás. Mas, também é fato que temos hoje uma medicina muito mais avançada e, mesmo que ela ainda não tenha compreendido a fundo o novo vírus, ainda assim mitigará muitos óbitos. Ou seja, não teremos a mesma pilha de mortos verificada na pandemia de ‘gripe espanhola’. Essas são algumas certezas iniciais.

Segundo o site da Organização Panamericana de Saúde – OPAS[2], em 13/05/2020 nós tínhamos no Mundo: 4.170.424 de casos confirmados de COVID-19 e 287.399 mortes. Apesar de sua origem asiática, o vírus grassou mesmo na Europa e América. Vejamos os números do mesmo site para esses continentes: América – 1.781.564 casos confirmados e 106.504 mortes; Europa – 1.780.316 casos confirmados e 159.799 mortes. Quer dizer, os dois continentes estão praticamente empatados no número de casos, sendo que a Europa apresenta mais óbitos, até porque foi atingida antes pelo vírus. Ocorre que esses números precisam ser bem analisados, para que não haja uma distorção política dos fatos.

A taxa de óbitos obtida numa conta simples com esses números é de 6% nas Américas e de 9% na Europa. Sucede que, se tais números representassem de fato a realidade, todos os países do mundo estariam em completo lockdown neste momento. Entretanto, a histeria não está nessa magnitude porque é sabido que existe uma grande subnotificação de casos confirmados da doença – e isso em qualquer parte do mundo. Assim ocorre porque é impossível testar toda a população nacional, de onde quer que seja. Bem como é impossível ter a quantidade de doentes em tempo real, mesmo que se façam muitos testes.

Na realidade, a propalada ‘testagem em massa’ nada mais é que um modelo estatístico que, aplicado à população de um dado país, em cima de testagens, consegue indicar com precisão mais acurada quantos cidadãos se estima que estejam doentes e quais são as regiões nacionais com contágio mais acelerado, de modo que se possa fazer políticas públicas mais coerentes e eficazes. Isso está sendo muito bem feito em alguns países. Vejamos parte do ranking da BBC que mostra a taxa de testagem por 1.000 habitantes (dados de 20/04/2020)[3]: 1º. Islândia (127,58); 8º. Alemanha (25,11); 9º. Itália (23,64); 24º. Estados Unidos (12,08); 31º. Reino Unido (7,45). O Brasil aparece em 60º no ranking, com 0,63 testagens por 1.000 habitantes. Ou seja, 630 a cada um milhão!

Desta forma, como a testagem é relativamente baixa no mundo, mesmo em lugares mais ricos (conforme consta do aludido ranking), temos uma subnotificação de infectados monstruosa. Tomemos o Brasil como exemplo – no dia 14/05/2020 havia 196.158 casos confirmados do novo coronavírus, com 13.551 mortes registradas[4]. Isso daria uma taxa de mortalidade de 6,9%. Porém, há estimativas confiáveis[5] que apontam que o número de infectados no país é 14 (quatorze) vezes maior do que aquele constante nos registros oficiais. E mesmo que se diga que a mortandade também está subnotificada, ela não é tão subnotificada quanto a taxa de contágio. Numa conta rasa, portanto, teríamos uma taxa de mortalidade de 0,5% da doença no Brasil. Então, partindo do princípio de que temos 209 milhões de habitantes[6], caso todos fossem infectados, teríamos cerca de 1 milhão de mortos. Seguramente um assombro! Entretanto, lembremos que saúde não é ciência exata.

O Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde da Universidade de Washington, Estados Unidos, divulgou estudo[7] prevendo que o cenário médio de mortes no Brasil aponta para 88.305 óbitos até 04/08/2020, com uma variação entre 30.302 e 193.786, dependendo das medidas adotadas pelos gestores públicos. Quer dizer, em qualquer dos cenários, do melhor ao pior, ainda vai morrer muita, muita gente até lá! E tantas outras mais depois…

Estamos vivendo assim em quarentena, desde a 2ª quinzena de março. Entretanto, num país de dimensões continentais como o Brasil, esperava-se que houvesse algum tipo de coordenação em tais medidas restritivas, mas, não há. Ante à postura utilitarista do Presidente da República, que não está preocupado com os números de mortes, mas, com os indicadores econômicos, o STF resolveu dizer que quem decide sobre a saúde são os governos locais, ou seja, Estados e Municípios. Porém, há Estados que deixam seus Municípios mais ‘livres’, como Minas Gerais, e outros que praticamente impõem suas medidas, como São Paulo. Aqui, se um Prefeito decide fazer algo diferente do que diz o Governador, é logo colocado no eixo pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Assim, a decisão do STF, na verdade, é apenas para inglês ver. Há inclusive juízes determinando lockdown em Municípios, contra a vontade dos Prefeitos, caso da Região Metropolitana de São Luís/MA[8]. Quer dizer, nossa política pública para enfretamento da COVID-19 está na base do cada um por si e Deus contra todos. Juridicamente: a casa da mãe Joana!

Veja bem, o ‘Ente Estatal’ é um só. Sua divisão administrativa em União, Estados e Municípios visa apenas facilitar a gestão pública. No combate a uma pandemia, comum a todos, necessariamente deveríamos ter uma coordenação de ações, sob pena de se perder o todo. Como país continental que é, o Brasil não poderia ter uma política de quarentena única, claro. Mas, suas variações deveriam ser aplicadas com cooperação mínima entre os entes federados, evitando que pessoas pudessem visitar livremente áreas densamente infectadas e retornarem para outras menos comprometidas, trazendo consigo o vírus. Barreiras sanitárias funcionais deveriam ser criadas em lugares submetidos ao lockdown.

Sucede que decretar quarentenas, em qualquer nível, impacta diretamente a economia do país e, portanto, gera mais pobreza, num país que já tem bastante pobres. O que quer dizer que é preciso que o governante tenha muito juízo quando decide fazer tais imposições. Mormente o Poder Judiciário, quando delibera substituir nesse mister o Executivo. Há uma previsão de queda do PIB mundial sem precedentes. Na América Latina se estima uma retração de 5,3%. O Brasil está representando bem essa média, com recuo de 5,2%[9].

Vale lembrar que 50,3 milhões de pessoas foram aprovadas pelo Governo Federal para receber as 03 parcelas de R$600,00[10]. Mas, a própria União estima que esse auxílio vai abranger mais de 70 milhões de brasileiros em breve[11]. Quer dizer, um terço de toda nossa população precisará receber esse valor mensal para não passar fome. Mas, é claro que esse valor não é o suficiente para que tenham um mínimo de dignidade, então, não podemos julgar as pessoas que furam a quarentena em busca de mais recursos. Há ainda aqueles que trabalham em serviços essenciais e que representam outro terço da população do país. Assim, basicamente ficam em casa aqueles que têm alguma reserva financeira, aqueles cujo trabalho pode ser feito de forma remota, aqueles que não têm uma atividade econômica (seja por impossibilidade ou por estarem fora da população economicamente ativa) e aqueles que têm medo de contrair a doença – sejam ou não do ‘grupo de risco’.

O fato é que o Poder Público não tem conseguido atingir a taxa de isolamento social almejada para diminuir o avanço do vírus. Em São Paulo, por exemplo, a taxa tem ficado abaixo dos 50%[12], persistentemente. E tudo indica que vai continuar assim. É um fato! Veja bem, que escolha têm as pessoas mais pobres? A grande maioria precisa se lançar por aí para conseguir se sustentar. Há igualmente os negacionistas, que mesmo gozando dos predicados financeiros necessários, dão de ombros ao distanciamento social.

Mas, a grande verdade é que o vírus vai ficar conosco por muito tempo, talvez para sempre, como já tem admitido a OMS[13]. Então, somente teremos alguma normalidade social quando vier uma vacina, o que vai levar no mínimo um ano[14]. Obviamente não podemos viver até lá sem nos reencontrar com nossos entes queridos ou sem trabalhar (com algum contato pessoal), sem reabrir o comércio, enfim, sem fazer girar a economia. Então, os governantes precisam deixar de lado o discurso político – lembrando que estão previstas eleições municipais para este ano de 2020 – e começar a planejar como será feita a gestão da saúde com abertura econômica. Não há alternativa! O Estado não poderá pagar auxílio emergencial para sempre – e cada dia a mais (milhões) pessoas. O vírus também não se tornará menos letal. Teremos então que encontrar uma equação estoica[15].

Referências:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Estoicismo

[2]https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875#datas-noticificacoes

[3] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52383539

[4] https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/14/casos-de-coronavirus-e-numero-de-mortes-no-brasil-em-14-de-maio.ghtml

[5] https://saude.abril.com.br/medicina/coronavirus-estimativa-aponta-numero-de-casos-14x-maior-do-que-o-oficial/

[6] https://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/gd260804a.htm

[7] https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/mortes-por-covid-19-no-brasil-devem-chegar-quase-90-mil-ate-agosto-diz-estudo-24424605

[8] https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2020/05/12/juiz-prorroga-por-mais-tres-dias-lockdown-na-regiao-metropolitana-de-sao-luis.ghtml

[9] https://www.otempo.com.br/economia/pandemia-da-covid-19-causara-queda-inedita-no-pib-da-america-latina-diz-cepal-1.2327426

[10] https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/04/28/dataprev-de-93-milhoes-de-cadastros-processados-para-o-auxilio-emergencial-503-milhoes-foram-aprovados.ghtml

[11] https://fdr.com.br/2020/04/17/sobe-numero-de-pessoas-que-podem-receber-auxilio-emergencial/

[12] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/05/12/taxa-de-isolamento-social-no-estado-de-sp-e-de-48percent-na-segunda-feira.ghtml

[13] https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/13/ha-um-longo-caminho-ate-o-fim-da-pandemia-diz-oms.ghtml

[14] https://istoe.com.br/potencias-disputam-vacina-contra-covid-19-que-pode-ficar-para-sempre-diz-oms/

[15] https://www.bbc.com/portuguese/geral-46458304

FOTO: https://www.google.com/search?q=coronavirus+combate&rlz=1C1GCEA_enBR815BR815&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwj7scXYoLbpAhVdILkGHcGKB4MQ_AUoAXoECAsQAw&biw=1366&bih=657#imgrc=BQL8rogCwy-zgM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado