O ser humano é um bicho gregário. Noutras palavras: um ser social. Quer dizer, nossa civilização foi construída sobre a inter-relação dos grupos que cultivamos. Mas, também somos um animal peçonhento, ou melhor, um predador nato. Então, resolvemos muitas das nossas diferenças e dos conflitos de interesses no soco, no porrete, na lança e na espada, desde nosso surgimento, cerca de 300 mil anos atrás, até aquilo que é tido como a primeira experiência “democrática”, em 508-507 a.C., na cidade-Estado de Atenas.

Entretanto, mesmo tendo evoluído até o surgimento da civilização democrática, nós ainda seguimos guerreando, com cavalos, veículos, tanques e, depois, aviões, até que, em menos de 25 anos, conseguimos travar duas grandes guerras mundiais. E olha que ainda tivemos uma enorme pandemia no meio (a “gripe espanhola”, praga que precedeu a atual, de Covid-19). Hoje, estamos de volta à era dos mísseis e além, numa corrida espacial que pretende levar nossos conflitos, sangue e explosões para além da atmosfera terrestre.

Podemos acreditar, então, que somos os filhos da ‘besta’, assassinos por natureza, ou não? Eu acho, por exemplo, que muito ao contrário, somos todos filhos do bom Deus!! Vejo várias calamidades, descaso, fome, morte, ódio etc. Porém, ainda me animo com o ser humano. Seremos melhores no futuro. Enfim, pode demorar mais 300 mil anos, mas, um dia, chegaremos lá. E o pódio virá para os mansos e pacíficos, pode anotar aí. Está dito e documentado que será assim há mais ou menos 2 mil anos. Não chegou, mas, vai chegar!

Pois bem, a extrema direita foi uma praga na face da Terra. Antissemita, racista e misógina, por dogma de governo, penetrou fundo nos valores individuais. Então, com vistas a purificar o mundo, decidiu guerrear e conquistar, até que foi varrida do mapa. Claro, muitas nações ainda foram dirigidas pela extrema direita depois da última guerra mundial, mas, sem aquele apelo expansionista e supremacista de outrora. Os governantes da ultradireita mais recentes nada somaram além de seu caráter pitoresco, megalomania e apego ferrenho ao poder. E, claro, muito sangue dos adversários políticos (internos).

Sucede que, os políticos de esquerda, mais afeitos à igualdade material e progressistas, grassaram nos governos mundiais que sucederam aquela direita mofada, que caiu em desuso – mesmo que o socialismo tenha levado fome e miséria a todos os cantos do mundo onde foi implantado, com vistosos exemplos no mundo atual (ainda que reduzidos), cuja categoria hors concours é ocupada pela Venezuela e Coreia do Norte.

Acontece que, justamente por defenderem menos conservadorismo, esses políticos nos levaram a um ponto de maiores liberdades individuais. Trouxeram também mais direitos metaindividuais, como o direito a um meio ambiente protegido e saudável. Porém, seu mal (paradoxal) é continuar crendo em dogmas socialistas, mormente no campo econômico. Entendem que o Estado é um enorme gerador de riqueza. E aí, basta um punhado de anos para que o barco afunde, com todos dentro… Nesse sentido, ideias “iluminadas” também acabam matando. Não existe segredo: gaste mais do que arrecada, com persistência, e um dia você atingirá a bancarrota. Trata-se de uma verdade universal.

Tenho dito que, por aqui, no nosso país, a ultradireita é algo muito recente, e que ainda se afigura um movimento disforme e fraco. Nem mesmo as forças armadas a apoiam. Já a esquerda, essa é bastante antiga em terras brasileiras e grassou no poder depois de lutar por quase duas décadas, após a redemocratização. Porém, além dos progressos que os eleitores esperavam ao finalmente escolhê-la nas urnas (muitos vieram), a esquerda se perdeu nos ideais econômicos socialistas. Pior: permitiu e, depois, participou de tantos conchavos seculares que por aqui existem, que no final, ficamos sem saber quem eram humanos e quem eram porcos. Enfim, o povo seguiu oprimido pelos detentores do poder.

Esse estado de coisas foi retratado com maestria pelo escritor britânico George Orwell, nos seus livros A Revolução dos Bichos e 1984 (datados, respectivamente, de 1945 e 1949). Orwell, que era socialista, tendo lutado na guerra, percebeu algo formidável: tanto um governo de extrema direita quanto um governo de extrema esquerda oprimem. E o povo acaba não sentido diferença alguma entre os regimes, na fritada dos ovos. São duas coisas que, de tão opostas, acabam ficando semelhantes a ponto de se tornarem iguais!

Foi assim que os brasileiros, cansados de apanhar entre o mar e os rochedos, deram seus votos nas urnas no último dia 15 de novembro[1]. A esquerda, mais robusta e anciã, levou uma surra nas urnas. Para dar um exemplo, o PT, que tinha 630 prefeituras em 2012, caiu para 254 e, agora, reduziu-se a 179 – quer dizer, um tombo de 30% (entre 2016 e 2020) em cima do tombo anterior, que foi de 60% (entre 2012 e 2016). Já a direita confirmou seu voo de galinha. Virou motivo de chacota, inclusive, o fato de todos os candidatos apoiados por Jair Bolsonaro terem tomado tinta nas urnas. É o nosso Mick Jagger!

Os grandes vencedores foram os partidos do chamado “centrão”: DEM, PP, PSD, Republicanos, Avante, Podemos, PSL, PL, Patriota, SD, PSC e Cidadania. Fora esses e os “nanicos”, todos os demais apanharam feio nas urnas, inclusive partidos de centro mais tradicionais, como MDB e PSDB. Ficou claro, então, que o povo disse um belo NÃO aos partidos mais à esquerda politicamente e também rejeitaram os candidatos da ultradireita.

É óbvio que o dito “centrão” não será o salvador da pátria – foram varridos os sacerdotes e empoderados os mercadores do templo. Entretanto, as urnas deixaram claro que o povo preferiu morrer de velho (ainda que faminto e cansado) do que ir à guerra ideológica. No tabuleiro posto diante de si, o eleitor preferiu a pílula azul, para seguir no conforto da Matrix. E isso porque uma causa, por mais “nobre” que possa parecer, precisa ter algum fundamento. Ninguém põe a cabeça a prêmio para defender ideias estapafúrdias. Foi assim que furou-se a bolha das redes sociais, especialmente aquela do Twitter.

É certo que Bolsonaro deixará o Palácio do Planalto em 2022. E o fará, como escrevi em minha última coluna[2], porque nossa economia está em frangalhos. Não haverá tempo hábil para qualquer melhora até lá. Na verdade, vai piorar muito antes de melhorar (se é que um dia vai melhorar… mas, sejamos otimistas!). Então, é preciso acompanhar os nomes dos presidenciáveis com lupa. Um deles acabará sendo eleito, em 2º turno, pela força centrífuga gerada infinitamente por Bolsonaro. Será alguém de fala mais “mansa”.

Vejam, o PT teve que amansar o discurso para se eleger – levou 4 pleitos para vencer. Atualmente, o único partido de esquerda que experimentou crescimento, ainda que tímido, foi o PSOL – justamente porque encampou o discurso da esquerda pacata. Esse é o caminho. Mas, o problema central da esquerda segue sendo suas ideias econômicas, já que basta ouvir Boulos falar por alguns minutos que se nota o quão inexequível é seu plano de governo. Ele acredita que dinheiro dá em árvore, infelizmente! Ademais, se confrontado, não fica nem corado ao denominar Cuba e Venezuela como “democracias”. Talvez isso se deva ao fato de que o PSOL é uma dissidência mais à esquerda do próprio PT. Ou seja, um partido fundado por quem ficou ressentido da guinada ao ‘centro’ do PT.

Enfim, o fato é que a esquerda parou no tempo economicamente, como bem apontou Zeina Latif, em sua coluna de 19/11/2020 no Estadão[3]. De nada vale se dizer um capitão virtuoso e, ao mesmo tempo, não saber para que lado virar o leme. O povo se ressente de ser açoitado e morto por um capitão cruel, mesmo que saiba navegar. Porém, tão danoso quanto é um comandante que insiste em levar o navio a pique, deliberadamente. Me parece que foi esse o claro recado das urnas municipais. Vejamos as nacionais em 2022.

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado