Conforme reportagem da BBC Brasil[1], tenha em mente o seguinte, caro leitor: “você possivelmente está vivendo a época mais influente e decisiva para a humanidade de todos os tempos”. Aliás, isso já vinha sendo anunciado e explicado por pesquisadores e filósofos antes mesmo do início da pandemia de coronavírus, e de toda a crise política que se vê em vários cantos do mundo. Quer dizer, é um fenômeno empírico e inegável.

Conforme resumiu o filósofo britânico Derek Parfit: “Dadas as descobertas científicas e tecnológicas dos últimos dois séculos, o mundo nunca se transformou tão rapidamente. Pode ser que logo tenhamos maiores poderes para transformar não apenas nosso entorno, mas a nós mesmos e a nossos sucessores” (2011). Segundo essa linha de raciocínio, vivemos num período classificado como a “dobradiça da história”.

Várias são as questões postas para sustentar o que virá a seguir. Conforme prossegue a reportagem da BBC Brasil, alguns defendem que a humanidade atingirá o chamado “altruísmo eficaz”, pois aplicaríamos a razão e as evidências em prol do bem comum. Isso implicaria numa outra postura mundial, cooperativa, para um maior cuidado com a biosfera, a saúde e a fome, por exemplo. Em suma, os otimistas creem que a revolução digital que se avizinha nos tornará seres humanos melhores, além de mais capazes. Entretanto, muitos outros sustentam a ideia de que vivemos em um período de alto e incomum risco de autoaniquilação. Esses poderes destrutivos estariam além de nossa sabedoria, de acordo com o filósofo australiano Toby Ord, da Universidade de Oxford.

De toda sorte, ilustre leitor, o que gostaria de pinçar para esta coluna, como um dos aspectos mais relevantes da referida “dobradiça da história”, descrita na matéria da BBC Brasil, é a grande possibilidade de que neste século 21 a inteligência artificial se transforme em superinteligência. Sucede que, a forma como lidaremos com essa transição determinará todo o futuro da nossa civilização. Na verdade, o porvir da humanidade provavelmente será moldado pelo primeiro a controlar tal inteligência artificial. E isso pode fazer com que uma única força busque o bem de todos, ou que o poder seja usado de forma repressora. Nesse sentido, gostaria de fazer algumas digressões daí derivadas.

Pesquisando no site da TOTVS[2], a maior empresa de tecnologia do Brasil, é possível ter acesso a um resuminho do impacto da tecnologia 5G no mundo. Perceba, estamos falando da próxima geração de rede de internet móvel, algo que hoje já existe em alguns países e que proporciona um aumento de mais de 20 vezes a velocidade do 4G. Não é só: além da velocidade, haverá um aumento significativo da capacidade (mais pessoas e coisas conectadas), mais estabilidade (aumentando o uso para operações em tempo real), menos consumo de baterias dos aparelhos logados, dentre outras melhorias significativas.

Essa tecnologia, que aportará no Brasil até o início de 2022, no máximo, vai revolucionar segmentos inteiros como: logística (bens e serviços), transporte (mobilidade humana, p.ex.), telefonia, agronegócio, indústria, varejo, segurança pública, educação e saúde. É daí que vem o termo “sociedade 5.0”, que segundo a TOTVS[3] (numa visão romântica e otimista), significa um novo modelo de organização social que aplicará diversas tecnologias para o bem-estar das pessoas e suas necessidades.

Para isso, serão usadas tecnologias como big data (armazenamento e tratamento de dados de tudo e de todos), internet das coisas (já que até sua torradeira elétrica estará online) e, claro, inteligência artificial. Em decorrência, teremos fenômenos como cidades completamente conectadas, com integração total entre o espaço virtual e o físico.

Essas smart cities viabilizarão, já na década que se inicia em 2021, a materialização das casas inteligentes, onde você controla tudo por comandos de voz (sim, sua casa vai trocar uma ideia com você), como: luzes e ares-condicionados, p.ex., sua porta vai se abrir e se trancar sozinha, por mera aproximação dos moradores (que serão reconhecidos por leitura facial), sua geladeira vai fazer compras no supermercado sozinha, seu forno vai deixar a comida pronta, pouco antes de você chegar do trabalho etc. Já a logística urbana será revolucionada com o massivo uso de drones. Veículos autônomos circularão nas ruas e não vão mais existir engarrafamentos (acidentes de trânsito serão raríssimos, comparados aos índices atuais). E, por óbvio, você será monitorado em tempo real ao circular por aí.

Em resumo, o 5G trará consigo a chamada “internet das coisas[4], na medida em que os dispositivos estabelecerão uma comunicação entre si, prescindindo de qualquer nível de mediação humana. Mais: estando não só você, mas, todos os seus aparelhos logados na internet, haverá a geração massiva de dados a seu respeito, 24 horas por dia. Isso vai incrementar e levar a patamares inimagináveis a chamada big data[5].

As aplicações de big data lidam com um grande volume de dados não-estruturados. Isso significa que tais dados não têm relação entre si e nem uma estrutura definida. São, por exemplo, posts no Facebook, vídeos, fotos, tweets, geolocalização, comportamento de navegação etc. Isso está na alma do marketing individualizado (o que poderá reduzir significativamente suas opções de escolha, já que inconscientemente você estará comprando aquilo que lhe é ofertado). Também poderá servir para fins políticos, já que a inteligência artificial saberá mais sobre você do que você mesmo acredita saber, viabilizando explorar suas inclinações e medos, ampliando-os, criando oportunidades e conversão de votos. Para dar uma ideia simplista, é algo semelhante às recomendações de serviços como Netflix e Spotify, mas, num nível e numa amplitude incalculáveis.

Com essa massa colossal de dados circulando nas redes, o Santo Graal está em ser o seu operador mundial. E é justamente essa briga, pelo monopólio da tecnologia 5G global, que está no centro da guerra comercial entre China e Estados Unidos[6]. Este último, atrás no desenvolvimento da referida tecnologia, vem fazendo lobby contra o que classifica por “estado de vigilância do Partido Comunista Chinês” – e decidiu vetar o principal nome no cenário do desenvolvimento de infraestrutura de redes sem fio de quinta geração, a fabricante chinesa Huawei, de fazer negócios com suas agências e com suas empresas.

Enfim, caro leitor, as coisas estão mudando (e rápido!). Pode ser que a terceira guerra mundial seja travada sem que se dispare um tiro, conforme se aprofunda no entendimento de toda a revolução digital descrita linhas acima. Nós, os seres humanos, faremos parte de um novo ecossistema, povoado por máquinas inteligentes e online. Tal futuro é inexorável. Resta saber se será um lugar mais agradável e mais democrático (ou não).

Encerro com duas curiosidades[7]: 1) No início de 2016, a Microsoft lançou a Tay, um bot do Twitter que ganhava repertório conforme interagia com os usuários da rede social, e que foi desativada pouco depois por ter se transformado em uma persona racista, inclusive com apologia ao nazismo; 2) Em 2017 o Facebook encerrou um projeto de inteligência artificial após este ter criado uma linguagem própria que não podia ser compreendida por humanos – bots precisavam negociar entre si, porém encontraram atalhos de linguagem.

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado