Caríssimo leitor, gostaria de brindá-lo com um breve histórico do período de nosso país que atende pelo nome de ‘redemocratização’, e que coincide com os governos eleitos após o advento da Constituição Federal de 1988. É sempre bom, ao analisar o presente, ter em conta o passado. Mormente quando se quer planejar algum futuro mais promissor.

Conforme consta do site Mundo Educação[1], Fernando Collor de Mello – que foi o primeiro presidente do Brasil eleito diretamente pelo voto popular, após o fim do Regime Militar (1964-1985) – representava o símbolo de uma nova fase da política brasileira, tanto que um dos slogans principais de sua campanha era a “caça aos marajás”, isto é, aos detentores de privilégios concedidos por conchavos políticos. Sucede que, seu governo teve de enfrentar uma forte crise financeira e inflação galopante (surreais 1.700% ao ano), e acabou adotando medidas drásticas, que incluíram o confisco da poupança das pessoas. Porém, os planos Collor I e Collor II mostraram-se desastrosos, provocando uma forte rejeição popular. Não bastasse isso, o tesoureiro da campanha presidencial de Collor, Paulo César (PC) Farias, passou a ser acusado de estar envolvido em escândalos de corrupção. E essa suspeita acabou por envolver a figura do próprio presidente, fato que custou não apenas o seu cargo, mas também os seus direitos políticos.

Collor supostamente teria recebido uma Fiat Elba Weekend (1991) com dinheiro proveniente de ‘contas fantasma’ de PC Farias[2], e por essa razão acabou sendo apeado do cargo por um processo de impeachment, que teve cabo em votação ocorrida no Senado Federal em 29 de dezembro de 1992, tendo assumido então Itamar Franco, seu vice.

Um xará, Fernando Henrique Cardoso, foi nomeado por Itamar Franco como ministro das Relações Exteriores e, depois, como ministro da Fazenda. Neste cargo, chefiou a elaboração do Plano Real, que estabilizou a economia e acabou com a hiperinflação. Com a ajuda do sucesso do plano, acabou eleito Presidente da República no primeiro turno da eleição de 1994. Sucede que, como o Poder é algo sedutor, Fernando Henrique achou por bem votar e aprovar uma emenda constitucional para permanecer no cargo. Foi assim que nasceu a famigerada reeleição – ela que é a mãe de quase todos os problemas atuais.

Conforme reportagem da Carta Capital[3], em 2007, durante uma sabatina promovida pelo jornal Folha de S. Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso negou participação no suposto esquema de compra de votos para permitir sua reeleição, mas não negou a existência do esquema: “Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos”. Anos depois, em delação premiada o ex-presidente do PP, Pedro Corrêa, no curso da operação Lava Jato, afirmou que FHC contou com suporte financeiro de grandes empresários para aprovar o projeto da reeleição. Entre os apoiadores do tucano estaria Olavo Setubal, do banco Itaú, morto em 2008. Segundo Corrêa “Olavo dava bilhetes a parlamentares que acabavam de votar, para que se encaminhassem a um doleiro em Brasília e recebessem propinas em dólares americanos”. A família controladora do banco nega tais acusações veementemente.

Depois, no ano de 2003, assumiu a presidência Luiz Inácio Lula da Silva, após três tentativas frustradas de se eleger anteriormente. Uma de suas principais bandeiras era justamente a ética na gestão, que era bastante propalada pelo Partido dos Trabalhadores. Entretanto, já no ano de 2005 um enorme esquema de corrupção comandado pelo PT abalou o sistema político brasileiro e deixou seus cidadãos escandalizados: o mensalão.

Num dos raros casos em que o Supremo Tribunal Federal sentenciou, em âmbito criminal, diversos réus foram julgados por sete crimes: 25 foram condenados. Conforme matéria do G1[4]: no topo da quadrilha o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, que segundo a maioria dos ministros do STF comandava o esquema de desvio de dinheiro público junto com o ex-presidente do PT, José Genoíno, e o ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares. O esquema seria muito simples, conforme reportagem do UOL[5]: todos os meses uma quantia no valor de cerca de 30 mil reais era destinada a cada deputado para que o político votasse a favor dos projetos pautados pelo governo petista. Os assessores dos deputados iam até uma agência do Banco Rural para receber o dinheiro que saía das contas do empresário Marcos Valério – este pegava empréstimos com o banco e pagava os parlamentares, além de entregar parte ao PT, que utilizava em suas campanhas eleitorais.

Lula foi reeleito para um segundo mandato e, depois, sucedido por sua indicada pessoal para concorrer nas urnas, Dilma Vana Rousseff, que assumiu a presidência no ano de 2011. Foi durante seu primeiro mandato (pois reeleita no ano de 2014) que teve início a famosa operação Lava Jato – e em seu curso, foi desvendado um consórcio delitivo denominado petrolão. Conforme definição dada pelo InfoMoney[6], tratava-se de um esquema bilionário de corrupção na Petrobras, ocorrido durante os governos Lula e Dilma, que envolvia cobrança de propina das empreiteiras, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e superfaturamentos de obras contratadas para abastecer os cofres de partidos, funcionários da estatal e políticos. Seu funcionamento também era simples, segundo a InfoMoney: a Petrobras contratava empreiteiras para grandes obras, funcionários da Petrobras cobravam propina das empreiteiras para fechar contratos superfaturados com a estatal, sendo que os contratos eram superfaturados, em média, em 3% (segundo o próprio ex-diretor de abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa). O PT ficava com 2/3 e o restante era dividido com a base aliada do governo, para partidos como PP e PMDB.

Basicamente, o dinheiro chegava aos partidos e políticos da seguinte forma, de acordo com os indícios da Polícia Federal (InfoMoney): a) parte do dinheiro desviado era doada pelas empreiteiras para partidos políticos nas suas campanhas eleitorais; b) parte do dinheiro era desviada para contas no exterior (as empreiteiras contratavam serviços de empresas fictícias e realizavam o pagamento em contas fora do pais cujo destino final seria partidos e políticos); e c) parte do dinheiro era desviada por meio de compra de bens e serviços para políticos (a acusação contra Lula se encaixa nesta modalidade). Enfim, há dezenas de delações, acordos de leniência, dentre outras provas, como explica extensa reportagem da Revista Época[7], além de inúmeras outras matérias disponíveis no Google.

Como sabemos, Dilma Rousseff não concluiu seu segundo mandato, tendo perdido o cargo por impeachment em 31 de agosto de 2016 – conforme consta do site do Senado[8], como justificativa, a peça de cassação alegava que a então presidente havia cometido crime de responsabilidade pela prática das chamadas “pedaladas fiscais” e também pela edição de decretos de abertura de crédito sem a autorização do Congresso. Assumiu então seu vice, Michel Miguel Elias Temer Lulia, que governou o Brasil até 2018.

Michel Temer conviveu com alguns escândalos em seu breve governo, cujo ápice foi a gravação de sua conversa por parte do interlocutor, Joesley Batista, um dos donos da JBS. Temer chegou inclusive a ser preso por um breve período após deixar a presidência, por ordem do juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Mas, até aqui tem se sagrado incólume pelas decisões judiciais proferidas nos casos em que é réu.

Agora, viemos parar no atual e último escândalo, já sob a batuta do presidente Jair Messias Bolsonaro. O caso está sendo chamado de tratoraço nos veículos de mídia e foi revelado pelo Estadão[9], em cuja reportagem se diz que tal esquema teria sido montado pelo governo no final do ano passado, para aumentar sua base de apoio no Congresso Nacional, por meio de um “orçamento paralelo de R$3 bilhões em emendas”, boa parte delas destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo. Tais recursos estavam sob a rubrica do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, conduzido por Rogério Marinho.

O flagrante do manejo sem controle de dinheiro público aparece num conjunto de 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério e órgãos vinculados para indicar como eles preferiam usar os recursos. O detalhe é que, oficialmente, o próprio Bolsonaro vetou a tentativa do Congresso Nacional de impor o destino de um novo tipo de emenda (chamada RP9), criado no seu governo, por “contrariar o interesse público” e estimular o “personalismo” (o veto foi mantido). Mas, foi exatamente isso o que o governo passou a ignorar após seu casamento com o Centrão. Os ofícios obtidos pelo Estadão ao longo dos últimos três meses mostram que esse esquema também atropela leis orçamentárias, pois eram os ministros que deveriam definir onde aplicar os recursos. Mais do que isso, dificulta o controle do Tribunal de Contas da União (TCU) e da sociedade.

O Estadão criou até um perguntas e respostas[10], para rebater a versão dada pelos políticos para o caso, inclusive o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). Segundo eles, o dinheiro envolvido no esquema seria de “emendas parlamentares regulares”, como as que são distribuídas todos os anos. Porém o Jornal argumenta que isso não seria verdade: embora tenha origem na Lei Orçamentária, o dinheiro do “orçamento secreto” foi distribuído de forma desigual entre os congressistas, conforme a vontade política do governo. Não há transparência, como ocorre com as emendas parlamentares, sobre a divisão das verbas.

Perceba, então, caro leitor, que desde nossa redemocratização, pelo menos, as coisas funcionam mais ou menos de forma parecida. Mudam os atores e não muda o drama! É um claro sinal de que nosso sistema de governo está falido. Se quisermos assumir que tal problema é algo cultural, do próprio povo, então jogaremos a toalha. Não me parece que seja esse o melhor caminho. Há que existir alguma solução. Deveríamos pensar nisso!

Veja: todos os presidentes acima citados foram inocentados pelo nosso Poder Judiciário. Então, nada do quanto relatado é verdadeiro? Prefiro crer que prevaleceu uma versão da realidade em cada caso. Se ela corresponde ou não à verdade são outros quinhentos. E, veja, o atual governo já tem no bolso a sua versão sobre esse último escândalo. Se ela vai prevalecer ou não, só o tempo dirá. Talvez se instaure um impeachment, talvez se abra uma investigação, talvez tramite algum processo no Judiciário. Ou, igualmente, pode acabar em pizza. Não tenho bola de cristal. Só me parece que desde Collor nada mudou

Enfim, você escolhe qual é a versão que julga verdadeira. Apenas tenha coerência e ponha todos esses fatos em perspectiva. A verdade atravessa os tempos, porque é teimosa. Não convém escolher a verdade mais conveniente, conforme o caso. E nem é prudente jogarmos a toalha: 2022 vem aí! Será uma ótima oportunidade para acabar com fantasmas do presente e também do passado. Podemos ser novamente iludidos, mas, vale tentar!

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado