Estou lendo o livro “Pálido Ponto Azul”[1], do astrônomo, apresentador e escritor Carl Sagan. Ali ele divaga sobre a humanidade, seu surgimento e o que será de nós no futuro. A inspiração do referido cientista veio de uma fotografia da Terra, tirada em 14/02/1990, pela sonda Voyager 1, de uma distância de 6 bilhões de quilômetros do nosso planeta. Na imagem, o tamanho da Terra é menor do que um pixel – o planeta aparece como um pequeno ponto na imensidão do espaço, no meio de um raio solar captado pela lente da câmera.

Eu já conhecia o trabalho de Carl Sagan por meio da série de TV “Cosmos”[2], que esclarece muitos pontos da astrofísica em linguagem simples, acessível aos leigos. E também já sabia que o aludido astrônomo era ateu. Ocorre que, em seu livro, Sagan explica melhor o porquê de sua descrença numa “força maior”, criadora do universo manifestado. E grande parte de seus fundamentos, todos científicos, vem do fato de sermos menos que uma poeira estelar. Quer dizer, somos uma dentre 10 milhões de espécies que habitam o planeta Terra, e orbitamos uma estrela (o Sol), dentre as bilhões de estrelas que existem na Via Láctea (estima-se que haja entre 100 e 400 bilhões de estrelas na nossa galáxia – imagine quantos planetas transitam ao redor da quase totalidade delas!). Mais: calcula-se que haja 2 trilhões de galáxias no universo observável, de modo que haveria mais estrelas do que grãos de areia no planeta Terra.

Com base em tais premissas, Sagan entende que deveríamos ser mais humildes e aceitar que, mesmo que fôssemos uma criação divina, seguramente não se faria tudo isso em função do ser humano. Ou seja, seríamos uma pequena parte da criação, quase uma consequência dela (e não sua causa ou razão de ser, como em geral prega boa parte das religiões). Ademais, como seres errantes que somos, iremos nos aventurar nesse espaço profundo e povoar outros orbes. Esse é o futuro previsto pelo mencionado astrônomo, que faleceu em 20/12/1996 – muito antes, portanto, de poder acompanhar as missões robóticas ao planeta Marte – a NASA já enviou 05 rovers ao planeta vermelho: Sojourner (1997), os gêmeos Spirit e Opportunity (2004), Curiosity (2012), ainda em operação, e agora no início de 2021 o robô Perseverance (cuja missão é tentar descobrir se já houve vida no nosso planeta vizinho, dentre outros experimentos). Não pôde ver em vida, também, as recentes missões privadas ao espaço (Virgin Galatic, Blue Origin e SpaceX). E não verá o homem voltar à Lua (e estabelecer lá uma base) ainda nesta década, bem como ver o homem pousar e se estabelecer em Marte, na próxima década. Enormes avanços!

Veja, caro leitor, que quanto ao futuro previsto por Carl Sagan, parece que ele estava certo. Já quanto ao “passado”, ou melhor, quanto à nossa origem, penso que a questão ainda está em aberto. Quer dizer, filosoficamente, pode estar mais claro o “para onde vamos”, embora o de “onde viemos” e, principalmente, o “quem somos”, continuem a ser grandes fontes de inquietude da nossa espécie. É engraçado que pensadores e astrônomos estoicos, por volta do século I, já sabiam que a Terra é “um ponto” no universo infinito, cujas medidas de tempo, para trás e para frente, estão além de nossa compreensão. Pregavam eles a humildade face à criação, embora o sentimento de um ente criador (um Deus) fosse prevalente entre os estoicos. Assim, ao menos, transparece o imperador Marco Aurélio em seu livro “Meditações”, dentre outros.

Exponho esse link entre os dois livros porque me parecem amparados nos mesmos princípios, calcados nas mesmas preocupações com a humanidade, embora divirjam sobre o ponto inicial da criação (o que, espantosamente, não faz tanta diferença assim). Somos presunçosos e petulantes, agarrados às nossas posses, títulos e cargos, além de invejosos e cobiçosos daquilo que aos outros pertence. Não percebemos que seremos apagados pela marcha da história.

Desta feita, após pensar sobre tais temas por uma madrugada inteira, me senti pequeno, incapaz e um tanto desanimado. Mas, me lembrei que o importante é aquilo que aprendemos com o tempo que nos é dado; e como nos comportamos perante o próximo, especialmente aqueles de nosso convívio afetivo. Daí, compreendi que o que se planta agora pode levar dezenas, centenas e até milhares de anos para ser colhido. Então, é mais importante plantar que colher. Ou melhor: devemos plantar sem esperar alcançar a colheita. Veja, quantas pessoas se vão precocemente (como Carl Sagan, que semeou bastante)… Quantas já se foram nesta pandemia de Covid-19?

O futuro, assim, é fruto da soma de nossos esforços. Pode ser algo pequeno, mas, muitos grãos diminutos de areia e rocha compõem a estrutura de enormes montanhas. Tudo é possível, se compreendermos a vastidão do espaço-tempo. E é por esse motivo que tenho olhado as coisas por cima do horizonte imediato. O atual governo, p.ex., vai passar (e rápido). O próximo governo também. Haverá evolução tecnológica em progressão geométrica. Já a evolução moral, essa segue um ritmo mais lento, em progressão aritmética. Mas, tudo evolui! Seremos melhores, mais sábios, mais velhos. Trocaremos as utopias juvenis pela experiência e equilíbrio. Haverá menos paixões e mais amores. Integraremos melhor o universo, respeitando mais o planeta.

A coisa é tão difícil de descrever que é melhor deixar de tentar nesta coluna. Há sentimentos que não se traduzem em palavras. A história seguirá com essa “capa” de atraso, mundialmente. Porém, se salta mais longe quando se toma impulso, com um ou dois passos atrás. Pode confiar!

Referências:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A1lido_Ponto_Azul

[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Cosmos

FOTO: https://www.google.com/search?q=palido+ponto+azul+carl+sagan&rlz=1C1GCEA_enBR918BR918&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwj6i96Ds47zAhUqLLkGHVxrDFMQ_AUoAXoECAEQAw&biw=1366&bih=657&dpr=1#imgrc=VnLOWS3GrgQa6M

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado