O poema “José” de Carlos Drummond de Andrade[1] foi publicado originalmente em 1942, na coletânea Poesias. Ilustra o sentimento de solidão e abandono do indivíduo na cidade grande, a sua falta de esperança e a sensação de que está perdido na vida, sem saber que caminho tomar. Drummond principia sua obra com os seguintes versos (transcritos aqui na forma de texto corrido): “E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?”.

Fiquei pensando no aludido poema nos últimos dias, dado o avizinhamento de nossas eleições. Quer dizer, à vista do resultado das últimas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, instintivamente, me veio à cabeça a pergunta contida no título: E agora, Brasil?

Estamos a apenas 03 dias da votação e, ao que parece, paira apenas uma dúvida: as eleições vão para o 2º turno entre Lula e Bolsonaro ou acabam já no próximo domingo, em 1º turno? Trata-se do ponto aonde viemos parar, ilustre leitor… Há muita gente feliz, outros ansiosos, alguns jocosos. De minha parte, o sentimento é de profunda tristeza!! Não pelos candidatos, pois não votarei em nenhum dos dois, mas, pelo nosso país. Poderíamos fazer mais, mas, não faremos. Mais uma vez.

Voltando ao poema, mais adiante, Drummond complementa seu raciocínio da seguinte forma: “você que é sem nome, que zomba dos outros, (…) que ama, protesta? (…) está sem discurso, (…) o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José?”.

Os brasileiros, em sua quase totalidade (a prevalecerem os resultados das pesquisas), estão tal qual uma manada de “Josés”, aguardando a apuração das urnas no domingo à noite e a divulgação dos resultados, para “esfregar na cara dos outros” a tão esperada “vitória” nas urnas. Porém, a Terra vai girar, o Sol vai aparecer e se perceberá que a utopia não veio. Ou melhor, que o riso prometido seguirá fazendo parte de um sonho, doce, confortante, quentinho – mas, ainda sim, um sonho.

Veja, meu amigo leitor, não quero convencê-lo a mudar o voto. Já estamos às vésperas das eleições – e segundo o IPEC[2] 83% dos eleitores estão decididos sobre o voto para presidente. Ademais, eu respeito profundamente a sua escolha e o seu voto. Não pretendo dizer, agora, qual seria seu voto “útil”. E nem indagar as razões para eventual voto “inútil”. Quero fazer só uma pergunta, antes que você abandone a leitura desta coluna: você leu o plano de governo do seu candidato?

Bem, isso é o básico do básico! Você não acredita que seu candidato vai adivinhar tudo o que você espera dele e que, uma vez empossado no cargo, ele passará a executar seus sonhos, que se tornarão realidade, correto? Noutras palavras, o candidato diz no seu plano de governo o que vai fazer. E, mais importante até do que isso, diz ali (ou deveria dizer), como vai cumprir suas promessas.

Assim, na medida em que tal candidato será seu representante, você o está autorizando a fazer exatamente aquilo que diz que fará no seu plano de governo. Então, espero que esteja representado.

Caso você ainda não tenha tomado conhecimento, todos os planos de governo estão disponíveis no site do TSE[3], assim como está lá o valor que cada candidato gastou na campanha e com quem. No link do rodapé você confere tudo isso, um por um. Vou tratar de alguns pontos que lá estão.

De início, abordarei o plano de governo de Lula[4]. Quer dizer, apenas suas “diretrizes”, já que Lula não divulgou um plano de governo[5] – a justificativa oficial é que os coordenadores ainda estão recebendo sugestões para serem incluídas na proposta… Ou seja: Lula não tem um plano!!

No documento disponibilizado está escrito, em seu item 13, que Lula pretende revogar a reforma trabalhista, aprovada em 2017. Compartilho aqui um resumo ilustrado do que se trata, caso tenha interesse – extraído do site da Fecomércio/SP[6]. Mais à frente, o item 51 diz que ele também vai revogar o atual teto de gastos do Governo Federal – isso visa preservar a regra mais básica em finanças, que é não gastar mais do que se ganha – segue um resumo, constante do site InfoMoney[7].

As diretrizes de Lula ainda dizem, em seus itens 1, 52, 55 e 58, que ele vai combater o desemprego e a inflação por meio de uma política econômica com “atuação anticíclica”, em particular no que se refere aos “alimentos, combustíveis e eletricidade”. Acaso você não saiba (ou não se lembre), caro leitor, esse é precisamente o fundamento da chamada “nova matriz econômica”, aplicada ao final do 2º mandato de Lula e durante os governos de Dilma Rousseff – segue um link do Mises Brasil[8] contendo um compilado cronológico do desastre que isso causou no Brasil… Para resumir, foi a maior queda do PIB[9] de que se tem notícia na história do país, somando uma retração de 7,2% no biênio de 2015 e 2016. Ademais, o desemprego subiu de 5,3% para 8,2% e a inflação saltou de 5,9% para 9,3%[10]. Mais: a atuação de Dilma no contingenciamento de preços de energia elétrica implicou numa desorganização monstruosa no setor e, passadas as eleições de 2014, surpreendeu os consumidores com um aumento de até 70% na tarifa de energia em algumas regiões do país (média de 51%)[11]. No segmento petrolífero (combustíveis fósseis), a intervenção estatal de Dilma Rousseff implicou em perdas superiores a R$100 bilhões para a Petrobras[12], cujo valor de mercado derreteu – as ações, que haviam chegado a R$44,00 em 2008, caíram para R$4,00 ao fim de 2015.

Bem, os dados estão aí, disponíveis a qualquer um. Lula está dizendo que fará tudo novamente!!

Aliás, o item 58 é quase um escárnio com os brasileiros, afinal, ali está dito que Lula vai “abrasileirar o preço dos combustíveis e ampliar a produção nacional de derivados, com expansão do parque de refino”. Noutras palavras: tabelamento de preços, algo que nunca deu certo em parte alguma do mundo, em qualquer época histórica… E, pior que isso, a solução trazida, que é o aumento do parque de refino, apesar de correta, esconde o fato de que foi justamente nos governos do PT em que se iniciaram, mas, nunca foram concluídas (por superfaturamento e imensa corrupção, documentada e confessada), as refinarias de: Abreu e Lima (Pernambuco), Comperj (Rio de Janeiro), Premium 1 (Maranhão), Premium 2 (Ceará) – confira no site Gazeta do Povo[13].

Para arrematar, as “diretrizes” de Lula dizem, em seu item 76, que “será necessário proteger o patrimônio do país e recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais para que cumpram, com agilidade e dinamismo, seu papel”. Acontece que inexiste agilidade e dinamismo no Estado, ou em suas estatais. Isso é algo totalmente utópico, prezado leitor. O problema central é que Lula e o PT acreditam piamente que ao Estado compete resolver tudo e se meter em tudo. É precisamente por isso que seus itens 77, 78 e 79 deixam claro que jamais privatizarão a Petrobras e os Correios, bem como que reestatizarão a Eletrobras. Veja: o Estatuto do Partido dos Trabalhadores prevê, em seu Art. 1º, que seu objetivo é “construir o socialismo democrático”[14]. Aliás, a agremiação do vice, Geraldo Alckmin, o Partido Socialista Brasileiro, diz em seu Estatuto que sua finalidade é “lutar pela implantação da democracia e do socialismo no país” (Art. 2º)[15].

Sucede que democracia e socialismo são palavras antônimas, ilustre leitor. Tive oportunidade de escrever apenas sobre essa questão numa coluna publicada em Junho de 2021[16], para onde o remeto. Ali abordei os fracassos históricos do socialismo e também exemplos atuais de países que o adotam, como Venezuela, Cuba e Coreia do Norte. O resultado é uníssono: fome e opressão…

Aliás, para não dizer que esta é a opinião singular deste colunista, remeto-o à leitura de uma extensa reportagem publicada no dia 15/09/2022 no Estadão[17], com o seguinte título: “Com avanço da esquerda, crescem o autoritarismo e a miséria na América Latina”. A matéria faz a descrição do ocorrido em países latino-americanos onde houve: aparelhamento do Estado (e de suas estatais), aumento do autoritarismo e redução das liberdades individuais, além da socialização da miséria, acompanhada de desemprego e inflação. Essa é a receita do bolo da “nova matriz econômica” proposta por Lula. E seus resultados desastrosos estão no governo Dilma Rousseff.

Ora, se você tem uma inclinação mais à esquerda, nobre leitor, sugiro encarecidamente que dê uma olhada no plano de governo proposto por Ciro Gomes[18]. O documento, de 26 páginas, lista os objetivos que ele pretende alcançar caso seja eleito presidente, tais como: reduzir a pobreza e a desigualdade, combater a violência e diminuir os índices de desemprego e informalidade. E, para isso, propõe algumas medidas, entre as quais: promover uma reforma tributária; criar incentivos financeiros para escolas e professores que alcançarem bons resultados; fortalecer o Programa Nacional de Imunizações, com a realização de grandes campanhas de vacinação; mudar a política de preços da Petrobras; e criar um programa de renda mínima universal. Tenho certeza de que o eleitor de esquerda concorda com esses objetivos propostos por Ciro. A grande diferença é que ele diz em seu plano de governo o que vai fazer e como vai fazer. O homem tem um projeto, afinal!

Então, por qual razão uma parcela dos eleitores da esquerda não pode votar em Ciro Gomes?? O fato é que o pedetista vem sendo pressionado por ex-apoiadores e personalidades políticas da América Latina a desistir de concorrer em prol do “voto útil” em Lula, que tem chances de vitória no primeiro turno. Porém, isso nada mais é que um argumento puramente autoritário… Numa coletiva de imprensa convocada por Ciro, ele disse[19]: “Agora, na reta final da campanha mais vazia da história, embalam tudo no falso argumento do voto útil. Com esta pregação, querem eliminar a liberdade das pessoas de votarem”. É precisamente isso, amigo leitor. Ciro completou dizendo que o país está “na iminência de sofrer a maior fraude eleitoral da nossa história. Não a mentirosa fraude das urnas eletrônicas, inventada por Bolsonaro, mas a fraude do estelionato eleitoral que sofrerão as vítimas que apertarem, nas urnas invioláveis, o 13 ou 22” (números de Lula e Bolsonaro, respectivamente). Apesar de não ser fã de sua visão do Estado, concordo com ele quanto às afirmações dadas à imprensa. Lula e Bolsonaro estão cometendo estelionato eleitoral.

Aliás, pegando esse gancho, vejamos o que preconiza o plano de governo de Bolsonaro[20]: o documento, que tem 48 páginas, cita o que Bolsonaro considera realizações de seu governo e lista prioridades e propostas para um eventual segundo mandato. No papel há boas ideias, tais como: a manutenção do valor de 600 reais para o Auxílio Brasil a partir de janeiro de 2023, a manutenção da reforma trabalhista, a manutenção da estabilidade econômica e da sustentabilidade da trajetória da dívida pública mediante a consolidação do ajuste fiscal no médio e longo prazo, o respeito ao regime de metas de inflação com manutenção da independência do Banco Central e o reordenamento do papel estatal na economia, por meio da “desestatização”, ou seja, da venda de empresas estatais, controladas pelo governo. O documento aborda, ademais, outros pontos caros à agenda de Bolsonaro, tais como: questões relacionadas à posse e ao porte de armas de fogo, combate ao crime organizado e uma melhor remuneração de policiais.

Entretanto, prezado leitor, o fato é que Bolsonaro não cumpriu com suas promessas no primeiro mandato. Onde estão as privatizações prometidas, por exemplo? Ademais, depois de se dizer o arauto da “nova política”, Bolsonaro nada mais fez do que abraçar o Centrão (tanto que hoje está filiado ao PL), concedendo-lhe o filé mignon do orçamento público nacional. Há desrespeito descarado ao teto de gastos, visando garantir as vergonhosas “emendas secretas” aos parlamentares da base aliada. Houve calote no pagamento dos precatórios (dívidas) da União em 2022. Além de evidente intervenção na Petrobras, com fins puramente eleitoreiros (essa conta ainda vai chegar). Mais: o governo dele trabalhou para aprovar o absurdo “fundo especial” (eleitoral) de R$4,9 bilhões[21] de dinheiro público para os partidos gastarem em suas campanhas, agora, neste pleito.

O plano de governo “2.0” bolsonarista é muito bem escrito, bem apresentado, mas, é um conto de fadas. Ele não vai entregar o que está lá. Basta dizer que o governo se vende como “liberal”, mas, é claramente autoritário! A verdade é que Bolsonaro não acredita e não aplica o liberalismo econômico em seu governo. Seu plano traça objetivos para: “1.1. A Liberdade e a Vida” – convém lembrar o fiasco que foi a postura do governo durante a pandemia, com o Brasil somando 686 mil mortos[22]; “3.2. Saúde, Educação e Social” – para ficar no básico, há denúncias de corrupção na compra de vacinas durante a pandemia[23] e denúncias de corrupção no MEC envolvendo o próprio ministro à época[24] (foram 5 ministros da educação nomeados, o que mostra a inépcia e o descaso com a pasta, que deveria ser a mais importante de qualquer governo!!); “3.5. Sustentabilidade Ambiental” – sucede que, durante seu governo, o desmatamento aumentou em todos os biomas[25]; e, por fim, “3.6. Governança e Geopolítica” – Bolsonaro não gosta de dar expediente, ou seja, de governar: peço que você pesquise pela “agenda” da Presidência da República para confirmar o que estou dizendo (são menos de 05 horas de trabalho por dia, em média)[26]. Já no campo da geopolítica, colaciono apenas um fato, dentre tantos deploráveis: Bolsonaro visitou Vladimir Putin às vésperas da invasão da Ucrânia, para mostrar “solidariedade” ao russo e, após a invasão, passou a adotar uma postura de “neutralidade” face ao homem que pretende acabar com a vida humana sobre a face da Terra[27] (lembrando que Lula já disse que a culpa é do Zelensky[28]).

Veja, o fato é que Ciro Gomes tem razão quando afirma que os eleitores que apertarem 13 ou 22 nas urnas, no próximo domingo, serão vítimas de estelionato eleitoral. Bolsonaro está vendendo gato por lebre em seu plano de governo. Já Lula, além de não ter um plano, deixou claro no seu rascunho que vai conduzir um governo “Dilma 3.0”. Mas, como ambos já foram presidentes e como os dados estão todos disponíveis a um Google de distância, é um me engana que eu gosto!

Concluindo a análise dos planos de governo, de forma mais objetiva, há o excelente plano de governo de Felipe d’Ávila (NOVO)[29], com propostas claras, traçadas em 10 eixos centrais, em documento de 36 páginas, onde propõe erradicar a pobreza extrema, promover a abertura total da economia e transformar o Brasil em país de carbono zero. E o mais importante: propõe a meta ambiciosa de “colocar a educação do Brasil entre as 20 melhores do mundo em sete anos”. Para quem tiver maior interesse, há também um resumo das propostas dele, no site do G1[30]. E, por fim, há ainda o plano de governo de Simone Tebet (MDB)[31] que, seguindo a mesma linha proposta por d’Ávila, num documento de 48 páginas, propõe um programa permanente de renda mínima, reformas tributária e administrativa e tolerância zero com o desmatamento ilegal.

Por fim, faço aqui nesta coluna uma importante distinção entre os candidatos postulantes ao cargo máximo da nação: é você, leitor (e eleitor), quem está arcando com os custos de campanha de todos eles, à exceção de Felipe d’Ávila, já que o Partido NOVO não utiliza fundo partidário e muito menos fundo eleitoral – essa informação também está disponível no site do TSE[32], acessível a qualquer um. Veja quanto gastou cada candidato e o percentual de dinheiro público (dinheiro nosso) que isso representa dentre os gastos realizados: Lula (PT) = R$90.130.825,37 (99,06% pagos com dinheiro público); Jair Bolsonaro (PL) = R$39.616.474,64 (30,78% pagos com dinheiro público); Simone Tebet (MDB) = R$36.700.000,00 (99,46% pagos com dinheiro público); Ciro Gomes (PDT) = R$33.604.426,49 (99,09% pagos com dinheiro público); e Felipe d’Ávila (NOVO) = R$1.287.368,29 (00,00% = zero, pago com dinheiro público).

Enfim, estão aí os dados e os planos de governo. Há biografias e resultados de cada um, também disponíveis na internet. Não existe briga do “bem” contra o “mal”, como querem te vender… Isso é história da carochinha, para tirar seu foco daquilo que realmente importa: competência e honestidade. Inexiste, ademais, voto “útil” ou “inútil” – há sim voto consciente! Espero que esteja bastante consciente do seu. E digo isso porque pode até existir um “plano B” na hora do voto, mas, não existe um “país B”. O que você plantar no domingo será colhido pelo Brasil e pelos brasileiros, não só nos próximos 04 anos, mas, por décadas, inclusive pelas futuras gerações.

Assim, voltando à sabedoria do poema de Carlos Drummond de Andrade, ele arremata dizendo: “E agora, José? Sua doce palavra, (…) sua incoerência, seu ódio – e agora? Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; (…) Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem cavalo que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde?”. Que Deus abençoe a todos nós!!