(Des)Politizaram o Futebol?

Em sua obra “Política”, o filósofo Aristóteles afirma que: “a polis faz parte das coisas naturais” e que “o homem é por natureza um animal político”. A política, ou melhor a ação política, que significa “ação que visa o bem comum”, é (e pode ser) praticada por todos os cidadãos, ou melhor pelos “políticos” (filhos da polis)[1]. Então, todos nós temos nossas vivências, nossas concepções de mundo e nossas inclinações políticas. Assim é que o pensar e o agir, politicamente, na visão aristotélica, corresponde a algo indissociável do ser humano – e isso, mesmo que a pessoa diga que “não liga nada” para a política.

Sucede que há várias formas de se fazer política. Seja dentro de seu seio familiar, dentro do seu núcleo de amigos, perante seus colegas de trabalho ou conhecidos, no seu bairro, na sua cidade, no seu país e até mundialmente, conforme o alcance do pregador. É até possível fazer política utilizando o silêncio. Há gestos, figuras, palavras, vestimentas etc.

Postas as coisas assim, entendo que cada pessoa tem o direito de se manifestar sobre o que bem entender, seja acompanhado de argumentos ou não. Basta suportar o tranco com relação ao que sua manifestação vai despertar nos interlocutores, ou na sua audiência. Justamente por isso convém ao manifestante, ao fazê-lo, ainda mais politicamente, deixar sua opinião arvorada em ideias que tenham um começo, um meio e um fim. É prudente.

A Argentina iria sediar os jogos da Copa América, juntamente com a Colômbia. Porém, esta última em razão da crescente tensão social no país e da repressão violenta por parte da polícia[2], e aquela em decorrência do agravamento da pandemia do novo coronavírus e da decretação de lockdowns[3], deliberaram por não mais sediar tal evento esportivo.

O torneio é o terceiro mais popular no futebol (na disputa entre nações), perdendo em audiência apenas para a Copa do Mundo FIFA e para a Eurocopa[4]. A edição deste ano de 2021 tem início previsto para 13 de Junho e término em 10 de Julho, contando com a participação de 10 países da América do Sul (todos exceto Guiana, Guiana Francesa e Suriname)[5]. E, por decisão tomada pela CONMEBOL, juntamente com o governo brasileiro, será sediada em nosso país, após a desistência dos referidos países-sede.

É óbvio que o momento grave da pandemia em solo tupiniquim seria mais que suficiente para que nós, o Brasil, igualmente disséssemos à CONMEBOL um “não obrigado”! Ora, se não seria sediada aqui, não havia porque trazê-la para cá. É um raciocínio simples, se tomado exclusivamente em razão da agudez da pandemia. Mas, coisas assim nunca são decididas com base na ‘saúde pública’ ou no ‘bem estar do povo’, mas, alicerçadas na montanha de dinheiro envolvida num torneio como esses. Esse é um dado da realidade. Basta dizer que o Japão, país-sede das Olimpíadas (que foram postergadas de 2020 para 2021 justamente em razão da pandemia), bateu o pé que fará o evento este ano, com abertura em 23 de Julho e encerramento em 08 de Agosto. E isso mesmo com o fato de que o Japão viveu o ápice da 2ª onda de contágio em seu território no dia 14/05/2021. O povo japonês, que se diz disciplinado, conviverá com a chegada e a estadia de delegações inteiras, de centenas de países, somente porque há contratos e valores altos envolvidos. Todo o mundo aceitaria, no campo da lógica e do bom senso, se eles postergassem mais uma vez os Jogos Olímpicos. Qual pessoa condenaria uma atitude como essas? Nenhuma!

Ocorre que estamos no Brasil e, aqui, além da lógica, existe a crendice, a maledicência e um sem-número de explicações complexas para questões simples. Todos podem ficar contra sediarmos a Copa América, e com certa razão, a meu ver. Mas, não é preciso fazer disso um manifesto político… É uma questão de saúde pública e ponto! Mas, pelo mesmo motivo, não deveríamos estar realizando outros campeonatos de futebol, tais como: Estaduais[6] (são 27 unidades federadas, com campeonatos que têm até 20 times – com disputa da 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e até 5ª divisões), Copa do Brasil (disputada por 92 equipes)[7], Libertadores da América (com 47 clubes)[8], Copa Sul-Americana (com 56 times)[9], e mais diversos outros campeonatos de futebol regionais, sem contar as ligas femininas (e incontáveis campeonatos de outros esportes Brasil afora).

Perceba, só estão ocorrendo todos esses campeonatos em solo nacional porque há muito dinheiro envolvido. Essa é a chave para entender o porquê de praticamente todos os Municípios e Estados estarem permitindo a realização de jogos. E não é só dinheiro de cartolas não: há salários a pagar (para atletas e funcionários mil), existe o comércio local, patrocínios, propagandas, direitos de transmissão, direitos de imagem etc. etc. etc. Então, é possível ficar contra a Copa América, mas, por lógica, é preciso ficar contra o restante. OU então entendemos que havendo o cumprimento de regras sanitárias é possível seguir nos torneios, sem presença de torcedores, por hora. Afinal, a vida dos colombianos e dos argentinos não valem menos que a dos brasileiros. Se não pode aqui não pode lá, certo?

Quando os jogadores da seleção brasileira se concentraram para enfrentar o Equador pela 7ª rodada das Eliminatórias[10] da Copa do Mundo, em jogo que foi realizado em 04/06/2021 no Estádio Beira-Rio, no Rio Grande do Sul (e portanto em solo brasileiro), armou-se o pandemônio em cima da pandemia… Tite disse que os jogadores estavam insatisfeitos e iriam se pronunciar oportunamente. O capitão do time, Casemiro, disse que todos sabiam a razão de os jogadores estarem insatisfeitos, mas, que eles apenas falariam seus motivos após o jogo com o Paraguai, no dia 08/06/2021. Foi o suficiente para que a internet viesse abaixo, com radicais de direita e esquerda (na política) gerando verdadeira balbúrdia entorno do tema, mediante difusão de um sem-número de “razões” para a insatisfação do elenco e do técnico, além de memes e teorias da conspiração. O assunto dominou inclusive os jornais, colunas de opinião e até os sites de fofocas. A coisa chegou nesse nível: o futebol e a seleção brasileira se tornaram a nova “cloroquina” da vez…

Então, chegado o dia fatídico, depois de 04 longos dias de estapeamento coletivo, eis que os jogadores publicaram nas redes sociais um “manifesto”, que basicamente disse o seguinte[11]: 1) todo brasileiro já nasce torcedor; 2) o elenco está coeso, mas, tem ideias distintas; 3) eles estão insatisfeitos com a condução da Copa América, fosse ela realizada no Chile ou no Brasil; 4) em nenhum momento quiseram tornar essa discussão política; 5) todos são trabalhadores, profissionais do futebol; e 6) vão, sim, jogar a Copa América.

O manifesto quebrou a cara dos radicais de esquerda e de direita: caíram todos do cavalo. Ali se disse uma porção de obviedades, e só!! A questão é que praticamente inexiste, no mundo hodierno, jogadores politizados. Isso não dá dinheiro, pelo contrário, rende muitos prejuízos (ao atleta e ao clube), como está bem explicado em matéria de 13/11/2020[12], intitulada: “para onde foram os jogadores politizados no futebol europeu?”. E eu diria: sumiram não só da Europa, mas, do mundo todo. Há diversas razões que não vêm ao caso.

A questão é que politizaram o futebol; OU despolitizaram os jogadores; OU ambos; OU o contrário? Ninguém tem a resposta certa. Como bem escreveu Mauro Cezar Pereira: “Tite virou ‘comunista’ em meio à ilusão da esquerda e devaneios da direita”[13]. E só! Enfim, a cizânia toda foi muita espuma para pouco chope. Há questões graves e sérias envolvidas no tema, mas, temos muitas outras coisas a resolver no campo da política. Não é politizando a seleção brasileira que os resolveremos. Então, respeito muito a opinião dos colunistas esportivos[14][15][16][17][18], mas, muitos esperavam algo que nunca chegaria…