As coisas definitivamente não estão indo bem para a Rússia, nesta guerra insana que Vladimir Putin decidiu empreender. Já se vão mais de 3 semanas de conflito armado e as tropas russas foram surpreendidas por uma feroz resistência das defesas ucranianas. De acordo com o Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia, desde o início da guerra até o dia 11/03/2022, a Rússia já teria perdido[1]: 353 tanques, 1165 ACV(s), 125 sistemas de artilharia, 58 MLRS, 31 peças de defesa aérea, 57 aeronaves, 83 helicópteros, 558 unidades de equipamentos automotivos, 3 navios/barcos, 60 caminhões tanques, além de 7 UAV(s) de nível tático. Ademais, segundo a mesma fonte, mais de 12.000 soldados russos já teriam sido mortos no conflito. Conforme a Revista Istoé[2], para citar outra fonte, morreram mais soldados russos na invasão à Ucrânia que militares dos EUA no Iraque e Afeganistão, durante os mais de 20 anos das campanhas militares americanas – agências de inteligência dos EUA estimam que mais de 7 mil soldados russos já morreram nessas 3 semanas de conflito, e entre 14 mil e 21 mil estariam feridos.

Enfim, como as coisas não estão indo conforme planejou o tirano russo e seus generais (04 dos quais já perderam a vida em solo ucraniano), a Rússia está convocando tropas de outras regiões para reforçar a invasão. De acordo com a Revista Veja[3] e fontes próximas ao Kremlin, soldados da Sibéria, Geórgia, e até mesmo mercenários no Oriente Médio estão sendo realocados para lutar na Ucrânia. Porém, essa parece ser uma guerra perdida para a Ucrânia, infelizmente. As forças russas são tão maiores em números e equipamentos que a queda de Kiev é uma questão de tempo. Justamente por isso a campanha russa partiu para uma abordagem mais feroz e cruel contra a Ucrânia: cercar suas cidades, bombardeá-las indiscriminadamente e impedir que os civis saiam por corredores humanitários, tornando imensas as perdas de vidas de civis. E está fazendo isso com a utilização de bombas menos sofisticadas e com grande poder de destruição[4].

É algo que vem sendo verificado em todo o território ucraniano, especialmente nas cidades de Volnovakha, Odessa, Kerson, Mariupol, Karkiv, Irpin e, agora, também em Kiev. Estão sendo inclusive escavadas e utilizadas valas comuns pela população ucraniana, dada a quantidade de mortos pelas forças russas, como retrata reportagem da BBC[5]. Vladimir Putin está conduzindo bombardeios não só de áreas estritamente residenciais, como ocorreu dois dias atrás em Kiev[6], como também está alvejando escolas e hospitais… Apesar de ter dito que se tratava de uma “montagem” do governo ucraniano, o fato é que o ataque ao hospital e maternidade em Mariupol não só aconteceu como morreram o bebê e a mãe fotografada, naquela icônica foto que circulou o mundo no dia 09/03/2022[7]. Há inclusive imagens feitas por um drone que dão alguma dimensão do tamanho da devastação causada pelos russos na cidade de Mariupol[8].

Aliás, na mesma cidade, Mariupol, a Rússia praticou ontem, 17/03/2022, o mais vil de todos os crimes de guerra que perpetrou até aqui, bombardeou o teatro daquela localidade[9]. Até 1,2 mil pessoas estavam no referido teatro, segundo o vice-prefeito da cidade. Centenas de crianças estavam no teatro, e imagens divulgadas na quinta-feira, 17, mostram que os ucranianos haviam pintado os dois pátios do edifício com a palavra “CRIANÇAS” para avisar sobre a presença delas. Apesar disso, o ataque aconteceu e o número de vítimas ainda é desconhecido.

O Presidente russo, Vladimir Putin, “deu-nos ordens para cometer crimes. Não estamos apenas a desmilitarizar a Ucrânia ou a derrotar as forças armadas ucranianas, há cidades com civis pacíficos a serem destruídas”. “Os crimes que cometemos; seremos todos julgados”. Estas são falas dos prisioneiros de guerra russos, detidos na Ucrânia, especialmente pilotos de combate[10].

Ao ler a notícia do bombardeio do teatro cheio de crianças em Mariupol, me lembrei do filme disponível na plataforma de streaming Netflix, intitulado “O Bombardeio”[11]. Trata-se do longa mais triste que já assisti em toda a minha vida e pode dar a você, leitor, uma ideia do que seja tal espécie de carnificina, até porque o referido filme é baseado numa história real[12], ocorrida em Copenhague, capital e maior cidade da Dinamarca, no dia 21/03/1945, quando a 2ª Guerra Mundial ainda estava em alta na Europa. Naquela ocasião aviões britânicos atacaram por equívoco uma escola católica (Institut Jeanne d’Arc – fundada em 1924 pelas irmãs de São José). Naquele bombardeio morreram 86 crianças e 16 adultos, enquanto 67 crianças e 35 adultos ficaram gravemente feridos. É preciso ter estômago para aguentar o final do filme…

As perdas ucranianas são muitíssimo maiores em escala do que as russas, caro leitor. Dados divulgados nesta terça-feira pela ONU revelam que, a cada segundo do conflito iniciado por Vladimir Putin, uma criança é obrigada a deixar o país para sobreviver. No total, o número de refugiados atingiu a marca de 3,5 milhões de pessoas até agora (90% composto por mulheres e crianças). Para a entidade, trata-se do êxodo mais intenso de pessoas desde o final da Segunda Guerra Mundial, com uma velocidade sem precedentes na fuga de famílias[13]. A ONU estima que 90% da população ucraniana pode ser jogada na extrema pobreza[14], atrasando o país e a região por décadas, deixando profundas cicatrizes sociais e econômicas para as gerações futuras. De acordo com as estimativas governamentais, foram destruídos pelo menos US$100 bilhões de dólares em infraestruturas, edifícios, estradas, pontes, hospitais, escolas, e outros bens. Segundo Jamil Chade[15], o “celeiro do mundo”, a Ucrânia, agora vive a ameaça da fome.

O secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Jens Stoltenberg, alertou ainda sobre o possível uso de armas químicas por parte das forças invasoras russas[16], enquanto os bombardeios se intensificam nos arredores de Kiev. Algo assim seria mais atroz do que o uso de bombas de fragmentação, já utilizadas pelas tropas de Vladimir Putin na Ucrânia[17] – proibidas por um tratado internacional vigente desde 2008, munições cluster têm grande alcance territorial e alta letalidade e foram usadas contra hospitais e bairros residenciais.

A questão é que, após a mortandade sem precedentes experimentada no curso da 2ª Guerra Mundial, para além da criação da ONU (hoje com 193 Estados-membros), muitas são as normas que buscaram regular os conflitos internacionais (leia-se: guerras), sob o arcabouço do Direito Internacional Humanitário (DIH)[18]: 1) há diversas proibições quanto a alguns tipos de armamentos que vêm sendo utilizados pela Rússia; 2) assim como é vedado alvejar alvos civis intencionalmente – são dezenas as comprovadas violações pelas tropas de Vladimir Putin (a embaixada americana em Kiev e autoridades ucranianas acusam forças russas de terem matado pelo menos 10 civis que estavam numa fila para comprar pão em Chernihiv, nesta quarta-feira, 16[19]); 3) bem como é preciso permitir a abertura de corredores humanitários que viabilizem a fuga de civis de zonas sob conflito, além de viabilizar a ajuda humanitária de entidades não governamentais, como a Cruz Vermelha, p.ex., que se encarregam de entregar medicamentos e mantimentos aos civis sitiados e/ou feridos. A violação a essas regras internacionais pode levar Vladimir Putin a responder por crimes de guerra perante o Tribunal Penal Internacional (TPI).

O presidente americano, Joe Biden, que já havia chamado Putin de “criminoso de guerra” no último dia 16/03/2022, voltou a falar sobre o líder russo ontem e fez duras declarações contra ele, durante um almoço no Capitólio dos EUA. Biden chamou Putin de “ditador assassino, bandido completo, que está travando uma guerra imoral contra o povo da Ucrânia”. E isso fez o Kremlin subir o tom em suas declarações – o porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov, classificou as falas de Biden como “absolutamente inadmissíveis e inaceitáveis”, além de “imperdoáveis”[20]. A coisa vem ganhando tal escala que o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que está preocupado com um possível “conflito nuclear” por causa da guerra na Ucrânia. Numa coletiva de imprensa ele disse que: “a proximidade de conflito nuclear, que era inconcebível, hoje está nas possibilidades das realidades”[21]. Veja a que ponto chegamos.

Segundo analistas, Vladimir Putin se isolou muito durante o período de quarentena decorrente da pandemia de Covid-19, mantendo contato com poucos de seus assessores (os mais próximos, fanáticos e subservientes). O líder russo teria ainda se dedicado a revisitar a história russa e os diversos acordos e tradados firmados nos dois últimos séculos, tendo decidido rever alguns deles, para restabelecer o que ele classifica como cabível à “Mãe Rússia”… O presidente da Finlândia, Sauli Niinistö conhece Vladimir Putin há uma década, e frequentemente age como uma ponte que o explica a aliados ocidentais e vice-versa (ele faz parte do grupo de líderes mundiais que continuam a ligar para o presidente russo com o objetivo de parar a guerra). Para Niinistö, Putin está muito “amargo” e isso cria “um ódio por dentro”, “ele começa com a ‘Mãe Rússia’ e a Ucrânia sendo parte dela”, “ele criou uma missão para si mesmo a respeito da ‘Mãe Rússia’, e também é um pretexto”[22] – um devaneio que parece ter se tornado patológico, messiânico, quase religioso, como explica o professor da Universidade do Colorado Benjamin Teitelbaum – ele destaca que “as sanções e o isolamento imposto aos russos agradam Putin”, porque na visão do acadêmico “ele quer um mundo desintegrado”, o que o faz não “se importar com as sanções econômicas impostas pelo Ocidente após o início da guerra” [23]. Putin chegou a afirmar em coletiva de imprensa que as sanções seriam boas para libertar o espírito dos russos!

A guerra pode até acabar num futuro breve, dado que já estão sendo noticiados termos de um possível “acordo” entre representantes russos e ucranianos – embora Mykhailo Podolyak, negociador ucraniano e conselheiro presidencial tenha dito que a Rússia “vaza planos de negociação para gerar crises, conflitos internos, para desestabilizar a opinião pública na Ucrânia”[24]. Porém, caro leitor, conforme se vê das últimas notícias compiladas nesta coluna, mesmo com o fim das hostilidades (o que só depende da Rússia, país invasor e agressor neste conflito), o mundo passará por um redesenho e viveremos uma “Guerra Fria 5G”, conforme preconiza o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da graduação de Relações Internacionais do IBMEC-RJ, José Niemeyer[25]. De acordo com o professor, as relações internacionais só funcionam em dois contextos: cooperação ou conflito. Para ele “vivemos relações internacionais mais baseadas nos conflitos nas últimas duas décadas do que de cooperação”, de forma que o mundo “vai ter que ter outros pactos de segurança”: “é triste, mas a Ucrânia acaba sendo laboratório para tratativas desses pactos e a União Europeia deve ter papel importante”. Para o historiador e diplomata Rubens Ricupero, “Putin jamais deu sinal de que está disposto à conciliação”[26].

Nos resta assistir, caro leitor, e torcer para que a diplomacia prevaleça… Bem como para que os crimes de guerra sejam efetivamente punidos. E para que as sanções impostas à Rússia façam o povo russo acordar, mover-se, libertar-se desta reminiscência soviética que é Vladimir Putin.