Caro leitor, já tive a oportunidade de escrever sobre a pandemia e seus últimos números. Assim, nesse jaez, o remeto à publicação de 15/05/2020 neste Blog[1]. Aqui, objetivo tratar da forma com que o Brasil (ou melhor, seus Estados e Municípios) tem enfrentado a pandemia e suas consequências econômicas. Não quero dizer que cada uma das mais de 20 mil vidas perdidas não importe. É óbvio que importa e é devastador para toda uma família! Apenas peço sua licença para fazer um corte mais político e econômico.

Primeiramente, anoto que como o Governo Federal não adotou uma política sobre a contenção da Covid-19, quedando-se numa postura negacionista (do ponto de vista da saúde), ocorreu que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 06/05/2020, que governadores e prefeitos poderiam baixar normas restritivas à locomoção de pessoas e ao transporte interestadual e intermunicipal, sem a necessidade de observar determinação do Governo Federal ou de órgãos sanitários nacionais, conforme noticiado via O Globo[2].

E assim nós acabamos ficando ao “Deus dará”, na medida em que alguns Estados e Municípios resolveram criar grupos de trabalho, modelos matemáticos multidisciplinares e outros mecanismos para bem combater o avanço da pandemia, ao mesmo tempo em que se preocuparam em preservar suas economias; noutros, o que tivemos foram decisões embasadas em puro achismo, quando não calcadas simplesmente na velha politicagem.

Vou começar pelo Estado de São Paulo, onde resido. Aqui estamos numa quarentena desde o dia 23/03/2020, cujo (último) término ficou previsto para 31/05/2020. Quase todo o comércio permanece fechado no Estado, com exceção de alguns “serviços essenciais”, como supermercados e farmácias. Entretanto, como a situação na Capital do Estado se afigura desfavorável, provavelmente haverá uma nova prorrogação até meados de Junho. E talvez uma outra, que se estenderá até o final desse mês. Isso se não vier o lockdown.

Pois bem, em São Paulo, Capital, depois da instauração de um sistema de bloqueio seletivo de algumas ruas e avenidas (que foi abandonado porque só conseguiu gerar engarrafamentos naquelas vias e retenção de pessoas que tinham urgências a tratar, como doentes, profissionais de saúde e outros trabalhadores ditos “essenciais”), depois da instituição de um novo sistema de rodízio de veículos, muito maior que o tradicional e aplicado a 50% da frota (que igualmente foi abandonado, porque aumentou a lotação em ônibus e metrôs[3], das pessoas que precisavam sair de casa para trabalhar), tiveram a ideia de fazer um “mega feriado”, já que apenas aos domingos o isolamento estava atingindo 50% da população. Assim, a Câmara Municipal aprovou um projeto de lei que permitiu a antecipação dos feriados municipais de Corpus Christi (11 de Junho) e da Consciência Negra (20 de Novembro) para Maio, passando a quarta (20) e quinta-feira (21), sendo que nesta sexta-feira (22), foi declarado ponto facultativo na cidade. Mais: o Governo do Estado decidiu apoiar essa medida e deliberou antecipar o feriado estadual da Revolução Constitucionalista (09 de Julho) para a segunda-feira (25). Ou seja, 06 dias de feriadão.

Deputados Estaduais até propuseram a implantação de barreiras sanitárias em um raio de 150 km da Capital e também na descida para o litoral, mas, essa emenda foi rejeitada. O texto enviado para o Governo, que o sancionou, previu apenas a antecipação do feriado[4].

Bem, não precisa ser expert no assunto para entender que as pessoas, confinadas em casa há praticamente dois meses, vão aproveitar esses 06 dias para entrarem em seus carros e viajarem para o interior ou para o litoral. Ou mesmo viajarão para outros Estados, como Minas Gerais, por exemplo, que goza de conhecidas estâncias balneárias. Enfim, a medida de antecipar e aglomerar feriados, desacompanhada de barreiras sanitárias, obviamente não trará o resultado almejado. Pode até implicar no seu contrário! Vejamos o que disse o Prefeito de São Vicente/SP, em entrevista dada ao Jornal A Tribuna[5]: “Tenho muito medo em relação ao feriadão. Vai descer todo mundo. Gente do interior, da capital, gente do ABC, para a Baixada Santista. Vai tumultuar a região. O governador está fazendo isso para melhorar o isolamento, mas vai melhorar na Capital. Aqui vai criar um grande problema para a gente”. De se ver que isolamento não vive de boas intenções…

Assim, estamos muito próximos à implementação de um lockdown no Estado de São Paulo. E o governador fará isso uniformemente, ao que tudo indica. Ou seja, tomará a medida mais drástica dentre todas, englobando indiscriminadamente os Municípios, porque ele e o Prefeito de São Paulo foram incapazes de lidar com a situação da Capital.

Vejamos agora como se comportou o Estado do Rio Grande do Sul, a título de exemplo que vai na direção oposta àquela acima descrita, conforme extensa matéria do site UOL[6].

Leany Lemos, cientista política e secretária de planejamento do estado do Rio Grande do Sul é a grande responsável pela implantação, naquele ente federado, do chamado “distanciamento controlado”, um plano de contenção da Covid-19 e de manutenção da economia que está em vigor há 10 dias. Formou-se uma equipe com mais de 120 especialistas. Eles fazem parte de um comitê de dados criado lá em meados de março para traçar estratégias de contenção das infecções por coronavírus.

A base de tudo é o levantamento e a análise de informações como: número de infectados e ritmo das infecções, número de leitos disponíveis, índices de risco das atividades econômicas e impacto dessas atividades no PIB local, entre outros. São elas que, semanalmente, alimentam um modelo matemático (uma fórmula criada especialmente para o Estado) cujos resultados determinam protocolos a serem seguidos e identificados por bandeiras de diferentes gradações. A mais branda é a amarela, que indica baixo risco de transmissão e boa capacidade do sistema de saúde. A mais grave é a preta, que aponta altíssimo risco de transmissão e sistema de saúde perto do colapso. Entre elas, estão as bandeiras laranja e vermelha. As regras são diferentes para as 20 regiões em que o Estado foi dividido. Essas orientações norteiam o funcionamento de serviços, empresas e órgãos públicos: o que fecha, o que abre e quais os critérios de abertura. As atividades econômicas também foram organizadas em cem classificações diferentes.

Com 5.473 casos confirmados e 166 óbitos até 21/05/2020[7], não há, nesta semana, regiões com bandeiras vermelhas ou pretas no Estado. Por isso, as restrições ainda não são muitas. Ainda assim, Leany conta que, no início, alguns prefeitos de Municípios do Rio Grande do Sul manifestaram resistência. “Mas rapidamente houve um entendimento. Um prefeito falou que queria abrir mais 10 leitos porque entendeu que, se ele aumentasse a capacidade do sistema de saúde, a bandeira mudaria”. Estratégias semelhantes vêm sendo aplicadas pela França, Reino Unido e alguns estados norte-americanos.

Ora, se um determinado político pretende restringir o direito de ir e vir, o direito de propriedade, o direito de reunião, o direito à educação, à iniciativa privada e tantos outros, precisa deixar muito claro o motivo de os estar afastando. A vida de pessoas infectadas é um bom motivo para tanto! Mas, é preciso deixar claro que as internações e mortes estão crescendo num ritmo que o sistema de saúde simplesmente será incapaz de absorver. Ou seja, é preciso diferenciar regiões nos Estados Federados, afinal, os nossos têm dimensões geográficas e populacionais de países inteiros. E é isso que estão fazendo os países!

Não dá para aplicar medidas uniformes, drásticas, a todo o Estado. A não ser que algo de gravidade descomunal, demonstrável matematicamente, esteja prestes a ocorrer. E até agora não vi do Governo de São Paulo os números que embasariam o grande lockdown.

Minas Gerais, por exemplo, tem números parecidos com os do Rio Grande do Sul, são 5.596 casos confirmados e 191 óbitos até 21/05/2020[8]. Claro que a doença poderá fazer números piores por lá. Mas, ao menos há boa transparência de dados. E quem diz isso é o Índice de Transparência da Covid-19, publicado em 21/05/2020[9] – uma iniciativa da Open Knowledge Brasil (OKBR) para avaliar a qualidade dos dados e informações relativos à pandemia do novo coronavírus publicados pela União e pelos estados brasileiros em seus portais oficiais. Para a composição do índice, foram definidos um conjunto de dados essenciais (conteúdo) e parâmetros para que sejam publicados (granularidade e formato). Na medida em que a transparência das informações de cada ente corresponde a estes critérios, mais ela contribuirá para agilizar o trabalho interno dos órgãos públicos e facilitar o envolvimento de outros setores da sociedade para construir soluções em conjunto com o poder público.

Então, é possível verificar que há muito o que ser feito. E mesmo nos lugares onde a coisa está sendo melhor conduzida, do ponto de vista da saúde aliada à economia, ainda haverá muito o que se fazer, afinal, a situação é bastante dinâmica. Mas, como conviveremos com a Covid-19 por pelo menos mais um semestre, temos que nos mexer. E rápido!

Conforme o Relatório Semestral sobre a Região da América Latina e Caribe sobre a “Economia nos Tempos de Covid-19”, do Banco Mundial (Open Knowledge[10]), publicada em Abril/2020, temos que: a atividade econômica está sendo interrompida não apenas devido a acontecimentos no exterior, mas também porque as pessoas deixaram de trabalhar e realizar negócios para reduzir o risco de contágio. Tal combinação de choque de demanda, choque financeiro e choque de oferta não tem precedentes na história, o que torna muito difícil prever a magnitude exata da recessão futura. De todo modo, sabe-se que a recessão na América Latina (e no Brasil) será superior à casa dos 5%.

Sucede que, diferentemente das nações mais ricas (Europa e América do Norte, p.ex.), Os países da América Latina e do Caribe não dispõem de um espaço fiscal para lidar com a situação. Alguns, inclusive, já vinham enfrentando crises mesmo antes do surto da epidemia Covid-19. As economias da região também são caracterizadas por níveis mais altos de informalidade, o que reduz, para muitas empresas e famílias, o impacto de certas medidas de apoio, tais como adiamentos de impostos e subsídios salariais. Com recursos limitados e instrumentos restritos, uma elaboração adequada das políticas públicas de resposta à epidemia Covid-19 torna-se essencial.

Muitas empresas se tornarão insolventes, pois continuarão a ter de arcar com seus custos fixos (aluguel, seguro, impostos, pagamento de juros e outros) enquanto suas receitas desaparecem. E, uma vez principiada eventual cadeia de falências, as consequências econômicas podem ser muito ampliadas. As instituições financeiras podem correr riscos à medida que incumprimentos do serviço da dívida aumentem; as famílias podem perder a confiança e resolver incrementar sua poupança; e mesmo empresas solventes podem decidir suspender seus investimentos. Um congelamento temporário da economia para desacelerar a propagação da epidemia Covid-19 pode se tornar um choque permanente e, em vez de uma rápida recuperação, pode desencadear uma recessão prolongada.

Países em toda a região têm tentado gerenciar o equilíbrio entre custos sanitários e custos econômicos. Atingir o equilíbrio “correto” requer uma avaliação dos impactos sanitários e econômicos das medidas que podem ser adotadas para conter a propagação da epidemia. Tais medidas incluem desde quarentenas e isolamentos populacionais em nível nacional até iniciativas de distanciamento social dirigidas a grupos populacionais vulneráveis, tais como idosos, ou a locais específicos – como foi descrito no caso do Rio Grande do Sul.

Medidas gerais e medidas direcionadas para conter a propagação da epidemia podem não ter o mesmo custo econômico. As quarentenas definidas geograficamente e o distanciamento social para grupos vulneráveis ainda permitem que o restante da população continue trabalhando. Os bloqueios em nível nacional, por outro lado, afetam mais a produção e o consumo. E o Relatório Semestral da Open Knowledge conclui que, ao analisar os dados sobre o impacto estimado das medidas de contenção no número de casos da epidemia Covid-19, parece que a estratégia de adotar medidas direcionadas no início da epidemia seria preferível para conter a disseminação da epidemia Covid-19, minimizando, ao mesmo tempo, os custos econômicos.

Enfim, caro leitor, estamos diante do novo. Não há caminhos fáceis. Mas, se não lidarmos da melhor forma possível com a situação, haverá fome e mais mortes. Neste pior cenário, poderemos ter uma ruptura do tecido social, com saques, invasões, e aumento vertiginoso da criminalidade. Parece que agitações nesse sentido inclusive já têm se iniciado, como ocorreu esta semana no Chile, onde uma comunidade inteira se revoltou pela fome[11].

Enfim, os custos econômicos gerais das medidas adotadas para desacelerar a propagação da epidemia Covid-19 ainda são desconhecidos, mas, sem dúvida, serão muito altos. O declínio dos mercados de ações dos EUA nos últimos meses é comparável ao observado durante a Crise Financeira Global, ou, até mesmo, ao da Grande Depressão. Isso ocorreu apesar do robusto pacote de estímulos adotado pelo governo dos EUA em 25 de março de 2020. Há, também, a expectativa de que o impacto na economia por lá seja prolongado devido a falências, interrupções nas cadeias de suprimentos e altos índices de desemprego. Imaginem o que será da nossa pobre América Latina. Deus nos abençoe!

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado