Vivemos tempos de exceção, sem dúvidas. E aqui me refiro à pandemia de Covid-19 e ao gigantismo estatal que se seguiu, justamente em decorrência da emergência sanitária. Perceba: nações do mundo todo passaram a restringir fronteiras, a limitar o direito de ir e vir interno, a interferir na livre iniciativa e no empreendedorismo privados, a confiscar partes da propriedade, a regular posturas individuais etc. Sem contar o despejo colossal de dinheiro público para atender àqueles que ficaram à mingua, com o emperramento das atividades econômicas – algo que permanece em voga, dada a segunda onda da doença.

Enfim, os tempos são ‘estranhos’, para dizer o mínimo, se nos colocamos na situação pretérita, onde as liberdades democráticas eram algo bem mais palpável, ainda que Jair Bolsonaro seja o presidente e um general do exército seja seu vice. Nesse estado de coisas, onde o Estado ‘Leviatã’ mostra sua cara mundo afora e a doença nos aprisiona em casa, situações que antes não eram toleráveis começam a se tornar cotidianas. A maior delas é aceitarmos tudo o que dizem os ‘governantes’ e ‘especialistas’, como se verdades fossem.

Desde o início da pandemia fizemos praticamente um voo cego no Brasil, seja em nível federal, estadual ou municipal. Para ficar com um exemplo simples, o governo paulista deixou Ribeirão Preto por 120 dias na fase vermelha, de meados de Março até o início de Agosto do ano passado (quase tudo fechado). Dali em diante estamos na fase amarela do Plano São Paulo[1]. Mas, provavelmente, voltaremos à fase laranja em razão dos números crescentes de contágios e de mortes (no Estado e na região de Ribeirão). Mas, como o governo do Estado mudou o Plano no início de 2021[2], o novo laranja é o antigo amarelo (exceto para bares). Quer dizer, vai mudar a fase, mas, na prática, quase nada muda.

É claro que os planos de contingência vão sendo aperfeiçoados e que na vida as coisas são dinâmicas. Porém, se o novo laranja é o antigo amarelo, então muita coisa ficou restringida sem necessidade no ano passado! Essa é a única conclusão possível hoje… E não estou aqui fazendo apologia ou crítica ao Plano São Paulo em si. Apenas pinçando um caso, objetivamente, para mostrar que há um caminhão de achismos na pandemia. E isso vale igualmente para remédios e vacinas. A questão que se impõe é que qualquer intervenção estatal nas liberdades individuais, por menor que seja, deve ser muito muito bem fundamentada e explicada sempre! O que, claro, vale para tempos de pandemia.

Ocorre que acabamos nos acostumando a esse estado de coisas policialesco e, também nós, os indivíduos submetidos ao Estado, começamos a policiar e patrulhar os outros. E isso tem apelo principalmente para o campo político. Veja: se a pessoa é mais de esquerda, odeia a cloroquina, gosta da Coronavac, e só sai de casa para ir ao supermercado ou à farmácia. Se é mais de direita, toma cloroquina, não vai se vacinar, patrocina o genocídio e por aí vai. Daí temos uma guerra de narrativas e versões, com a pandemia como pano de fundo. É bizarro? É, sem dúvidas! Mas, política ganhou esses contornos, infelizmente.

Tenho certeza que você, leitor, não se enquadra em nenhum dos dois estereótipos pintados no parágrafo anterior. Então, antes de deixar de ler a coluna e me emanar pensamentos negativos, dê mais uma chance ao escritor. Eu estava apenas fazendo uma introdução…

Veja bem, como liberal que sou, acredito que a liberdade do indivíduo é um bem em si mesmo. Daí que não se pode tolhê-la a não ser que algo severo justifique sua restrição. E isso vale para o Estado, mas, também vale para os demais indivíduos, todos sujeitos à legislação em vigor. Se o sujeito avança o sinal vermelho, deve ser responsabilizado.

Ocorre que, no meio dessa guerra ideológica, a liberdade de expressão é quase um dogma. Isso é assim porque qualquer ditadura tem como viga mestra o controle dos meios de comunicação, via pela qual propaga suas mentiras e implanta o medo paralisante, que forma o rebanho servil ao Estado. E nem me darei ao trabalho de exemplificar, basta procurar referências no Google. Esse modus operandi funciona à direita e à esquerda.

Porém, a liberdade de expressão implica em responsabilidades, quando utilizada contra preceitos legais. Ao menos deveria ser assim, onde há democracia e ‘civilização’. Só não se tinha notícias, até aqui, de ‘silenciamento digital’. Essa barreira foi rompida na sexta-feira da semana passada (08/01/2021), quando o Twitter baniu permanentemente Donald Trump de sua plataforma[3], o que foi seguido por Facebook e Instagram. Você pode até achar bacana, já que Trump vem se comportando pessimamente, como uma criança mimada, desde que perdeu as eleições para Joe Biden. Porém, como o perfil dele existe e é ele quem o opera, a solução não é bani-lo da rede, mas, responsabilizá-lo por suas palavras e atos, como já está fazendo o Congresso Americano, aliás[4]. E isso vale para o campo não só político, como também para eventual indenização cível e punição penal.

Banir os outros (que pensam diferente de você) pode parecer um ‘bom autoritarismo’, quer dizer, algo justificável. O sujeito pensa: Trump é um animal, um genocida, inimigo do meio ambiente, egoísta, etc. Então, como ele não para de dizer mentiras, deve ser expulso das redes sociais. Quiçá deve ser preso! Talvez até morto… Estou sendo exagerado de propósito, caro leitor. Isso para tentar mostrar que autoritarismo nenhum é ‘bom’ ou ‘positivo’. As liberdades individuais existem justamente para frear esse ímpeto do ser humano, principalmente daqueles que nos governam. É por isso que existem constituições e leis em países democráticos. Veja bem: uma coisa é usar da internet, sob anonimato (ou com perfis fakes, que impossibilitam a responsabilização), para praticar delitos. Outra bem diferente é usar desse espaço e, tendo praticado algum delito, responder por ele. A internet é a pílula vermelha da Matrix. Remover um perfil não ‘reseta’ o sistema, pode acreditar! No máximo cria novas redes, que só fazem aumentar as bolhas e o ódio ([5][6]). Enfim, deletar pessoas reais não torna as redes mais ‘democráticas’.

Ilustre leitor, você pode acreditar que Trump não fez nada de decente no comando dos Estados Unidos da América. Porém, quase metade dos americanos pensa diferente de você… E as razões são muito mais relacionadas a critérios econômicos (p.ex.) do que aquelas bobagens que ele costuma tuitar. Escrevi sobre isso recentemente[7] – recomendo.

Enfim, não podemos pautar o mundo por nossas réguas morais. O Poder Legislativo existe justamente para exprimir em leis aquilo que deveria refletir a vontade das urnas. Então, todos ficam submetidos a elas, sejam ocupantes de cargos no Executivo seja no Judiciário. Os próprios legisladores hão de respeitar as leis. É assim para que não vire balbúrdia. Para que uma vontade (mesmo que de uma ‘maioria’) não se imponha arbitrariamente sobre as outras. Lembre-se: a conjuntura muda, a política muda, as maiorias também mudam.

Nesse cenário, é com imensa tristeza que vejo concidadãos de renome, pessoas que prestam inclusive bons serviços à sociedade, deixarem se levar por ideias políticas autoritárias. Mesmo no curso de uma pandemia isso não deveria ter vez. Devemos ser democratas sempre, ainda que o intuito seja combater ditaduras!!

Vou dar alguns exemplos bem recentes: 1) Atila Iamarino (12/01/2021)[8]: “Autoritarismo necessário // Ou será preciso calar as vozes antivacina ou tornar a vacina compulsória”; 2) Bruno Boghossian (13/01/2021)[9]: “É melhor remover um lunático da arena política ou derrotá-lo nas urnas? // Expulsão pode alimentar extremistas, mas aposta em processos eleitorais não é eficaz contra populistas”; 3) Ricardo Noblat (10/01/2021)[10]: “Se Trump optar pelo suicídio, Bolsonaro deveria imitá-lo. Mas para que esperar pela derrota na eleição? Por que não fazer isso hoje, já, agora, neste momento”. E um exemplo um pouco mais antigo, mas, muitíssimo emblemático: 4) Hélio Schwartsman (07/07/2020)[11]: “Por que torço para que Bolsonaro morra // Jair Bolsonaro está com Covid-19. Torço para que o quadro se agrave e ele morra. Nada pessoal”.

Realmente, se prendermos ou matarmos aqueles que se afiguram nossos opositores de ideais (sejam de que matizes forem) podemos até imaginar que o mundo se tornaria um lugar melhor, mais prazeroso, mais justo, enfim, que conseguiríamos obter a paz. Mas, na realidade, o único resultado que alcançaríamos com isso seria o totalitarismo (e suas conhecidas mazelas decorrentes). Em suma: autoritarismo contra os outros é refresco.

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado