No dia 11/03/2020[1] a OMS decretava a ‘pandemia’ do Sars-Cov-2, agente patológico da doença que atende pelo nome de COVID-19. A decretação foi bastante tardia e, de lá pra cá, pouco se viu em termos de coordenação entre as nações, no que se refere ao combate à disseminação da doença. Valeu o ‘cada um por si e Deus contra todos’. E internamente, no Brasil, essa regra valeu ao quadrado, por inúmeras razões que não vêm ao caso nesta coluna. O fato é que, em maior ou menor medida, todos os países tiveram algum nível de quarentena e, como decorrência, as pessoas tiveram que trabalhar em esquema de home office. O termo já existia e este formato de trabalho, obviamente, também. Porém, jamais tantas pessoas, no mesmo espaço de tempo, adotaram essa forma de produzir no mundo.

De repente, todos fomos pra casa. E ficamos por lá, aguardando passar o armagedom, em regime fechado ou semiaberto, conforme o caso. Mas, a doença se recusou a ir embora e agora se discute no país a volta ou não ao trabalho presencial, bem como a reabertura ou não das escolas e o que mais pode funcionar. Veja bem: não abordarei aqui a pandemia, suas causas, consequências ou formas de tratamento (nem mesmo a vacina). A questão que trago à luz é apenas a adoção universal e eventual manutenção do home office como forma de trabalho para depois da pandemia. Então, fixe isso na mente ao ler esta coluna.

A humanidade trabalha desde tempos imemoriais. Acredito, aliás, que foi o trabalho que fez o homem, afinal, não tivéssemos tido uma evolução ao longo dos anos, de modo a andar em posição ereta, aprender a utilizar pedras e outros metais e a dominar o fogo, ainda estaríamos vivendo na copa das árvores (as que ainda não pegaram fogo, claro!).

Quer dizer, em alguma parte de nós, talvez integrando o DNA, seguramente está escrito algo como “não existe almoço grátis”… Tanto que os primeiros primatas que desceram às savanas, correndo o risco de virarem presas fáceis, o fizeram em razão da aludida máxima. E obraram em grupo. Entretanto, parte de nós vive se esquecendo disso. É daí que nascem ideias estapafúrdias. Uma delas é que o Estado deve prover ‘tudo a todos’ (afinal, decerto existe um pé de notas de R$200,00 no quintal dos três Poderes em Brasília/DF). Mas, a mais recente – espécie do gênero ‘novo normal’ – é justamente o dito home office.

Em primeiro lugar, e aqui não há contradição alguma, convém deixar claro que há certos tipos de trabalho que dispensam totalmente a presença física. Digamos que você seja programador de informática, por exemplo. Pode trabalhar de qualquer lugar, desde que tenha acesso a um computador e, preferencialmente, a uma internet de boa qualidade. Assim, existem profissões que dão esse tipo de mobilidade. Acredito inclusive que essas profissões serão a esmagadora maioria no futuro (e num futuro muito breve). Perceba: essa mobilidade não quer dizer que o sujeito pode ficar num quarto trancado, produzindo e comendo pizza com coca-cola. O contato com outros seres humanos é indispensável. Disso depende boa parte de nossa criatividade e inovação – além de fazer um bem danado para a estabilidade psicológica, que se traduz em mais produtividade. O isolamento faz aumentar e creio seja causador de um sem-número de conflitos (internos e externos).

Ter ‘mobilidade’ nem de longe é sinônimo de trabalhar de casa todos os dias, acredite!

Grandes empresas, com sedes gigantes e muitos metros quadrados de espaço, já enfrentavam o problema de os profissionais não se relacionarem uns com os outros, o que reduzia o surgimento de ideias e o intercâmbio de informações. Isso mesmo com todos os profissionais trabalhando in loco. Steve Jobs, há muitos anos, já tinha pensado nisso. Tanto que projetou a sede da Pixar com um único banheiro central exatamente para que os funcionários de toda a empresa pudessem se encontrar em algum momento do dia[2].

O fato é que a pandemia deixou claro que algumas profissões que antes se imaginava serem presenciais (necessariamente), revelaram-se perfeitamente possíveis de prestação remota. Eu que sou advogado, por exemplo, posso fazer uma reunião virtual, realizar uma sustentação oral telepresencial, ou mesmo uma oitiva policial usando um software. Há enorme ganho de tempo, afinal, inúmeras viagens são evitadas e o trabalho é executado.

Ocorre que a interação entre os trabalhadores de um mesmo negócio ou empresa é fundamental. Mais que isso, ter um bom ambiente de trabalho e uma rotina ajudam o cérebro a se concentrar e a produzir. Em casa, atividades mil tiram nosso foco (e a produtividade), como: tratar do cachorro, preparar o almoço, conversar com seu cônjuge, cuidar dos filhos etc. Ora, Ricardo, mas tudo isso não é excelente? Sim, é claro que é! Apenas não são boas atividades para se fazer enquanto você está trabalhando, tentando produzir alguma coisa… Há hora pra tudo! E estando em casa as coisas se confundem…

A perda de produtividade inclusive vem sendo notada por empresas de renome, como é o caso da J.P. Morgan[3] (maior banco dos Estados Unidos), que viu a produtividade de seus colaboradores despencar durante a pandemia, enquanto cumpriam suas atividades em regime de home office. Já o Estado Brasileiro, para ficar num exemplo mais palpável, simplesmente foi incapaz de produzir em regime de home office: as repartições fecharam e ninguém sequer atendia o telefone, algo assustador! Basta pensar na quantidade de pessoas que dependem do funcionamento do INSS (e de seus benefícios) para ter em conta que o servidor público deve estar justamente onde se espera: servindo ao público.

Veja bem, o homem trabalha durante o dia porque a lâmpada elétrica existe há cerca de 140 anos[4] apenas. Havia velas e outros dispositivos a gás, mas, convinha que o trabalho fosse executado durante o dia, enquanto há luz solar. Essa convenção, portanto, é milenar. Não adianta dizer: “ah, mas eu produzo melhor a noite”… A noite as pessoas estão em casa descansando amigo (ou ao menos estão fazendo outras coisas mais legais que trabalhar). Então, não adianta reinventar a roda: é producente que haja um horário comercial mais ou menos igual para todos. E faz sentido que ele ocorra durante o dia.

Trabalhar não é legal. Trabalhar, em qualquer profissão que seja, cansa. Bom mesmo é gastar seu tempo com sua família, seus amigos, seus animais de estimação, viajar, conhecer pessoas, enfim, ter experiências mil. Trabalho é trabalho. Ponto. Então, levar trabalho para casa deveria ser exceção, afinal, fazendo isso você está levando seus problemas pra casa. E, creia-me: não vai dar certo a longo prazo! Quanto mais online nos tornamos, mais escravizados somos. Hoje é preciso atender o telefone em qualquer horário, responder às infinitas mensagens de WhatsApp etc. justamente naquele momento em que você acha que poderia estar descansando, e que seu chefe escolheu para ser a hora mais produtiva dele. Multiplique isso pela quantidade de chefes e clientes e está revogada a Lei Áurea pra você… É preciso atender a tudo e a todos, 24 horas por dia. Pior: tudo se tornou urgente, afinal, você está sempre ‘disponível’ no seu home office. Pense nisso!!

Imagine que seus pais (ou seus avós, conforme a sua idade) acordavam cedo, iam para o trabalho e ao cair da noite estavam de volta em casa, reclinando-se no sofá comprado na Mesbla e tomando uma latinha de Antarctica. No dia seguinte, a mesma coisa. “Credo!” Diriam as atuais gerações – “No meu trabalho eu posso cumprir meu horário como quiser, tenho rede para descansar depois das refeições, videogame, mesa de ping-pong, e até um choppinho que a empresa fornece durante o happy hour”. Muito bacana! Mas, verifique que, na verdade, ao invés de deixar o ambiente de trabalho e retomar sua liberdade, para fazer tudo o que quiser sem ser incomodado, os profissionais passaram a ter que se divertir durante o trabalho… Pelo simples fato de que não há mais tempo livre!! As pessoas trabalham 24 horas por dia, 7 dias por semana. E o mais triste: seus pais ou avós, com a sua idade, já tinham carro, casa e até um valor guardado para a aposentadoria. E você? Adianta ser tão descolado, ter tanta ‘liberdade’ e, no final das contas, nem patrimônio ter?

Inexoravelmente o mundo será um lugar mais virtual. Eu sei disso leitor! Ocorre que entre saber disso e glorificar o home office vai muita distância… Perceba: 80% das carreiras atuais não existirão mais em 2030[5]. Isso significa que as pessoas serão mais ‘livres’ e terão mais ocupações remotas então? Não. Haverá desocupação em massa. Simples!

Segundo outras estimativas, cerca de 800 milhões de pessoas em todo o mundo ficarão desempregadas até 2030[6]. Estamos falando de mais de 10% da população global. Basta dizer que aproximadamente 60% dos jovens estão aprendendo profissões que vão deixar de existir!! Em menos de 10 anos teremos carros autômatos, que vão prescindir de motoristas – taxistas, caminhoneiros e até quem trabalha de Uber perderão seus empregos. Possivelmente esta revolução acabará também com a indústria automobilística, seguros de automóveis, empresas de aluguel de veículos, empresas de lavagem de automóveis, empresas de estacionamentos e valet, dentre inúmeras outras. Entregas já começaram a ser realizadas por drones, de modo que até os motoboys, cujo trabalho bombou durante a pandemia, estão com os dias contados. Na construção civil, setor que costumeiramente mais emprega no mundo, haverá uma profunda revolução em muito breve, que será derivada da difusão e barateamento das impressoras 3D. Também entra na lista a indústria plástica, ornamental, peças, roupas, sapatos, e tudo o que puder ser impresso em casa, afinal, até mesmo órgãos humanos[7] serão impressos (e em muito breve – pesquise!).

Aí você se pergunta: “e eu com isso, Ricardo?” Ora, amigo leitor, trabalhe! Trabalhe muito. Só assim conseguirá ter alguma dignidade na vida. E, de acréscimo, uma família e pets para alimentar. No caminho, poderá ter momentos de felicidade. Agora, seguramente, os melhores momentos da sua vida não ocorrerão enquanto você está trabalhando. Afinal, ‘trabalhamos para viver’ e não ‘vivemos para trabalhar’. O descanso é um templo. Nossa casa é um templo! Não arruine tudo levando todos os seus trabalhos, problemas e suas angústias para dentro do seu lar. Esqueça a panaceia do home office. É só um conselho.

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado