A vida é curta, dizem com frequência. E é mesmo! Porém, minha geração está testemunhando (e ainda há de testemunhar) mudanças incríveis na seta da história humana, sem precedentes. Quer dizer, no espaço de uma vida, teremos deixado de ser os filhos da contracultura da década de 70 e início da década de 80 e seremos uma espécie de dinossauro. A rebeldia iniciada por nossos pais não servirá de nada, pois seremos peixes fora d’água antes do final desta vida.

Explico: somos do tempo em que se brincava na rua (como todos antes de nós fizeram); se andava de carro sem cinto de segurança (fumando e bebendo), com as crianças no chiqueirinho do porta-malas; íamos a pé para a escola, no máximo a partir da 5ª série; e todas as nossas relações interpessoais eram físicas, já que até o início da idade adulta não havia internet. Coisas como preservação ambiental, segurança do trabalho e as atuais questões de gênero ainda estavam saindo das pranchetas. Tudo era resolvido em papel (em pelo menos 2 vias), e na TV passavam Clube do Bolinha, Programa do Gugu e Trapalhões. Hoje todos dariam cadeia.

Enfim, somos uma espécie de fóssil vivo. Sequer completei 40 anos, mas, as novas gerações me olham como um tipo de mamute que circula por aí. Quer dizer, me veem, ouvem, entendem o que digo, porém, sabem instintivamente que sou alguém ultrapassado. E isso mesmo que eu seja uma pessoa progressista, que procura se reinventar a todo momento – um ser inquieto.

Veja bem, caro leitor, não estou escrevendo isso para dizer: “nossa, no meu tempo que era bom, as pessoas eram leais e honestas, havia valores familiares e etc.”… Isso é conversa para boi dormir meu amigo! Se você ainda está nessa, olhe-se no espelho com calma, há o risco de você já ter falecido e estar empalhado. A marcha da história não cessa. Como diz Yuval Noah Harari, em seu livro Uma Breve História da Humanidade: a história não se importa com a Justiça.

As crianças de hoje já nascem diferentes. Não me pergunte como, mas, claramente são muito diferentes de nós (aqui me refiro à minha geração e às anteriores). Elas não têm esse sentimento de FLA x FLU que vemos hoje na política, religião e outros temas. Na verdade elas não estão nem aí para política e religião. Como explica o renomado escritor israelense acima mencionado, as nossas convenções são feitas com base em ‘mitos’, mais ou menos aceitos na sociedade. Ocorre que as crianças de hoje têm outros mitos – ou têm menos apego aos nossos mitos, pelo menos. Segundo Harari, “Diferentemente das leis da física, que estão livres de inconsistências, toda ordem criada pelo homem é cheia de contradições internas. As culturas estão o tempo todo tentando conciliar essas contradições, e esse processo alimenta a mudança”. Bingo!!

Não adianta argumentar que Deus criou o universo, depois criou Adão e, de uma de suas costelas, criou Eva – ambos posteriormente expulsos dos Jardins do Éden por comer do fruto da árvore do conhecimento, por conselho da serpente… Os jovens não leram a bíblia e muito provavelmente não a lerão. Não importa se você acha que isso é um absurdo… já está acontecendo! Aliás, elas não veem sentido algum nesse e em outros mitos. E olha que a maioria tem noção que existe uma força criadora e, talvez, até acreditem em Deus de alguma forma.

Desde a Revolução Francesa os conceitos de liberdade e igualdade passaram a ser considerados valores fundamentais. Ocorre que esses dois valores têm muito de contraditório. Como ensina Harari, “A igualdade só pode ser assegurada se forem diminuídas as liberdades daqueles que estão em melhores condições. Garantir que cada indivíduo seja livre para fazer o que desejar inevitavelmente compromete a igualdade”. Então, creio que a nova ordem mundial, essa que está prestes a irromper quando os atuais adolescentes e crianças forem adultos (e nós, velhos), vai abrir mão de boa parcela de sua liberdade para ter um mundo mais igual, em termos de oportunidades. Nada a ver com comunismo, amigo, nem fique animado (se você é de esquerda). Haverá liberdades individuais, mas, uma forte carga de deveres sociais para contrabalanceá-las.

Pessoas como eu têm dificuldade de abrir mão de direitos. Sucede que isso já é uma realidade. A cada dia que passa há novas regras coletivas. Então, é certo que haverá maior regulação do Governo. Pode ser que isso vá dar num Estado parecido com as distopias “1984” e “Admirável Mundo Novo”? Sim, pode! Porém, creio que haverá algo como um meio termo, pois tornar os seres humanos totalmente cativos leva à apatia e falta de produtividade. Seria melhor então substituí-los por máquinas, que não enchem a cara, não acordam de mau humor e possivelmente não organizarão greves, piquetes e guerrilhas. Então, haverá algum grau de liberdade, é certo.

Esse novo mundo seguirá sendo, pois, capitalista. O ser humano almeja, busca, conquista. Somos inquietos, desbravadores e sonhadores – além, é claro, de gostarmos a beça de dinheiro! Harari explica em seu livro que: “Durante milhares de anos, filósofos, pensadores e profetas demonizaram o dinheiro e o consideraram a raiz de todos os males. Seja como for, o dinheiro é também o apogeu da tolerância humana. O dinheiro é mais tolerante que linguagem, leis estaduais, códigos culturais, crenças religiosas e hábitos sociais. O dinheiro é o único sistema de crenças criado pelos humanos que pode transpor praticamente qualquer abismo cultural e que não discrimina com base em religião, gênero, raça, idade ou orientação sexual. Graças ao dinheiro, até mesmo pessoas que não se conhecem e não confiam umas nas outras são capazes de cooperar de maneira efetiva”. A China, que administra seus cidadão com mão de ferro, já percebeu a força motriz de ter uma economia baseada na relação capital e trabalho, viabilizando ascensão social. Perceba que ali vivem 20% de todas as pessoas do planeta! Já começou a diáspora dos chineses: estão por toda parte (e não os vejo ficar reclamando do Governo).

Impérios são comumente ligados a conflitos e opressão. Porém, sempre deixam seu legado. O Império Romano, p.ex., deixou seu sistema jurídico, sua língua (o latim, que pariu 7 línguas, dentre elas o francês, o espanhol, o italiano e o português) e a Igreja Católica Apostólica Romana. Pode ser então que o Império Chinês, que está apenas começando, traga ao mundo uma miríade de novidades, dentre elas uma maior tolerância com a regulação governamental.

A internet avança a passos largos. Entraremos na era 5G (cuja tecnologia, ‘por um acaso’, é chinesa) nos próximos 2 ou 3 anos. A quantidade e a velocidade da informação que circula no mundo vai se multiplicar por muitas vezes (numa razão inconcebível). Então, aquilo que nós aprendemos na escola como “globalização” terá finalmente se tornado realidade (até aqui nós tivemos apenas um pequeno ensaio). Isso quer dizer que tendências culturais vão se espalhar à velocidade da luz, o que moldará uma sociedade multiética global em pouco tempo, tornando obsoletos conceitos de nação, raça, povo etc. Talvez fique obsoleta a quase totalidade dos cerca de 200 Estados individuais que hoje temos na face da Terra. Assim, aquilo que minha geração enxerga como cultura, crença, ideologia política e coisas do gênero perderão todo o sentido.

A nova ordem mundial já começou e não está nem aí para o que você pensa ou deixa de pensar.

Referências:

FOTO: https://www.google.com/search?q=AS+V%C3%A1RIAS+FACES+DA+NOVA+ORDEM+MUNDIAL&tbm=isch&ved=2ahUKEwiF8YPOrvDzAhWlMrkGHe3QDBgQ2-cCegQIABAA&oq=AS+V%C3%A1RIAS+FACES+DA+NOVA+ORDEM+MUNDIAL&gs_lcp=CgNpbWcQAzoFCAAQgARQuCRYuCRghSpoAHAAeACAAYMBiAH-AZIBAzAuMpgBAKABAaoBC2d3cy13aXotaW1nwAEB&sclient=img&ei=uUx8YcWwPKXl5OUP7aGzwAE&bih=657&biw=1366&rlz=1C1GCEA_enBR918BR918#imgrc=juWjk8zdoaxBBM&imgdii=6CKIuYKgHPD_yM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado