A vida é uma boa escola, creia-me. Mas, há coisas que aprendemos apenas a determinada altura da vida. Se passarmos por ali sem adquirir aquela(s) vivência(s), será bastante difícil ascendermos a determinados entendimentos depois. Funciona assim.

Nosso país tem uma história prosaica. Quando crianças, aprendemos na escola que Pedro Álvares Cabral, navegador português, partira para uma expedição à Índia, seguindo a rota recém-inaugurada por Vasco da Gama, contornando a África. O objetivo deste empreendimento era retornar com especiarias valiosas e estabelecer relações comerciais com a Índia. Porém, os 13 navios teriam se afastado da costa africana e, meio que ao acaso, acabaram encontrando o Brasil, que acreditaram ser uma ilha, atribuindo-lhe o nome de “Vera Cruz”. E isso teria ocorrido nas proximidades de Porto Seguro/BA, no dia 22/04/1500 – dia do “descobrimento”, conforme o calendário.

Acontece que a verdadeira história é mais complexa. Não dá para simplesmente crer que um navegador experiente, que singraria os mares por milhares e milhares de quilômetros, numa viagem de ida e volta à Índia, iria simplesmente se perder, junto com os outros 12 comandantes dos navios que compunham sua frota. Basta lembrar que o Tratado de Tordesilhas é datado de 07/06/1494[1], celebrado entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, justamente para dividir as terras descobertas (e por descobrir) por ambas as Coroas. A intenção portuguesa, no referido pacto, já era ficar com parte das terras do que viria a ser o Brasil. Então, de fato, Cabral aqui chegou para tomar posse.

Tanto isso é verdade que trouxe consigo alguns ‘marcos’. Um deles – a pedra em forma de coluna, que detém 1,62m de altura e 32,5cm de largura, e que numa de suas faces possui a cruz da Ordem de Cristo e o escudo português esculpidos em relevo – foi deixado por Cabral onde hoje fica o Município de Touros/RN. Ora, faz todo o sentido que a frota portuguesa tenha saído da ‘terrinha’ e navegado direto, pelo caminho mais curto, até o litoral potiguar, onde deixou o primeiro marco da coroa, mostrando a tomada de posse das terras, conforme a divisão estabelecida no Tratado de Tordesilhas.

O referido marco, hoje exposto no Forte dos Reis Magos, em Natal/RN, possui um exemplar idêntico, que é exibido no Centro Histórico de Porto Seguro/BA. Ali, a ele se referem como ‘marco zero’, dado que, nos livros, Cabral primeiro chegou à Bahia.

Assim é que nós, os alunos, aprendemos a história do “descobrimento” e a levamos pelo resto da vida, acreditando piamente naquilo que a “tia” da escola, de boa-fé, nos disse.

Posteriormente, passado o período colonial, em 07/09/1822, D. Pedro de Alcântara de Bragança, filho de D. João (regente português), declara nossa independência e torna-se Imperador do Brasil. Uma espécie de “golpe” em família. Depois, em 15/11/1889, houve um novo “golpe”, político-militar, que implicou na Proclamação da República, instaurando a forma republicana presidencialista de governo no Brasil, encerrando a monarquia constitucional parlamentarista do Império e, por conseguinte, destituindo o então chefe de estado, imperador D. Pedro II. Nossa jovem República foi então governada pelo que se denominou por “política do café com leite”, com predominância do poder nacional por parte das oligarquias paulista e mineira. Tudo muito democrático!

Tivemos ainda, seguindo a história política brasileira: o Estado Novo, um regime instaurado por Getúlio Vargas em 10/11/1937, que vigorou até 31/01/1946, marcado pela centralização do poder, nacionalismo, anticomunismo e autoritarismo; e a Ditadura Militar, instaurada em 01/04/1964 e que durou até 15/03/1985, cujas características são praticamente as mesmas já citadas para o Estado Novo. Ou seja, mais democracia!

Então, dali em diante, vivemos o atual estágio, sob a égide da Constituição Federal de 1988. Ufa, enfim a glória de democracia, não é mesmo?? Porém, é importante anotar ainda que: o primeiro presidente eleito, por voto direto e universal, Fernando Collor de Mello, foi deposto por impeachment. O segundo, Fernando Henrique Cardoso propôs e fez aprovar uma Emenda à Constituição que viabilizou sua permanência no cargo, num segundo mandado que se iniciou em 1998. Tivemos então a era de governos do PT, com a eleição e reeleição de Lula, assim como de Dilma Rousseff, que deixou o poder após seu impeachment no ano de 2016, tendo assumido Michel Temer.

De se ver, portanto, caro leitor, que nossa história é uma sucessão de ditaduras, golpes, solavancos, derramamento de lágrimas e até de sangue. Praticamente todas as gerações viveram sob essas condições (inclusive a nossa). Então, é preciso ter com clareza que nós, brasileiros, não somos um povo muito democrático, infeliz e lamentavelmente… Mesmo que a “tia” tenha lhe dito o contrário.

Sucede que, até meados de 2018, ano das últimas eleições, simplesmente inexistia nos anais da política, desde o fim da Ditadura Militar, partidos ou pessoas que defendessem abertamente a extrema direita no país. Não fazíamos a menor ideia do que vinha a ser “pauta de costumes”, por exemplo. Assim, não se pode dar a quem está no poder, Jair Messias Bolsonaro, mais relevância do que efetivamente tem. Ele é detentor do cargo de Presidente da República, ponto! Pode até ser reeleito, claro, mas, como todos os outros, vai passar. Porque a vida passa… e, como narrado acima, nos ensina.

Assim, no campo da radicalização, de duas uma: ou o sujeito casou-se com um ilustre desconhecido ‘fascista’ (e não me refiro a quem votou em Bolsonaro, mas, àqueles que o defendem como se fosse um “mito”) ou entende que Lula é uma ‘entidade celestial’, que veio para nos salvar da danação eterna, de modo que todo o mal da Terra, causado por Bolsonaro, deve ser expurgado, e se preciso no tapa. A discussão está nesse nível.

Ocorre, caro leitor, que é preciso ter em conta que em 2026, muito provavelmente, não teremos como candidatos nem Lula e nem Bolsonaro. E você está sem conversar com seus vizinhos, seus colegas de trabalho, seus amigos e até seus parentes (inclusive pai e mãe), porque na sua cabeça elevou um daqueles dois à qualidade de Deus vivo! Note que ambos são apenas totens políticos. E você deixou que fossem ali colocados pela atual ‘Coroa Portuguesa’, ou melhor, por entidades partidárias que querem te manipular.

Saiba que radicalizar, em qualquer campo, apenas traz uma consequência para qualquer indivíduo: MENOS!! Isso mesmo: menos assuntos sobre os quais falar, menos pessoas para conversar, menos lugares para ir e, inclusive, menos dinheiro no seu bolso em muitos casos. Tenha sim suas ideias, suas inclinações, sua bandeira de costumes, sua visão econômica etc., mas, qual a utilidade de deixar de dialogar e de aceitar o próximo?

O país vai seguir, assim como a humanidade, para onde quer que seja, num viés mais democrático ou mais totalitário (como nos contos distópicos), goste você ou não. Então, não precisa agir como um idiota, nem mesmo com os ‘outros idiotas’, acredite. Saia fora dessa radicalização. Leia mais, procure entender melhor sobre o porquê de estarmos nesse atual patamar. Tente observar, de coração aberto, para onde vamos. Não acredite apenas naquilo que vê e escuta, todo dia, dentro da sua ‘panelinha’ do espectro político.

A vida é uma boa escola, creia-me!

Referências:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Tordesilhas

FOTO: https://www.google.com/search?q=lula+x+bolsonaro+fotos&rlz=1C1GCEA_enBR815BR815&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=2ubWjrqHVU_ioM%253A%252CPjeMR4QOJX8SAM%252C_&vet=1&usg=AI4_-kRdjFclPR7CMZ5oLNLphuh7Jrk2-g&sa=X&ved=2ahUKEwiPm-eAy-PnAhXnhOAKHRmFCvgQ9QEwAXoECAoQBw#imgrc=2ubWjrqHVU_ioM:

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado